Menos de 24 horas depois de o ministro da Educação ter concluído sucessivas reuniões com as estruturas representativas dos professores debaixo da ameaça de greves generalizadas, o primeiro-ministro voltou à carga, no Parlamento, contra o que a tutela considera ser a “posição intransigente dos sindicatos”. Mas manteve a proposta do Governo em cima da mesa, ao contrário de Tiago Brandão Rodrigues. No debate quinzenal desta terça-feira, António Costa foi acusado de ter falhado promessas.
Os sindicatos reclamam a
recuperação do tempo de serviço em que a contagem para efeito de
progressão esteve congelada - nove anos, quatro meses e dois dias. A
tutela não vai além de dois anos, nove meses e 18 dias.
A ausência de entendimento relativamente à contagem do tempo para a progressão nas carreiras entrou nos trabalhos pela mão do líder parlamentar do PSD. Fernando Negrão acusou o Executivo socialista de deixar uma promessa por cumprir.
O dirigente social-democrata recordou que, ao abrigo do Orçamento do Estado, foi adotada uma resolução que previa a contagem de todo o tempo de serviço.
“Não há disponibilidade para fazer o acordo com base na posição intransigente dos sindicatos, não havendo evolução não há mais negociação, a não ser que haja disponibilidade para evolução”, redarguiu o primeiro-ministro, sublinhando que os representantes dos professores não quiseram abdicar da contagem de todo o tempo de congelamento de progressões.
“O impacto da contagem desde 2011 seria de 600 milhões de euros. O acordo que o Governo pode fazer é de acordo com as disponibilidades”, sustentou Costa.
O chefe do Governo contrapôs ainda que aquilo que foi aprovado no Orçamento para este ano visou “a abertura do processo negocial para se definir o tempo e o modo dessa contagem, tendo em conta a sustentabilidade dos recursos disponíveis”.
“Convém recordar que o que consta do Programa do Governo foi o princípio do descongelamento de carreiras e o cronómetro foi reposto a contar para os professores”, frisou, acrescentando que já este ano houve descongelamento para cerca de 45 mil docentes, num montante de despesa de 90 milhões de euros.
“É falso que os professores sejam uma exceção. Serão descongelados como os demais funcionários do Estado”, afiançou.
“A proposta está em cima da mesa”
Adiante, em resposta a uma intervenção da líder do CDS-PP, Assunção Cristas, Costa acabaria por divergir da posição assumida na segunda-feira por Tiago Brandão Rodrigues. Após as reuniões com os sindicatos, o titular da pasta da Educação afirmou que os professores não veriam contabilizado qualquer tempo de serviço congelado, dado o fracasso das negociações.
“Significa ficar tudo como estava”, dizia então o ministro da tutela aos jornalistas.
No Parlamento, o primeiro-ministro fez outra avaliação do estado das negociações: “Nós propusemos e a proposta está em cima da mesa”.
Sandra Machado Soares, Rui Rodrigues, David Freitas, António Antunes - RTP
“No dia em que os sindicatos quiserem retomar a negociação da nossa proposta, estamos abertos a isso. Nós não retiramos a proposta, mas não a declaramos unilateralmente, porque isso não é um acordo é uma medida unilateral”, argumentou.
Assunção Cristas teve outra leitura: “Não foi isso que ouvimos, o que ouvimos é que, então, não havia nada. O que ouvimos foi não querem negociar, então não há nada. Se está a dizer que pelo menos os dois anos existem, já é um progresso”.
“Chantagem inédita e prepotência”
Também à esquerda dos socialistas houve críticas à postura do Ministério da Educação. Catarina Martins falou mesmo de “chantagem inédita e prepotência” face aos sindicatos. Ou “os sindicatos aceitam a proposta do Governo ou os professores não recuperarão qualquer tempo de serviço congelado”, resumiu a coordenadora do Bloco de Esquerda, numa descrição da postura do ministro.
