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Congresso do PS. Da eutanásia às alianças, Costa define identidade

por Carlos Santos Neves - RTP
“Se há algo de que nos devemos orgulhar nestes dois anos e meio é que acabámos com o mito de que é a direita que sabe governar a economia e as finanças públicas” Paulo Cunha - Lusa

No discurso que inaugurou o XXII Congresso do PS, a decorrer até domingo na Batalha, António Costa partiu do legado de Mário Soares para enumerar os desafios estruturais inscritos na sua moção e dar por acabado “o mito de que é a direita que sabe governar as finanças públicas”. Pelo meio aclarou que quer ver aprovada a despenalização da eutanásia.

Após a homenagem ao fundador do partido, Mário Soares, que combinou registos de vídeo e momentos musicais, António Costa subiu ao púlpito da Batalha. Fez-se acompanhar por João Soares, enquanto se ouvia “À Minha Maneira”, dos Xutos & Pontapés.

Para trás ficava também o desfiar de fotografias de figuras do partido, algumas já falecidas. Foi mostrado o rosto de José Sócrates, recentemente desfiliado. Um instante em que as palmas subiram de tom.

As primeiras palavras do líder foram, precisamente, para uma evocação de Mário Soares. “Legou-nos um grande partido, um partido extraordinário”, principiou Costa, para depois atribuir ao fundador a génese de “uma identidade única, bem clara e vincada” que se traduz no facto de não haver “qualquer dúvida sobre o que é o PS e onde está o PS”.

Os socialistas, prosseguiu Costa, têm hoje “motivo” de orgulho no Governo em funções. E no advento do partido, há mais de quatro décadas, sublinhou o secretário-geral, os fundadores “não imaginaram que 45 anos depois” o partido estaria no poder executivo, porque “combatiam uma ditadura”.O XXII Congresso do PS teve início cerca das 20h00, sob a divisa “Portugal Melhor” e ao som do tema “Tourada”, interpretado por Fernando Tordo no Festival da Canção de 1973.


O líder socialista continuaria a colocar a tónica na “identidade” do partido, assente num "corpo de valores, uma atitude, uma forma de estar na vida política".

“É uma cultura, porque esses valores são os mesmos que fundaram o PS. São os valores da liberdade, da democracia, igualdade, solidariedade, integração na União Europeia sem sacrificar Portugal. São os valores do progresso e inovação”.

António Costa advogaria em seguida que se impõe não só conservar a matriz de valores do PS, mas também “reinterpretá-los com espírito reformista”, tendo em conta os “novos desafios”.

Entrou depois nesta intervenção inaugural o tema da eutanásia. No dia em que o ex-Presidente da República Aníbal Cavaco Silva veio repudiar os projetos de legalização da morte medicamente assistida, o líder do PS capitalizou o palco da reunião magna para exortar o braço parlamentar a pugnar pelo direito a uma “morte digna”.

Haveria espaço para nova referência a Cavaco Silva. Referindo-se à “construção da democracia pluralista” como “o grande desafio do pós-25 de Abril”, Costa advogou que este sistema “tem sempre oportunidade para ter novos espaços”. E lembrou que, ao cabo de “uma década de cavaquismo”, o PS assumiu a “primeira linha” na renovação, pugnando pela “democracia participativa”, pelo “direito ao referendo” e “contra a corrupção”.
José Sócrates, um nome entre nomes

O capítulo que se seguiu na intervenção do líder do Partido Socialista incidiu sobre o papel europeísta da formação política. Costa citou um punhado de nomes. Entre os quais o do antigo primeiro-ministro José Sócrates, agora também ex-militante.“Quanto a metas eleitorais, quem as define são os cidadãos, não são os políticos”, disse António Costa à chegada à Batalha para o arranque do Congresso.


“O PS foi sempre e é campeão do europeísmo em Portugal. Foi assim quando, logo no primeiro Governo Constitucional, presidido por Mário Soares, apresentámos o pedido de adesão à CEE. Foi assim quando Jaime Gama, enquanto ministro dos Negócios Estrangeiros, assinou a adesão. Foi assim nos governos de António Guterres, com a adesão ao euro. E foi assim com José Sócrates, quando assinou o Tratado de Lisboa. Sim, fomos sempre europeístas”, clamou.

Outro nome evocado foi o de Almeida Santos, concretamente o seu papel na reforma da justiça, assegurando “inteira igualdade entre homens e mulheres no casamento”, a “proteção de menores” e o ponto final a “normas absurdas” que levavam, por exemplo, a que as mulheres não pudessem “ter conta bancária ou pedir o passaporte”.

António Costa recordou também António Arnaut, conhecido como o pai do Serviço Nacional de Saúde, falecido esta semana.

“Nesta semana em que perdemos um dos nossos melhores dizemos aqui todos que o Serviço Nacional de Saúde que ele criou é um orgulho para todos nos e é nossa responsabilidade defendê-lo, preservá-lo e alargá-lo”, enfatizou.

Já em matéria de educação Costa sustentou que “não basta” que a Lei Fundamental “diga que somos iguais para termos as mesmas oportunidades”. Com “a paixão de António Guterres” como desígnio histórico do partido.

