50 anos do PS. António Costa inaugura a “geringonça”

por por Sandra Machado Soares, Pedro Zambujo, Pedro de Góis, Miguel Teixeira - RTP

António Costa é o terceiro secretário-geral do PS com mais tempo em funções, depois de Soares e Guterres. Desafiou a liderança de António José Seguro, depois de uma vitória socialista nas europeias de 2014. Seguro não teve vida fácil: enfrentou por diversas vezes a oposição interna e perguntou "qual era a pressa". Em 2015, António Costa não ganhou por "poucochinho". Perdeu mesmo as legislativas, mas inaugurou a "geringonça".

Não estava na primeira fila da noite eleitoral, mas ouviu o que queria ouvir. A noite foi de derrota pesada para os socialistas. José Sócrates anuncia a demissão.

Com os holofotes no ainda secretário-geral, António José Seguro quer ser o “senhor que se segue”. “Neste momento a única coisa que tenho a dizer é que foi uma declaração muito digna que contribui para a qualidade da vida política nacional e para fortalecer a vida do OS. (...) não direi absolutamente mais nada neste momento”.

O momento aconteceu poucos dias depois. Mas antes disso, Francisco Assis, até então líder parlamentar, entra na corrida. Mas só depois de António Costa garantir que não avança.

Só faltava a decisão - mais do que esperada - de António José Seguro.

“Sim é verdade! Sou candidato à liderança do nosso partido de sempre”, diz Seguro.

A campanha interna foi curta mas intensa.António José Seguro vence por muitos, ma sabe que falta convencer uma parte do PS, que tem voz nos jornais.

Já era um político de carreira: líder da Juventude Socialista, em 1990 e com António Guterres chega a ministro-adjunto do primeiro-ministro.

O congresso que o legitima como secretário-geral é também um esforço de união.

“A minha ambição é a de ser primeiro-ministro para poder servir Portugal”, diz Seguro.

Com um pé no memorando da troika – que o PS assinou – e outra na oposição, o trabalho do novo líder é tudo, menos fácil. “O memorando da troika não suspende a política e nós agiremos em defesa dos nossos valores e dos nosso princípios”.

“Tenho de lhe recordar que foram muitos anos de má política que nos conduziram a este memorando de entendimento”, devolve Pedro Passos Coelho.

A oposição interna não tarda a aparecer. A abstenção no Orçamento do Estado para 2012. A abstenção na revisão do código de trabalho. O voto a favor no tratado orçamental.

As divisões no grupo parlamentar tornam-se evidentes.

Duarte Cordeiro recorda.Vários deputados do PS no qual eu me incluía que rejeitavam a aceitação desses princípios. Esse sentimento que resultava desta governação, dentro do PS resultava numa enorme exigência e ambição, sobretudo nas gerações mais novas com as lideranças do partido socialista”.
Foto: Pedro Góis - RTP

“Eu nunca apoiei António José Seguro, que fique clara esta declaração”, diz.

Uma nova geração que discorda de Seguro e quer o PS mais à esquerda. Duarte Cordeiro faz parte do grupo. Pedro Nuno Santos também.

A rutura acaba em demissão da vice-presidência da bancada parlamentar. “Sou militante do PS, sou dirigente do PS e já agora também penso”, diz Pedro Nuno Santos.

2013 é ano de eleições autárquicas e de diretas no PS. O calendário provoca agitação.

Há quem queira antecipar o congresso. “Qual é a pressa? + qual é a pressa? + eu volto a repetir: qual é a pressa”, advoga Seguro.

A pergunta ficou para a história e motivou uma das reuniões mais tensas do partido.

“Disse em que condições e o que é que me levaria a candidatar e em que condições o que não me levaria a candidatar. Vamos todos trabalhar para ter um Partido Socialista mais forte e unido”, diz António Costa.

“Quero expressar a minha satisfação pelo anúncio que António Costa fez anunciando a sua recandidatura a Lisboa”, diz Seguro. A paz é firmada no “documento de Coimbra”, uma orientação estratégica para o partido.

O verão aquece com a demissão “irrevogável” de Paulo Portas. Com o Governo PSD-CDS em rutura, a oposição pede eleições antecipadas.

Nunca António José Seguro esteve tão perto de ser candidato a primeiro-ministro.

Mas Cavaco Silva, Presidente da República, diz “não” às aspirações da esquerda. Entretanto, Paulo Portas recua, sobe a vice-primeiro-ministro e fica no governo.

O PS de Seguro vence as autárquicas e as europeias de 2014.

A distância com a coligação PSD-CDS é de três pontos percentuais.

“Havia muitos graus de insatisfação, obviamente que havia quem defendesse que António José Seguro deveria ter tido a oportunidade de ir a eleições”, diz Duarte Cordeiro. “O resultado das europeias demonstrava ser uma sinal de que nós não chegaríamos a construir essa alternativa”, acrescenta.

António Costa já dizia que a vitória sabia a pouco e que, assim, o PS não era uma alternativa clara. Ainda antes das eleições tinha avisado que o partido não podia ganhar por “poucochinho”. A palavra persegue-o desde então, mas não a repete quando anuncia a candidatura.

“Estou disponível para tudo não quero que haja qualquer tabu. Eu estou disponível para assumir as minhas responsabilidades”, argumenta Costa.

António Costa quer diretas e congresso antecipado. Seguro responde com eleições primárias. Pela primeira vez, os simpatizantes do partido também puderam votar. Foram meses duros, de tensão crescente. Houve acusações de traição e deslealdade.

