Aborto. CDS-PP garante "lealdade institucional", mas recusa "coordenação" com PSD. PS e PCP pedem alargamento
Fotografias de Gonçalo Costa Martins
Projetos de lei para alterar lei do aborto são debatidos no parlamento esta sexta-feira. Esquerda quer alargar prazos. CDS-PP informou PSD, mas sem articulação entre líderes.
"Esta matéria está excluída do acordo de coligação que foi celebrado entre o PSD e o CDS-PP. Por isso, o CDS-PP avançou com este projeto que corresponde à sua identidade, aos seus valores, aos seus princípios e à sua história. Numa lógica de lealdade institucional, informámos o PSD de que iríamos apresentar o projeto, mas não houve coordenação entre o PSD e o CDS-PP relativamente a esta matéria", afirmou, na Antena 1, o deputado Paulo Núncio. No programa Entre Políticos, o líder parlamentar do CDS-PP - que defende, por exemplo, um reforço do "direito individual de objeção de consciência dos médicos e demais profissionais de saúde" - insistiu que os partidos têm "identidades, histórias e princípios" diferentes, e que o partido não está alinhado com os sociais-democratas: "O CDS-PP assume o que é: pela vida e contra o alargamento dos prazos do aborto livre".
Paulo Núncio sugere ainda que, depois das alterações à lei na sequência do referendo de 2007 sobre a IVG, quaisquer mudanças só devem acontecer após uma nova consulta popular.
"A lei de 2007 resulta de um referendo, embora não vinculativo. Por isso, consideramos que alterações estruturais à lei, designadamente alterações dos prazos para a realização de um aborto, só poderão ser realizadas depois da realização de um novo referendo".
Socialista Isabel Moreira insiste no "direito da mulher" e lamenta "obstáculos" ao cumprimento dos prazos para a IVG
O PS defende o alargamento do prazo para a IVG das atuais 10 para as 12 semanas, porque, afirmam os socialistas, há diversos estudos e relatórios, quer nacionais quer internacionais, que apontam para a necessidade promover alterações à lei.
"Verificámos que há obstáculos relativamente ao prazo de 10 semanas. É muito curto", defende a deputada socialista Isabel Moreira, que acrescenta as questões de "objeção de consciência" como outro dos entraves ao cumprimento da lei em vigor: "Outro obstáculo é a forma como a objeção de consciência não está regulamentada. A objeção de consciência também é um direito fundamental, e deve ser respeitado, mas ele é um direito individual, não deve ser institucional. A deputada do PS - que tem sido uma das vozes mais proeminentes sobre o tema, desde logo a partir do parlamento - assinala ainda que, durante os últimos anos, foram vários os casos noticiados de mulheres que não conseguiram aceder à IVG dentro do prazo definido pela atual legislação.
"Entre 2018 e 2022 não se realizaram cerca de 10 mil, porque há médicos que são objetores no caso das 10 semanas. Ou seja, são juízes da escolha da mulher e, portanto, a objeção deve ser regulamentada. Quando se verifica que, numa determinada unidade de saúde, há um quadro geral de objeção, primeiro tem de haver médicos que o não sejam e, depois, se de facto não há uma possibilidade, imediatamente tem de ser dada uma resposta externa à mulher", diz.
Isabel Moreira aponta ainda o período de reflexão como outra das dificuldades colocadas perante as mulheres que optam pelo aborto: "[Uma mulher] Quando se dirige a uma unidade para fazer uma IVG já tomou a decisão. Sujeitá-la a uma espécie de reflexão forçada tem demonstrado ser muito pior para a saúde e para a própria escolha da mulher", argumenta.
E, é no mesmo sentido que a deputada socialista conclui: "Isto não é uma matéria nem direita nem de esquerda, ninguém é pai ou mãe desta matéria. Isto é uma matéria de direitos fundamentais, de saúde, de vida, de ponderação de direitos fundamentais, de opção de política criminal e, portanto, eu penso que estamos bastante blindados por relatórios internacionais, quer da ONU, quer da União Europeia, quer de vários comités que nos vinculam".
Isabel Moreira garante ainda que há "consenso" sobre a matéria dentro do grupo parlamentar do PS e que, apesar das divergências de fundo entre os vários partidos, há caminho para o diálogo: "Não estamos fechados".
PCP recusa "retrocessos" e apela a maior "articulação" entre unidades de saúde
Nos últimos dias, o PCP reiterou os avisos ao PS sobre a possibilidade de o atual quadro parlamentar poder ser mais suscetível a recuos na IVG do que a avanços, mas garante que não vai deixar de intervir sempre que o tema voltar à órbita da Assembleia da República.
"Intervimos com o objetivo de que não haja nenhum retrocesso relativamente ao direito de a mulher interromper a sua gravidez a seu pedido no Serviço Nacional de Saúde. Esta lei resulta de referendos e está em vigor há 17 anos, mas o legislador também tem de ver com rigor quais são todos os obstáculos que impediram o integral cumprimento da atual lei", afirma, na Antena 1, Fernanda Mateus, membro da comissão política do Comité Central do PCP, que, tal como o PS, aponta para um alargamento ate às 12 semanas. Para a comunista, o atual prazo de 10 semanas é "limitativo", mas, o que é preciso, sobretudo, é colocar um ponto final na ideia de "culpabilização" da mulher: "O debate que foi feito [desde o referendo] foi muito longo, com grande culpabilização das mulheres e com a ideia de que queríamos impor às mulheres a Interrupção Voluntária da Gravidez, quando sempre esteve em causa, como hoje, o direito da mulher não interromper a sua gravidez e o direito que ela tem de interromper". "Já estamos a ver os argumentos que vêm para cima da mesa por parte dos setores mais obscurantistas. Não são tão horríveis como aqueles que nós tivemos nos anos 80, vêm embrulhados, mas a verdade é que estamos a retomar com essa discussão", lamenta Fernanda Mateus.
A comunista afirma ainda: "Qual o porquê de as mulheres estarem impedidas de ter o número de filhos que desejam e qual o porquê de terem filhos cada vez mais tarde? Este é que é o problema estrutural da sociedade portuguesa. O CDS-PP, o Chega e mesmo o PS não fizeram nada para alterar situações de precariedade laboral, de baixos salários e de falta de habitação, porque as mulheres hoje têm novas expectativas em relação à maternidade, não lhe basta ter a criança porque foi uma fatalidade".