“É muito grave e é bom que o senhor primeiro-ministro aqui ponha novamente em funcionamento o Governo regularmente com o parlamento e com os parceiros”, instou a dirigente bloquista, acrescentando que “onde o Governo fala de negociação neste momento o país só vê prepotência”.
Na réplica, António Costa afiançou não haver "nem prepotência nem chantagem”, estimando depois em “600 milhões de euros” o impacto da proposta dos sindicatos. O que “não é comportável”.
“O Governo apresentou uma proposta em março que previa a contagem em dois anos, nove meses e 18 dias”, o que, segundo as contas do Governo, representaria 170 milhões de euros adicionais só em 2019. A posição sindical, repetiu Costa, “foi sempre a mesma”.
“Nós não podemos fazer nada nem há contraproposta para avançarmos. É esta tão simplesmente a situação em que nos encontramos”, insistiu.
“Não há condições”
A ideia de que o Executivo “não tem dinheiro” para garantir “600 milhões de euros por ano” voltaria ao debate na troca de palavras entre o primeiro-ministro e a deputada do Partido Ecologista “Os Verdes” Heloísa Apolónia.
“Quando falei em 600 milhões de euros não é o custo dos nove anos, quatro meses e dois dias. São só o custo que teria o tempo de 2011 a 2017 e, por mais faseamento que exista, no final do dia são sempre mais 600 milhões de euros por ano”, vincou Costa.
“E é para isso que não há condições”, reiterou o primeiro-ministro, para defender que a proposta apresenta aos sindicatos de docentes foi “ao limite das capacidades financeiras” atuais e acautela “tratamento de igualdade relativamente aos outros servidores do Estado”.
Heloísa Apolónia considerou, por sua vez, que o Governo socialista “está a ser uma desilusão” nesta matéria.
“Criar uma chantagem com os sindicatos, dizer que ou aceitam os dois anos e nove meses ou não levam nada. Este governo do PS está a ser uma desilusão”, afirmou a deputada do partido que em dezembro de 2017 fez aprovar a resolução a estabelecer que, uma vez descongeladas as carreiras, fosse contado todo o tempo de serviço para efeitos de progressão.
Audição pedida, debate marcado
Na antecâmara do confronto desta tarde com o primeiro-ministro no hemiciclo, o grupo parlamentar do PCP requereu ao presidente da Assembleia da República o agendamento, para o próximo dia 15, de um debate dedicado ao dossier da classe docente.
Durante o debate quinzenal, o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, defendeu igualmente que o Orçamento do Estado “diz que o tempo todo vai ter de contar” e que “o que se deve discutir é o faseamento, na forma, modo e prazo como é pago”.
A deputada comunista Ana Mesquita acusou o Governo de manter uma “posição gravíssima”, tendo em conta a “possibilidade de violar duplamente” a letra do Orçamento do Estado para este ano. Isto por o documento prevê que “o tempo tem de ser integralmente considerado e o que está sob negociação é o tempo e o modo como é contabilizado”.
“Condenamos esta reação do Governo e o caminho tem que ser o da contabilização. O PCP está a tomar uma medida concreta: 15 de junho, um debate sobre a organização do início do próximo ano letivo, as carreiras e os concursos dos professores”, afirmou.
“Temos de colocar as coisas no sítio certo. O que causa a instabilidade não é a luta dos trabalhadores, mas é a atitude do Governo. Essa questão só pode ser imputada ao Governo, que está sempre a tempo de negociar, se for para cumprir o OE2018 e as medidas do artigo 19”, precisou ainda a deputada do PCP.
Pelo BE, Joana Mortágua defendeu a necessidade de chamar com urgência o ministro da Educação à Assembleia da República.
“O Governo quer castigar milhares de professores por causa de um braço-de-ferro com os sindicatos no qual não tem razão porque a posição do senhor ministro contraria a Assembleia da República, contraria a palavra do Governo, a expectativa dos professores e contraria a ideia de que quem trabalhou uma década na escola pública não pode ver o seu tempo de serviço apagado como se não tivesse lá estado”, apontou a deputada do Bloco, ouvida pela agência Lusa.
c/ Lusa
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