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Agricultura europeia. Desafios da PAC e implementação do Pacto Ecológico

por Carla Quirino - RTP
França. Vieillevigne Stephane Mahe - Reuters

Com as eleições para o Parlamento Europeu à porta, o que podem esperar os agricultores europeus? Por que razão é importante apoiar os agricultores da União Europeia? A sua revolta atingiu um pico em janeiro e fevereiro deste ano. As manifestações que afetaram a maioria dos Estados-Membros da UE foram motivadas pelos aumentos de custos de produção e da concorrência estrangeira, pela queda dos rendimentos, pelas restrições ambientais e do Pacto Ecológico e ainda pelas burocracias complexas que acompanham os processos de licenças.

A Política Agrícola Comum (PAC) assenta num conjunto de leis adotadas pela UE para estabelecer uma política unificada para o setor da agricultura nos países membros. Foi criada em 1962 pelos seis países fundadores da então Comunidade Europeia e é a política da UE que se mantém em vigor há mais tempo. Os principais objetivos passam por “garantir a segurança alimentar a todos os cidadãos europeus”, “salvaguardar a prosperidade das comunidades rurais” em todos os Estados da União, sem esquecer a necessidade de “preservar os recursos naturais e respeitar o ambiente”.

O setor agroalimentar é um dos maiores setores económicos da União Europeia. Atualmente, existem 10 milhões de agricultores na UE e dependem da agricultura cerca de 40 milhões de postos de trabalho na transformação de alimentos, no comércio retalhista de produtos alimentares e nos serviços alimentares.

Em 2020, a Comissão presidida por Ursula Von der Leyen fez das questões ambientais e climáticas uma prioridade do mandato que agora termina.

Em agenda, está inscrito o objetivo de o território europeu se tornar o primeiro continente com impacto neutro no clima até 2050. Para tal, a UE assumiu a promessa de reduzir as emissões de gases que contribuem para o efeito de estufa, em pelo menos 55 por cento até 2030, comparando com níveis de 1990. "É um compromisso vinculativo ao abrigo da Lei Europeia em matéria de Clima", diz o documento da Comissão Europeia.

A Comissão Europeia apresentou uma estratégia da UE para reduzir as emissões de metano. O metano é o segundo maior contribuinte para as alterações climáticas, depois do dióxido de carbono. Uma das propostas apontava para a redução de criação de gado para diminuir as emissões de metano.

Em 2023 a reforma da PAC acabou por desencadear um descontentamento entre os profissionais do setor que alastrou à maioria dos países membros.
Concretizar o Pacto Ecológico Europeu

No âmbito do Pacto Ecológico (ou Green Deal), a Comissão apresentou duas estratégias que interferem nas atuais negociações da PAC para os anos 2023 a 2027: a Estratégia Do Prado para o Prato e a Estratégia para a Biodiversidade. As medidas foram interpretadas como uma vitória dos movimentos ambientalistas.

Rapidamente relatórios de peritos, nomeadamente um do Centro Comum de Investigação da União Europeia, demonstraram que estes planos poderiam levar a reduções acentuadas na produção - mais de dez por cento. Consequentemente, se se produz menos, haverá uma diminuição nas exportações e um aumento nas importações de produtos agrícolas para satisfazer os consumidores da União Europeia.

A “Estratégia do Prado para o Prato”, tem o objetivo de reduzir a utilização de pesticidas em 50 por cento até 2030. Esta ideia desencadeou uma forte hostilidade no mundo agrícola europeu, que considerava que desta forma tanto os fertilizantes como o uso reduzido de antibióticos deixariam as culturas expostas às pragas.

A redução do uso de antibióticos na pecuária também passou a ser defendida para prevenir a propagação da resistência antimicrobiana. 

Assim, para que as medidas resultem, será preciso proibir as importações para a União Europeia de produtos provenientes de países terceiros que continuam a permitir a utilização de antibióticos como promotores de crescimento para animais e de outros alimentos.

Já o objetivo de aumentar a área dedicada à agricultura biológica dos atuais 10 para 25 por cento, até 2030, teve também bastante resistência tendo em conta o aumento dos preços dos alimentos desde a guerra na Ucrânia, diminuindo a procura de produtos biológicos que se tornaram, naturalmente, ainda mais caros.

"Sem palha não há leite". Ao diminuir as áreas de pasto para a transição ecológica, o números de bovinos também é reduzido. Protesto dos agricultores em Madrid contra as medidas europeias | Isabel Infantes - Reuters
 
Somam-se contestações contra a estratégia de biodiversidade, que prevê retirar 10 por cento das terras agrícolas da produção, já que não será consistente com a necessidade de reduzir a dependência excessiva da União Europeia das importações de alimentos para animais provenientes de países terceiros.

Ficou claro que os objetivos do Pacto Ecológico para a Agricultura precisariam de ser revistos. Em cima da mesa do próximo Parlamento poderá estar uma alteração de método para dar prioridade a incentivos em vez de restrições. Necessariamente, os planos para a transição agro-ecológica deverão contar com financiamentos significativos.

