Tio de Sócrates detalha papel da família no caso do Freeport

por Carlos Santos Neves, RTP
Júlio Monteiro admite “não ter sido correcto” citar a relação de parentesco com José Sócrates Estela Silva, Lusa

O tio materno de José Sócrates confirma que o filho citou, em mensagem de E-mail, a sua relação de parentesco com o então ministro do Ambiente para conseguir uma reunião com gestores do empreendimento Freeport. Júlio Monteiro adianta que a proposta para uma campanha promocional apresentada pelo filho “nunca foi aceite”.

Depois de ter conversado com o filho mais velho, Júlio Monteiro ficou a saber que o E-mail enviado aos responsáveis pelo projecto do outlet de Alcochete levou a empresa inglesa a marcar uma reunião.

Na mensagem, Hugo Eduardo Monteiro invocou os laços familiares com José Sócrates com o objectivo de fazer avançar o plano da sua empresa para uma campanha de marketing do Freeport. Mas a proposta nunca chegou a ser acolhida.

“Nesse E-mail o meu filho mais velho pedia que lhe fosse dada a oportunidade de ser ouvido e apresentar pessoalmente a proposta/plano da sua empresa para uma acção promocional do Freeport, identificando-se como sendo meu familiar e invocando o facto de eu, seu pai, em tempos ter demonstrado disponibilidade em transmitir ao meu sobrinho uma situação anómala e absurda ligada ao Freeport”, adiantou ontem em comunicado o tio do primeiro-ministro.

Imagem de Júlio Monteiro, tio materno do primeiro-ministro José Sócrates

Júlio Monteiro admite “não ter sido correcto” citar a relação de parentesco com José Sócrates para conseguir a marcação de uma reunião. Ainda assim, o tio do então titular da pasta do Ambiente faz questão de frisar que o filho pretendia apenas “conseguir uma reunião e apresentar pessoalmente o projecto da sua empresa para a campanha de marketing do outlet”.

Reacção de Sócrates “foi deveras esclarecedora”

Depois de frisar que o projecto promocional da empresa de Hugo Eduardo Monteiro “nunca foi aceite”, o tio materno do chefe do Governo confirma ter abordado junto do sobrinho o “pedido”, por parte de um escritório de advocacia, “de uma elevada quantia” ao britânico Charles Smith, o representante da empresa para o processo de licenciamento do complexo comercial.

“A reacção do meu sobrinho foi deveras esclarecedora, atenta a estranheza e a indignação manifestadas, tendo demonstrado todo o interesse em que o assunto fosse devidamente esclarecido. Como tal, perguntou-me se eu não me importava de dizer ao senhor Charles Smith para se dirigir ao Ministério do Ambiente”, revela Júlio Monteiro.

A posição de José Sócrates foi então transmitida ao promotor do empreendimento. Júlio Monteiro afirma que foi essa a última ocasião em que falou com Charles Smith, que conhecia desde 1992. E diz também que não chegou a saber se a reunião teve ou não lugar no Ministério do Ambiente.

O primeiro-ministro garantiu no fim-de-semana que esteve presente num único encontro ligado ao projecto do espaço comercial. A reunião, realizada nas instalações da Câmara Municipal de Alcochete, teria visado “a apresentação das exigências ambientais que tinham levado ao chumbo do projecto”.

Por sua vez, José Inocêncio, que em 2002 ocupava a presidência da autarquia, confirmou, em declarações à Agência Lusa, ter pedido uma reunião com a presença do então ministro do Ambiente. Charles Smith, garante José Inocêncio, não esteve na reunião.

Ministro da Presidência sai em defesa de Sócrates

Quase em simultâneo com a publicação do comunicado de Júlio Monteiro, o ministro da Presidência veio ontem sustentar não ter sido o projecto do Freeport a ditar a alteração dos limites da Zona de Protecção Especial do Estuário do Tejo. Pedro Silva Pereira assinala, de resto, que a Declaração de Impacto Ambiental do projecto foi emitida dois meses antes das alterações.

Imagem do ministro da Presidência, Pedro Silva Pereira, em entrevista à SIC

O caso do outlet de Alcochete resulta de “suspeitas alimentadas pela comunicação social”, argumentou o governante, que em 2002 ocupava o cargo de secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza.

Em entrevista à SIC, o ministro da Presidência garantiu também que o Governo ouviu as associações ambientais, embora esse passo fosse uma recomendação “não obrigatória” do Parlamento.

Pedro Silva Pereira disse pretender furtar-se a “comentar enredos”, mas não deixou de se referir à alegada ligação entre a alteração dos limites da Zona de Protecção Especial e a Declaração de Impacto Ambiental do Freeport como a “maior mentira” que estará a ser aventada. Até porque a Declaração de Impacto Ambiental tem a data de 14 de Março de 2002 e o decreto que alterou a Zona de Protecção Especial do Estuário do Tejo está datado de 20 de Maio de 2002.

“É uma falsa relação”, concluiu.

Administração disponível para cooperar

Em comunicado citado pela Agência Lusa, o conselho de administração do outlet de Alcochete garantiu estar disposto a “cooperar com todas as investigações em curso” em Portugal e no Reino Unido.

Imagem do complexo comercial Freeport, em Alcochete

O órgão gestor do Freeport enfatiza ainda que “não comenta rumores ou especulações, desde logo porque os casos a que as acusações se referem incidem sobre um período anterior à sua tomada de posse ou ao envolvimento do seu actual accionista na empresa”.

Dossier polémico na Comissão Europeia

A partir de Bruxelas, a porta-voz da Comissão Europeia para o Ambiente adiantou que o executivo comunitário repartiu em duas partes a queixa da associação ambientalista Quercus sobre o processo de licenciamento do Freeport.

Citada pela Agência Lusa, Barbara Helfferich explicou que uma das partes, relacionada com o complexo comercial, foi arquivada em Dezembro de 2005, tendo a Comissão notificado a Quercus. A segunda parte do processo, relativa à zona circundante, acabaria por ser arquivada em Novembro do ano passado: a notificação deve chegar à associação ambientalista “nos próximos dias”.

O vice-presidente da Quercus, Francisco Ferreira, garante que a associação não foi informada sobre o arquivamento, mas somente da “intenção de fazê-lo”.

Imagem do vice-presidente da Quercus, Francisco Ferreira

“Ainda tivemos alguma esperança de que a Comissão Europeia pudesse fazer mais alguma insistência junto do Governo português, o que de facto não fez”, afirmou o dirigente ambientalista.

Segundo Francisco Ferreira, “a questão está a ser muito polémica” no seio da Comissão Europeia. Bruxelas, disse à Agência Lusa o vice-presidente da Quercus, “tem tido várias polémicas deste tipo devido ao tempo que demora a tratar estas queixas”.

“Ter uma resposta três anos depois não adianta nada, quando o Freeport já está construído”, rematou.
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