“O Estado tem um papel imprescindível para assegurar a igualdade de acesso. Igualdade é sobretudo assegurar as oportunidades de todos se poderem realizar plenamente. Mais e melhor educação é a condição para que qualquer criança no nosso país tenha todas as oportunidades de desenvolver o seu potencial”, afirmou.
Segurança Social

No que toca aos temas da solidariedade e da Segurança Social, António Costa reivindicou para o PS uma vocação particular.

“Honramo-nos de ter instituído o Rendimento Social de Inserção e o Complemento Solidário para Idosos, que é o instrumento mais poderoso para a redução da pobreza entre os mais fragilizados”, atalhou, acrescentando que tenciona “continuar este trabalho”.

“Por isso, a atual maioria criou uma nova prestação social para as pessoas com deficiência”, frisou.

“No ano passado aumentámos as pensões mais baixas e em outubro do próximo ano vamos dar mais um passo no sentido de fazer justiça àqueles que não tiveram oportunidade de ser criança quando tinham esse direito e que, agora, devem poder repousar”, continuou, aludindo ao fim da penalização de reformados com carreiras contributivas prolongadas.
“Um país que seja coeso”
Costa abordaria depois as intenções do Executivo para enfrentar o despovoamento do interior, ao defender como urgente o investimento em telecomunicações e infraestruturas ferroviárias, por via, neste caso, do “maior programa de investimento na ferrovia dos últimos 100 anos”.

“Queremos um país que seja coeso e não desistimos enquanto não tivermos esse país com mais coesão”.

O “legado de Mário Soares” seria de novo revisitado, enquanto “enorme responsabilidade” do partido nas nomeações de governantes, mas também no trabalho dos deputados e dos autarcas. Os socialistas estão “tranquilos, orgulhosos e satisfeitos”, nas palavras de Costa.

“Tranquilos, porque sabemos que cumprimos bem o nosso dever por ter assegurado ao país a estabilidade política necessária para fazer a mudança política que quisemos e que queremos continuar a fazer até ao último dia da legislatura”, afirmou, mantendo, como se previa, o tom centrado no futuro.
Quatro desafios estruturais
O secretário-geral socialista começou então a elencar os quatro desafios estruturais que enquadram a sua moção ao XXII Congresso, intitulada “Geração 20/30”: demografia, sociedade digital, combate às desigualdades e resposta às alterações climáticas.

Depois de lembrar o impacto das alterações climáticas no último verão, marcado pelos incêndios, António Costa falou da demografia: “Temos de ter boas políticas de apoio às famílias, temos de assegurar às novas gerações as condições adequadas para que possam constituir família e para que possam ter os filhos que desejarem ter”.

O que implica “diversificar as fontes de financiamento da Segurança Social, para o Estado poder pagar as pensões de hoje e de amanhã”, por garantir que o SNS seja capaz de dar resposta a “novas doenças” e por um ensino público para crianças “que vão ter uma esperança média de vida superior a 100 anos e uma vida mais saudável do que todos nós”.

Quanto à emigração, o líder do PS defende a criação de condições para acolher “todos os imigrantes que queiram aqui trabalhar”. “Precisamos de mais imigração para termos um saldo demográfico positivo”, acrescentou.

No domínio da “revolução digital”, alertou para a estimativa de desaparecimento, no futuro, de “14 por cento dos empregos”, pelo que “não pode ser uma revolução onde os robôs destroem o ser humano”. É preciso ter “um sistema de ensino mais flexível”, na ótica do primeiro-ministro.
À atenção da esquerda parlamentar
Foi já nas derradeiras passagens deste primeiro discurso aos delegados que Costa se dirigiu aos partidos que têm suportado a atual solução governativa, PCP, PEV e Bloco de Esquerda. Com um misto de elogios e farpas.

Começou por fazer notar que o PS “nunca se escudou na retórica dos valores como mera utopia para amanhãs que cantam” e que é antes “um partido que quer fazer, um partido de governo que quer fazer tudo para que o país e cada português possam viver melhor”.

Congratulou-se seguidamente com o que considerou ser o fim do “absurdo arco da governação, que excluía partidos democraticamente eleitos”.

Para então afirmar: “Hoje podemos dizer a quem duvidava há dois anos e meio, que era impossível virar a página da austeridade sem sair do euro. Nós provámos que era possível sair da austeridade sem sair do euro”.

“Porque sabemos que não enfrentamos a dívida com gravatas, mas sim com uma gestão rigorosa”, acentuou António Costa, que ainda insistiria numa avaliação positiva do trabalho do atual Ministério das Finanças na redução do défice e na redução de juros da dívida, o que, argumentou, permite ao Governo “investir na saúde, educação e serviços públicos”.

“Se há algo de que nos devemos orgulhar nestes dois anos e meio é que acabámos com o mito de que é a direita que sabe governar a economia e as finanças públicas. Não, o PS é o partido que melhor governa a economia e as finanças públicas. Sabe governar e sabe transformar os valores da esquerda na realidade do dia-a-dia dos portugueses”, propugnou.
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