O Tribunal Central Criminal de Lisboa declarou-se "territorialmente incompetente" para julgar o processo de corrupção nas messes da Força Aérea, depois de o Tribunal de Sintra ter feito o mesmo, segundo um despacho a que a Lusa teve acesso.
Há cerca de duas semanas, o Tribunal de Sintra tinha-se declarado "territorialmente incompetente" para fazer o julgamento, e remeteu os autos para o Tribunal Central Criminal de Lisboa, "área onde primeiro houve a notícia do crime", justificava o despacho da juíza Susana Madeira.
Contudo, a juíza Alexandra Veiga, a quem foi distribuído o processo no Tribunal Central Criminal de Lisboa, tem um entendimento diferente.
"Por ser evidente, dos factos constantes da pronúncia, que o crime mais grave - de corrupção passiva - se consumou nas instalações da DAT (Divisão de Abastecimento), na Amadora (Sintra), declaro este Juízo Central Criminal de Lisboa territorialmente incompetente para o julgamento dos presentes autos, sendo competente, para o efeito, o Juízo Central Criminal de Sintra", sustenta o despacho judicial, a que a agência Lusa teve hoje acesso.
Assim, verificando-se "um conflito negativo de competência", caberá agora ao Tribunal da Relação de Lisboa decidir qual dos tribunais vai ter de realizar o julgamento.
Em 14 de Fevereiro deste ano o Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) decidiu levar a julgamento 68 dos 86 arguidos do processo de corrupção nas messes da Força Aérea, tendo o juiz determinado, nesse dia, a libertação imediata dos 18 arguidos ainda detidos.
Na leitura da decisão instrutória, o juiz Ivo Rosa proferiu despacho de não pronúncia (não levar a julgamento) 18 dos arguidos (dez militares, duas empresas e seis civis), e deixou cair os crimes de falsidade informática e de associação criminosa, por considerar que não se provou a existência de "uma estrutura organizada", mas antes uma estrutura militar através da qual os arguidos "praticaram os factos ilícitos".
Após a leitura da decisão instrutória, o juiz remeteu os autos para julgamento no Tribunal de Sintra, que se declarou territorialmente incompetente, enviando os autos para o Tribunal de Lisboa, que agora assumiu a mesma posição.
Dos 86 arguidos iniciais da 'Operação Zeus' - 40 militares e 46 entre empresários, empresas e trabalhadores - o processo seguiu para julgamento com 68 arguidos: 30 militares e 38 arguidos, entre empresas e civis.
Os 68 arguidos pronunciados vão responder por corrupção passiva (militares) e corrupção ativa (fornecedores) e falsificação de documentos.
A instrução - fase facultativa na qual um juiz decide levar os arguidos a julgamento - havia sido requerida neste processo por 22 dos arguidos.
Segundo o despacho de acusação do Ministério Público (MP) os arguidos delinearam um esquema de sobrefaturação de bens e matérias-primas para a confeção de refeições nas messes da Força Aérea Portuguesa e do Hospital das Foças Armadas.
"No essencial, está fortemente indiciado que, pelo menos, desde 2011, os oficiais da Direção de Abastecimento e Transportes decidiram, de forma concertada e aproveitando-se da própria estrutura hierárquica militar, obter proveitos indevidos", sustenta o MP.
A investigação sublinha que esta conduta se verificou em diversas messes militares dispersas pelo país.
"A conduta indiciada representou uma sobrefaturação em montante não apurado, mas significativamente superior a 2.552.436,55 euros" (2,5 milhões de euros), acrescenta o MP.
Na primeira fase da Operação Zeus, realizada em novembro de 2016, foram detidos cinco homens por corrupção ativa e passiva e falsificação de documentos, num "esquema fraudulento que poderá ter lesado o Estado" em vários milhões de euros.
Na segunda fase desta operação, participaram 130 elementos da Polícia Judiciária e 10 procuradores do MP, tendo sido realizadas 36 buscas nas áreas dos distritos de Lisboa, Porto, Santarém, Setúbal, Évora e Faro, das quais 31 domiciliárias e cinco não domiciliárias.