Sem o apoio dos agricultores, e sem estes terem as ferramentas concertadas com as medidas da UE, a transição dificilmente se implementará.
Impacto do conflito Ucrânia-Rússia
Quando a Rússia anexou a Crimeia, em 2014, foi posto em prática o embargo russo aos produtos agrícolas e alimentares da União Europeia como retaliação às sanções de Bruxelas. O mercado de produtos agrícolas seria ainda mais afectado face à concorrência da Rússia, que se tornou o principal exportador mundial de trigo em 2017, chegando aos mercados da África do Norte e Subsariana e do Médio Oriente para destronar a liderança francesa.

Por sua vez, a Ucrânia, desde 2017 ao abrigo do acordo de associação com a União Europeia, aproveitou o grande potencial agrícola a preços de produção baixos - menos de metade dos da Europa - para fazer crescer as suas exportações de milho e girassóis no mercado da UE.

Com a invasão russa a 24 de fevereiro de 2022, a Ucrânia voltou-se para rotas terrestres e fluviais através da Europa Central, especialmente Polónia e Roménia. Kiev beneficiou de “corredores de solidariedade” criados pela UE e fez transportar alguns dos seus cereais para os países do Sul. Dois meses após a invasão, Bruxelas suspendeu os impostos aduaneiros sobre os produtos importados, provocando uma acumulação destes tipos de alimentos nos países da União, o que abriu uma competição com a sua própria produção. Esta concorrência foi o rastilho para os recentes protestos naqueles Estados-membros. 

Os agricultores polacos bloqueiam as estradas em Zakretna, perto de Varsóvia, na Polónia. Protestam contra as importações de alimentos baratos da Ucrânia e as restrições que lhes são impostas pelo Pacto Ecológico da UE para combater as alterações climáticas | Aleksandra Szmigiel - Reuters

A perspetiva de a Ucrânia integrar a União Europeia como um importante país agrícola também deixa antever desafios no futuro da PAC, que disponibiliza fundos mediante os hectares cultivados.

Se o tamanho médio das explorações agrícolas é de apenas 70 hectares em França, muitos campos cultivados ucranianos têm mais de mil ou mesmo dez mil hectares, o que, em teoria, implica que a Ucrânia seria elegível para 96,5 mil milhões de euros em fundos da PAC durante o período 2023-2027.
Acordos de comércio livre com o exterior
A Comissão Europeia tem multiplicado acordos de comércio livre com países terceiros. Enquanto alguns desses pactos se têm apresentado equilibrados relativamente ao sector agrícola, como o celebrado com o Canadá, outros revelam-se desfavoráveis, como é o caso do acordo de livre comércio com alguns países do Mercosul.

Brasil e Argentina, por exemplo, aparecem como potências agrícolas e pecuárias que chocam com os interesses de alguns países da União. Enquanto a Alemanha e a Espanha se mostram a favor, a França opõe-se a este acordo porque os criadores de gado franceses, que já têm os rendimentos mais baixos de todos os produtores agrícolas, correm o risco de ver aprofundar essas perdas. 

Os agricultores pedem assim que a concertação futura destes acordos fixe regras que garantam que as importações de produtos provenientes dos países do Mercosul estejam sujeitas aos mesmos requisitos dos produtos europeus.

Os olhos europeus estão postos nas culturas de soja e explorações pecuárias em terras desmatadas na Amazónia. Estes produtos, para entrarem no mercado da UE, terão que ser escrutinados através das cláusulas-espelho, ou seja, precisam cumprir as mesmas regras exigidas aos produtores da União.
Agricultura e Alterações Climáticas
A prioridade da agricultura é a adaptação às alterações climáticas. Para fazer face a secas cada vez mais graves, alguns Estados-membros necessitam de acelerar a construção de reservas de água, desenvolvendo simultaneamente práticas agrícolas eficientes em termos hídricos.

Em julho de 2023, Bruxelas apresentou uma proposta para permitir o desenvolvimento de Novas Técnicas Genómicas (NTG). As NTG baseiam-se na mutagénese (tesouras genéticas) para acelerar mutações naturais e têm como base a investigação de Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna, galardoadas com o Prémio Nobel da Química em 2018. A indústria de sementes poderá desta forma beneficiar a competitividade agrícola e melhorar o comportamento das culturas perante os riscos das alterações climáticas.


 Uma vaca de plástico pintada com as cores da bandeira belga junta-se aos protestos dos agricultores belgas que participam numa manifestação contra as pressões de preços, impostos e regulamentação verde, em Bruxelas | Yves Herman - Reuters

Na pecuária, por sua vez, prevê-se que a adaptação venha a ser mais lenta. As emissões de metano só podem ser reduzidas gradualmente, com os produtores dos Países Baixos a resistirem aos planos do governo holandês de reduzir as emissões de azoto através da redução do número de animais.

Com a revisão da PAC, a redução do gado ruminante poderá caminhar a par com a redução das pastagens - porque estes espaços desempenham um papel importante na preservação da biodiversidade e das paisagens - e afetar a absorção de carbono pelos solos agrícolas.

No geral, o desafio tem várias facetas, mas aponta sobretudo para restabelecer o equilíbrio do comércio agroalimentar num mercado europeu altamente competitivo, facilitando ao mesmo tempo a necessária transição ecológica da agricultura.

De acordo com dados oficiais, as emissões de gases com efeito de estufa da União Europeia caíram cinco por cento no ano passado, revelando que na equação energias renováveis e implementação do Pacto Ecológico os resultados já são visiveis.
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