António Costa é presidente do Conselho Europeu há cerca de dois meses e em breve realiza-se um novo encontro de dirigentes, dedicado aos temas da Defesa, e este será o primeiro desde que Donald Trump regressou à Casa Branca. A entrevista de António Costa ao jornalista da RTP Paulo Dentinho.
Recordando as divergências entre a presidente da Comissão Europeia e o francês Charles Michel, antecessor do dirigente português, António Costa foi confrontado com uma questão antiga: se um líder de uma potência como os Estados Unidos, a China ou a Rússia quisesse falar com a União Europeia, quem contactaria?
“Nós temos trabalhado muitíssimo bem. A União Europeia tem várias instituições, mas é uma única União Europeia, fala a uma única só voz”, respondeu António Costa. “Temos trabalho muito bem em conjunto. E essa unidade das instituições é fundamental”.
Sobre a ameaça à competitividade da UE, com o presidente norte-americano a querer reduzir impostos para quem produzir nos EUA, António Costa frisou nesta entrevista à RTP que a relação “de aliados e de amizade” entre a União Europeia e os Estados Unidos é “histórica” e que “é de interesse mútuo preservar”.
“Claro que também há uma competição económica”, acrescentou. E por isso, à semelhança do que aconteceu na Administração de Joe Biden, o bloco comunitário espera que “toda a dinâmica comercial com os Estados Unidos possa ser resolvida numa base negocial”.
“Percebemos que os Estados Unidos tenham preocupações. Nós também temos preocupações, (…) com outros agentes económicos internacionais”.
Para o presidente do Conselho Europeu, é “normal que estas questões se coloquem e sejam resolvidas de forma a proteger o mútuo interesse”.
Quanto à proposta de Trump para que os membros da NATO gastem 5 por cento do PIB em Defesa, e recordando os défices de alguns Estados-membros da União Europeia, como a França, Costa quis deixar claro que este é um processo que a Europa tem vindo a fazer, na última década.
“Em 2014, os aliados decidiram aumentar até 2 por cento do seu Produto Interno Bruto no investimento em Defesa”, começou por explicar. “A média do conjunto da despesa militar dos 23 Estados da União Europeia – que são também aliados na NATO – já atingiu os dois por cento. E sobretudo desde 2022 para cá, tivemos um aumento muito significativo no conjunto: houve um aumento de 30 por cento no investimento em Defesa”.
“Creio que há consenso entre os membros para prosseguir com esta trajetória”, continuou, deixando a ideia de que “na próxima reunião da NATO, em junho, se vai fixar uma meta superior aos 2 por cento”.
Neste caso, a mais-valia que a UE tem para oferecer aos Estados-membros é, entre outros, “ajudar a racionalizar os investimentos”, definindo um “quadro de capacidades conjuntas”, aumentando “eficiência da despesa” através de compras conjuntas, da estandardização dos equipamentos e da inoperabilidade.
Prioridades em Defesa
Considerando o quadro internacional atual, é prioritário ter “definido quais são as prioridades em Defesa” da União Europeia que, segundo Costa, são coerentes com as prioridades da Aliança Atlântica. Ou seja, “não há uma contradição ente um investimento prioritário no âmbito da União e num mesmo investimento” que tem de ser feito nas mesmas capacidades na NATO.
Mas há outra questão: a relevância que o investimento em Defesa pode ter para o desenvolvimento da base tecnológica e industrial da UE.
“O relatório Draghi é muito importante, porque veio precisamente enfatizar que, tal como os investimentos na transição energética, também os investimentos em Defesa devem ser vetores do reforço da competitividade da nossa Economia”, sublinhou o antigo primeiro-ministro português, que acredita que esta será uma “discussão interessante” para o Quadro Financeiro Plurianual.
“Como é que podemos ter mais despesa em novas áreas sem sacrificar as áreas tradicionais de investimento?”, deixou a questão. “Todos sabemos que nada existe se não houver primeiro segurança e não estiver assegurada primeiro a Defesa”.
O problema, destacou o presidente do Conselho Europeu, é que são reais as ameaças “à nossa segurança e à soberania, integridade do território e das fronteiras”.
“Para que a União Europeia e os Estados-membros tenham capacidade de reforçar o seu investimento em Defesa, é fundamental também reforçar a sua base económica e industrial. E, portanto, esse investimento tem também um efeito virtuoso no reforço das nossas Economias e da nossa autonomia”.
O que Donald Trump vem propor “vai no sentido do que a União Europeia tem vindo a fazer desde 2014 e, sobretudo, desde 2022”. Já o Conselho Europeu em dezembro de 2021, relembrou Costa, a UE afirmou “como prioridade reforçar a sua autonomia estratégica em matéria de Defesa”. E também a Declaração de Versailles, em 2022, já referia que a UE tinha de ter “maior responsabilidade na própria Defesa”.
Questionado sobre quem é o “grande inimigo da União Europeia”, António Costa não negou que a Rússia “é claramente, hoje, a maior ameaça externa” ao bloco europeu.“O que é paradoxal, é que aquilo que o presidente Trump vem agora apresentar como uma exigência, vai de encontro àquilo que muitos na União Europeia defendiam e alguns receavam porque podia ser lido como um distanciamento relativamente aos Estados Unidos. Agora fica claro que essa autonomia estratégica não é um distanciamento, mas vai de encontro à vontade dos próprios EUA”.
