Os desacatos que decorrem desde o início da semana, após a morte de um homem baleado pela PSP, espalharam-se, na noite de terça-feira, a várias zonas de Lisboa, nomeadamente Carnaxide (Oeiras), Casal de Cambra (Sintra) e Damaia (Amadora). Os desacatos no Bairro do Zambujal, na Amadora, onde foram incendiados dois autocarros, levaram à detenção de três pessoas, duas das quais por alegados incêndio e agressão a agentes policiais e uma por alegada posse de material combustível. Os últimos focos de incêndio também provocaram danos em habitações.
Já durante a tarde de terça-feira, um autocarro da Carris tinha sido furtado por um grupo de jovens, que exigiu que o motorista e os passageiros saíssem. O veículo foi depois incendiado no Bairro do Zambujal, situação que levou mesmo a um cerco policial para manutenção da ordem naquele local. Duas pessoas tiveram de ser assistidas por inalação de fumo. Horas depois ardeu um segundo autocarro, além de vários caixotes do lixo e uma viatura ligeira.
Segundo o porta-voz da PSP, os focos de desordem eram "mais concretamente na zona da Amadora e no concelho de Oeiras" e os focos de incêndio foram já controlados pelas autoridades."Há focos de desordem em várias zonas da Área Metropolitana de Lisboa", afirmou à comunicação social uma fonte policial. Sérgio Soares garantiu que foram mobilizados vários meios policiais para conter os "focos de desordem". A segurança foi reforçada em toda a zona metropolitana de Lisboa, principalmente nas zonas urbanas sensíveis. No bairro da Portela, Carnaxide, registaram-se disparos de tiros, alguns dos quais da parte da PSP, que utilizou balas de borracha, acabando por conseguiu entrar no bairro. Já no concelho de Sintra foi arremessado um objeto contra a esquadra da PSP de Casal de Cambra, sem causar danos.
Na Damaia houve desacatos em várias ruas, nomeadamente o arremesso de petardos e de pedras na via pública, bem como fogo posto em vários caixotes do lixo.
Além do policiamento no bairro do Zambujal, a PSP reforçou os meios em vários locais, concretamente nas denominadas Zonas Urbanas Sensíveis (Zus). Na Amadora, um agente foi apedrejado e duas viaturas policiais ficaram danificadas, bem como outras cinco viaturas, e vários caixotes do lixo foram incendiados.
“Um grupo tentou incendiar, sem sucesso, uma bomba de gasolina”, disse a mesma fonte.
A situação está "devidamente controlada" no local onde ardeu o segundo autocarro e não há registo de feridos. Quanto ao incêndio da segunda viatura da Carris na Portela de Carnaxide com os acontecimentos no Bairro do Zambujal, o responsável afirma que "tudo indica" que os eventos estão relacionados, mas reconhece que as autoridades ainda não o podem "dizer com segurança". Quanto ao detido no Bairro do Zambujal, o responsável da PSP revelou aos jornalistas que o indivíduo em causa "tinha consigo objetos que indiciavam que ia cometer um crime".
"Grupos provocadores"
O presidente da Câmara de Oeiras esteve reunido na última madrugada com a PSP e os bombeiros. Isaltino Morais visitou a zona da Portela de Carnaxide e garantiu que as autoridades estão vigilantes e que não existe motivo para preocupações.
"Houve um autocarro que terá sido desviado e incendiado (...) e terá havido um outro incêndio de outro carro no Bairro da Portela", confirmou Isaltino Morais, acrescentando estar "surpreendido" porque é um "bairro de pessoas pacatas e trabalhadoras".
"Não posso deixar de apelar a todos os moradores para que não se deixem envolver por grupos provocadores", continuou. "São minorias que atuam" nos desacatos. Também a Câmara da Amadora esteve reunida com bombeiros e autoridades policiais. Em comunicado, a autarquia lamenta os desacatos, que colocam em causa a ordem pública e apela a formas de manifestação pacíficas.
Odair Moniz
Odair Moniz, de 43 anos, foi baleado por um agente da PSP na madrugada de segunda-feira, no Bairro da Cova da Moura, na Amadora, e morreu pouco depois, no Hospital São Francisco Xavier, em Lisboa.
Segundo a direção nacional da PSP, o homem pôs-se "em fuga" de carro depois de ver uma viatura policial na Avenida da República, na Amadora, e "entrou em despiste" na Cova da Moura, onde, ao ser abordado pelos agentes, "terá resistido à detenção e tentado agredi-los com recurso a arma branca".
A associação SOS Racismo e o movimento Vida Justa contestaram a versão policial e exigem uma investigação "séria e isenta" para apurar "todas as responsabilidades", considerando que está em causa "uma cultura de impunidade" nas polícias. De acordo com os relatos recolhidos no bairro pelo Vida Justa, o que houve foram "dois tiros num trabalhador desarmado".
Na segunda-feira, o Ministério da Administração Interna determinou à Inspeção-Geral da Administração Interna a abertura de um inquérito urgente e também a PSP anunciou a abertura de um inquérito interno para apurar as circunstâncias da ocorrência. O agente que baleou o homem foi entretanto constituído arguido, indicou fonte da Polícia Judiciária.
c/ Lusa