Ana Jorge testemunhou a revolução na saúde e no país

por Lusa

Lisboa, 14 set 2019 (Lusa) -- A pediatra e antiga ministra da Saúde Ana Jorge começou a exercer pouco antes da criação do Serviço Nacional de Saúde (SNS), num tempo em que escasseavam médicos nas zonas rurais e havia quem nunca tivesse ido a uma consulta.

Foi poucos meses antes da Revolução de Abril de 1974 que Ana Jorge vestiu pela primeira vez a bata de médica. Faltavam ainda cinco anos para que nascesse o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e o cenário era dramático. Não havia serviços de saúde gratuitos e os cuidados eram incipientes.

A pediatra "abraçou" o SNS desde que foi criado, há exatamente 40 anos, e hoje recorda em entrevista à Lusa a sua importância na melhoria das condições de saúde dos portugueses.

Trabalhou em centros de saúde e hospitais, mas também presidiu à Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo e foi ministra da Saúde. Em 2009 instituiu oficialmente o Dia Nacional do SNS.

Quando se dá o 25 de Abril, Ana Jorge vai substituir um colega numa consulta num centro de saúde da Junta Distrital de Lisboa e foi ali o seu primeiro contacto com a área da saúde infantil.

Num tempo em que o planeamento familiar ainda era visto com maus olhos por parte da população, não teve dúvidas e ajudou a erguer o primeiro centro de saúde materno-infantil. Foi em 1976 que integrou o Serviço Médico à Periferia (SMP) em Alcácer do Sal e Grândola, onde surgiu o pioneiro centro com consultas de planeamento familiar.

Para Ana Jorge, o SMP foi um "contributo grande" para que houvesse mais médicos distribuídos pelo país, nomeadamente em zonas rurais onde "nunca tinha chegado praticamente um médico" e "havia pessoas que nunca tinham ido a uma consulta".

Mas foi em 1979, com a criação do SNS, que se notou uma grande mudança que ajudou os profissionais no seu dia-a-dia de trabalho: "Para nós era difícil porque tínhamos as pessoas doentes à nossa frente e não sabíamos como as podíamos cuidar".

E os ganhos alcançados foram muitos. "Até ao SNS, a taxa de mortalidade infantil ainda estava nos 58 por mil", o que comparativamente com os outros países da Europa era "muito grave", e "hoje felizmente estamos entre os melhores".

"O número de vacinas que hoje existe permite que a grande maioria das doenças que havia nas crianças", como o sarampo, "deixassem de ser um problema", reconheceu, apontando ainda os ganhos alcançados com a vacina contra a hepatite B ou com o tratamento da hepatite C que permite curar praticamente todos os doentes.

Mas o mais importante foi conseguir tornar universal o acesso aos cuidados de saúde.

A profissional lembrou como era o acesso dos portugueses aos cuidados de saúde antes de 15 de setembro de 1979.

Nessa altura, não havia serviços de saúde gratuitos e os cuidados eram incipientes. A população podia contar com os hospitais concelhios das Misericórdias e os hospitais universitários em Lisboa, Porto e Coimbra.

Além destes serviços, havia as caixas de previdência e a casas do povo nas áreas rurais, recordou.

A medicina privada só estava acessível a "quem tinha dinheiro". Ana Jorge lembra que muita gente não tinha acesso à saúde e não eram raros os casos de quem conseguia uma consulta depois não tinha como comprar os medicamentos. É que, na altura, só os beneficiários da caixa de previdência tinham descontos nos medicamentos.

Só no início dos anos 70 começam a abrir "os centros de saúde da primeira geração" um pouco por todo o país, que eram uma resposta para quem não tinha caixa de previdência. Este novo serviço foi resultado da reforma levada a cabo por Gonçalves Ferreira e Arnaldo Sampaio, pai do antigo Presidente Jorge Sampaio, então diretor-geral de Saúde.

Muitas vezes as pessoas não entendem alguns constrangimentos, "porque se esqueceram, um pouco, como era antes", sublinhou.

"Há toda uma mudança na sociedade portuguesa em que o Serviço Nacional de Saúde é de facto um marco não só para ajudar como ele próprio é um setor de desenvolvimento económico e social. Só assim se conseguiu que Portugal em 30, 40 anos conseguisse ser completamente diferente do que era", frisou.

Contudo, o SNS enfrenta hoje "novos desafios" a que precisa de responder com novas estratégias, mas mantendo os seus princípios.

"Não podemos ter hoje um Serviço Nacional de Saúde igual ao que tínhamos há 40 anos", porque "o mundo mudou, as condições de saúde das pessoas em geral mudaram, felizmente para melhor, mas há novos desafios" relacionados com novas doenças, muitas delas ligadas ao envelhecimento.

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