“A União Europeia fez um exercício de identificação conjunta das suas ameaças. O quadro de ameaças aos Estados-membros da União é um quadro de ameaças uniforme, aprovado pela UE. Em segundo lugar, tem uma bussola estratégica que também foi aprovada. Depois desenvolveu mesmo um quadro de prioridades de capacidades, que são fundamentais para preencher lacunas no nosso sistema de Defesa”.
O objetivo é “ganhar eficiência, eliminando a fragmentação”. Por isso, é fundamental estandardização dos equipamentos militares, por exemplo, para garantir que a “indústria tenha previsibilidade e possa investir para aumentar a sua capacidade de produção” e, ao mesmo tempo, para “diminuir os custos que os Estados-membros suportam na aquisição de equipamentos”.
A reunião de dirigentes da UE, marcada para a próxima segunda-feira, vai ser “pela primeira vez dedicada exclusivamente ao tema da Defesa”. Em cima da mesa de discussão vão estar três temas: “prioridades nas capacidades a desenvolver”, “como financiar” e “como gerir as relações estratégicas, nomeadamente com a NATO e o Reino Unido”.
“Esta discussão vai ser fundamental para alimentar o Livro Branco que a Comissão Europeia vai apresentar, em março, e que vai servir de base para que o Conselho e o Conselho Europeu possam tomar decisões nos meses seguintes”, indicou, sublinhando que pretende incluir o tema “na agenda do Conselho Europeu de junho”.
Relevância global da União Europeia
Com Trump, Xi Jinping e Putin a moldar as relações internacionais, a União Europeia pode ter maior dificuldade em reafirmar a sua relevância global, embora o presidente do Conselho Europeu considere o bloco comunitário "consistente, coerente e prevísivel".
“A União Europeia é um ator internacional que é consistente, coerente, confiável e previsível”, começou por afirmar. “Nós defendemos uma ordem internacional baseada em regras, um sistema multilateral que é fundamental desenvolver num mundo multipolar, e não temos a visão de um mundo como um mundo de novo bipolarizado entre duas grandes potências”.
Nesse sentido, a prioridade da política externa europeia é a de “desenvolver uma rede de relações (…) com os diferentes países do mundo e as diferentes regiões”, porque o bloco europeu não olha para o mundo “como um mundo que vai polarizar entra a China e os Estados Unidos”.Considerando os Estados Unidos um aliado “imprevisível”, principalmente com Donald Trump de regresso à Casa Branca,
“As relações entre a Europa e os Estados Unidos têm 200 anos (…) e são independentes, na sua durabilidade, de quem está no poder (…)”, repetiu.
“Todos nós já tivemos a experiência de conviver com o presidente Trump no seu primeiro mandato, portanto há uma dimensão que não é surpreendente. Não devemos antecipar aquilo que os Estados Unidos vão fazer”.
A nível comercial, o presidente do Conselho Europeu admite que a preocupação norte-americana é legítima, considerando “o défice comercial grande” da UE, que está disponível para discutir que mudanças são necessárias e o que poderá ser mutuamente benéfico.
“Não vamos dramatizar, nem desvalorizar. Quando os Estados Unidos entenderem que devem colocar a União Europeia qualquer problema, nós fazemos aquilo que fazemos com qualquer entidade. (…) Olhamos para o problema e vemos como é que o podemos resolver”.Contudo, não nega que a UE tem os próprios mecanismos de Defesa, para “defender a nossa economia”, como aconteceu na Presidência de Joe Biden.
“Nós não procuramos o conflito. Nós procuramos que as coisas decorram normalmente. Temos uma postura dialogante, estamos abertos a considerar os problemas que nos colocam (…) mas naturalmente que temos também as medidas de que necessitamos para defender os nossos interesses”.
Soberania e paz duradoura
Quanto às pretensões de Donald Trump no Canadá e Gronelândia, António Costa clarificou que as regras pelas quais a UE se rege são baseadas na Carta das Nações Unidas.
“O princípio da soberania, da integridade do território, da estabilidade das fronteiras é um princípio que é essencial. (…) É um princípio que para nós é universal, não temos um critério seletivo”, declarou. “Esta é a lei internacional. E o mundo sem lei é um mundo em que a lei do mais forte prevalece, e é por isso que assegurar que o mundo continua a ser regulado pela lei internacional”.
Este é, na ótica do dirigente português, “um dos maiores desenvolvimentos civilizacionais” do século XX e que “temos obrigação de preservar e defender”.
“Quando falamos de Ucrânia, não falamos só da Ucrânia ou só da segurança da Europa. Falamos da Defesa daquilo que são valores universais, consagrados na Carta das Nações Unidas”.A ambição norte-americana de terminar com a guerra na Ucrânia e “alcançar uma paz rápida” é “exatamente a mesma ambição que a Europa e os ucranianos têm”.