António Costa vence. O resultado é expressivo. Seguro apresenta a demissão e sai do largo do Rato, abandona a vida política. É altura de aproveitar o momento, a caminho do congresso do PS.

Mas na véspera das eleições diretas, aterra em Lisboa vindo de Paris um pesadelo para os socialistas. O antigo líder, José Sócrates, fica detido. O PS fica em choque.

Costa, um secretário-geral ainda em construção, apela a que não se confunda a amizade com a ação política. E no congresso nunca diz o nome de Sócrates.

“Quero felicitar os socialistas pela forma exemplar, têm sabido enfrentar para que nunca ninguém está preparado e a responsabilidade e serenidade que têm revelado perante um choque que para todos nós é brutal mas em que todos temos sabido separar os sentimentos da política”.

Com o antigo primeiro-ministro transferido para a cadeia de Évora, passa a haver uma romaria socialista ao Alentejo.

Mário Soares defende Sócrates. “Toda gente acredita na inocência neste país, só o senhor é que não acredita. Afinal, o que é que ele fez? É tudo malandrice”.

“Encontrei-o bem. Melhor do que seria expectável? Encontrei-o bem!”, diz Guterres.

Costa só visita o amigo no último dia do ano. “Ele é um lutador, certamente em luta por aquilo que acredita ser a sua verdade”, diz.

Costa deixa a câmara de Lisboa para estar a tempo inteiro num combate que promete não ser fácil com a direita. “Acho que é possível ao PS vencer com maioria absoluta”.

Mas o tema Sócrates volta a pairar. A ideia de uma maioria absoluta desaparece. Costa baixa a fasquia, e pensa num plano B.

Duarte Cordeiro revela que “o diálogo à esquerda surgiu ao longo da campanha. Outra coisa é aquilo que resulta de mantermos a ideia de formar um governo apesar de não termos ganho as eleições”.

“Recordo-me do momento onde António Costa abertamente fala comigo e com outras personalidades do PS sobre a possibilidade de se constituir algum tipo de entendimento com os partidos políticos à nossa esquerda. Recordo-me que terá sido algures em Aveiro”, diz.
Foto: Pedro Góis - RTP

O PS não ganha por poucochinho, é mesmo o grande derrotado das eleições. Mas antes do líder assumir responsabilidades, já há quem lhe peça outras.

“Com este quadro o partido socialista tem condições para formar governo”, diz Jerónimo de Sousa. Catarina Martins acrescenta “que fique bem claro não será pelo bloco de esquerda que conseguirá formar governo”

Nós não inviabilizamos governo sem termos governo para viabilizar”, diz Costa.

Arranca nessa noite um período tenso e inédito em Portugal. A esquerda entra em diálogo para uma solução alternativa à maioria da direita.

O Presidente da República não cede e indigita Passos Coelho como primeiro-ministro.

O governo da direita tem queda anunciada. Nos bastidores do parlamento, ficam registados em fotografia os acordos assinados à esquerda.

Em pleno plenário, a solução é batizada. “Não é bem um governo. É uma geringonça. O que a vossa geringonça nos oferece é uma espécie de bebedeira de medidas. Tudo a correr e de preferência ao mesmo tempo. Ora as bebedeiras têm um só problema. Chama-se ressaca”, diz Paulo Portas.

A moção de rejeição à direita é votada e acontece a passagem de testemunho. Quase todos antecipam vida curta ao governo, que há de durar os quatro anos previstos.

Entretanto, é eleito mais um presidente de direita, Marcelo Rebelo de Sousa. Mesmo com o PS a apoiar dois candidatos à esquerda, Sampaio da Nóvoa e Maria de Belém. Mas Marcelo Rebelo de Sousa não é um obstáculo - segura o governo nas maiores crises e nas mais pequenas. A exceção acontece na maior tragédia vivida no país em muitos anos, nos incêndios florestais.

O PS vence por muito as autárquicas de 2017 e as europeias de 2019. Entretanto vê um antigo secretário-geral abandonar o próprio partido. José Sócrates entrega o cartão de militante depois de Carlos César falar em “raiva e vergonha”.

Nas legislativas, o PS é o partido mais votado, mas a geringonça desfaz-se.

A pandemia é o cimento que cola um sistema político fraturado, e que aproxima ainda mais o primeiro-ministro e o presidente da república.

O governo sobrevive a dois orçamentos do estado. A rutura com o Bloco de Esquerda concretiza-se nas contas para 2021. No ano seguinte, as negociações com o PCP arrastam-se até ao último minuto.

António Costa escreve as palavras da despedida para um desfecho inadiável. “Enquanto houver ventos e mar a gente não vai parar”.

Era o fim da estrada para a geringonça e o início da crise política. O Presidente dissolve o parlamento.

A campanha faz-se de máscara no rosto, mas sem distanciamento. As sondagens apontam empate técnico e agitam os ânimos.

Na noite das eleições nem António Costa acredita na maioria absoluta. “Vamos esperar pelos os resultados eleitorais. Acho que esse é um cenário extremo que não é possível nem previsível”, diz.

Pela segunda vez, os socialistas festejam uma maioria absoluta, que começou com o pé esquerdo.

A guerra começa ainda antes da tomada de posse. Os “casos e casinhos” e as demissões desgastam um governo que, diz o primeiro-ministro, “pôs-se a jeito”.

António Costa é já o terceiro secretário-geral com mais tempo em funções, depois de Mário Soares e António Guterres.
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