Questionado sobre a intenção de Donald Trump de dialogar com o presidente russo, Vladimir Putin, sobre uma solução para o conflito na Ucrânia, desencadeado em fevereiro de 2022 pela invasão da Rússia, Costa sublinhou que quer Kiev quer a UE têm de estar presentes nessas conversações.
"A Ucrânia é um Estado soberano e, portanto, não há negociações sobre a paz na Ucrânia que não envolvam a Ucrânia", salientou.
Por outro lado, esta discussão "implica também a negociação sobre a segurança na Europa e não é possível haver uma discussão sobre a segurança na Europa sem a União Europeia", destacou.
"A Ucrânia é um Estado soberano e, portanto, não há negociações sobre a paz na Ucrânia que não envolvam a Ucrânia", salientou.
Por outro lado, esta discussão "implica também a negociação sobre a segurança na Europa e não é possível haver uma discussão sobre a segurança na Europa sem a União Europeia", destacou.
Nesse contexto, os Estados Unidos e a União Europeia poderão continuar a apoiar a Ucrânia para conseguir uma paz justa e duradoura.
Democracias liberais e elites tecnológicas
Sobre o sector tecnológico e a nova elite do setor que tem grande influência na política, António Costa não tem dúvidas de que o poder económico não pode dominar o poder político nas democracias liberais. Quanto às elites tecnológicas e à regulamentação das plataformas digitais, o presidente do Conselho Europeu assegura que as regras europeias são iguais "para todos", apesar da influência que os magnatas tecnológicos possam ter.
“A independência do poder político relativamente ao poder económico é uma regra fundamental das democracias liberais. Só nas oligarquias é que o poder político é dominado pelo poder económico. Temos de proteger as democracias liberais e combater as oligarquias”, começou por dizer, quando questionado sobre se considera uma ameaça às políticas, até na Europa, a influência de Elon Musk.
“A União Europeia é uma das regiões do mundo que tem um quadro jurídico mais robusto para regular tudo o que é espaço digital. (…) Temos essas regras e a Comissão Europeia já afirmou publicamente que fará aplicar essas regras seja contra quem for”.
“E se algumas dessas elites não gostam da União Europeia é porque, ainda recentemente, a UE aplicou multas pesadas em matéria de política de concorrência por haver um abuso de poder dominante”.
Costa referiu que a Comissão Europeia abriu uma investigação à rede X "para saber se está ou não está a cumprir as regras" em matéria de serviços digitais.
"Se estiver a cumprir as regras, ótimo, se não estiver as cumprir as regras, as consequências da aplicação da lei terão que existir".
"Se estiver a cumprir as regras, ótimo, se não estiver as cumprir as regras, as consequências da aplicação da lei terão que existir".
“A lei é igual para todos”, respondeu, referindo-se à rede social X de Elon Musk.
Saída dos EUA do Acordo de Paris
O presidente do Conselho Europeu garantiu ainda que a UE está “na liderança” no processo de transição ecológica e no combate às alterações climáticas. Quanto à saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, António Costa relembrou que tal não acontece pela primeira vez.
“É uma má notícia para o mundo os EUA abandonarem o Acordo de Paris. Agora, nós não determinamos a nossa ação pela ação dos outros”, afirmou, apesar de reconhecer que atingir as metas climáticas nessas condições “exige gestão política”.
Segundo o dirigente, a UE está a preparar um acordo industrial que garanta que “sem prejuízo das metas fixadas” não haja um impacto na vida dos cidadãos europeus. Mas renunciar aos objetivos é uma opção.
“O que está em causa não é cumprir um objetivo. O que está em causa é salvar a Humanidade”, afirmou.
O presidente do Conselho Europeu garantiu ainda que a UE está “na liderança” no processo de transição ecológica e no combate às alterações climáticas. Quanto à saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, António Costa relembrou que tal não acontece pela primeira vez.
“É uma má notícia para o mundo os EUA abandonarem o Acordo de Paris. Agora, nós não determinamos a nossa ação pela ação dos outros”, afirmou, apesar de reconhecer que atingir as metas climáticas nessas condições “exige gestão política”.
Segundo o dirigente, a UE está a preparar um acordo industrial que garanta que “sem prejuízo das metas fixadas” não haja um impacto na vida dos cidadãos europeus. Mas renunciar aos objetivos é uma opção.
“O que está em causa não é cumprir um objetivo. O que está em causa é salvar a Humanidade”, afirmou.
Quando pediu a demissão enquanto primeiro-ministro de Portugal, António Costa afirmou que não tinha condições para continuar em funções. Entretanto, assumiu a Presidência do Conselho Europeu, mesmo que o caso que desencadeou a saída ainda não esteja concluído.
O que mudou, explicou Costa, “foram duas decisões judiciais”, a clarificação do que estava em discussão e, sobretudo, “a avaliação dos 27 Estados-membros” para o desempenho das tarefas na União Europeia.
O que mudou, explicou Costa, “foram duas decisões judiciais”, a clarificação do que estava em discussão e, sobretudo, “a avaliação dos 27 Estados-membros” para o desempenho das tarefas na União Europeia.