Sequenciação do Genoma Humano revolucionou biologia

por Agência LUSA

A sequenciação do genoma humano prometeu revolucionar a Biologia quando foi anunciada há dois anos, meio século depois da descoberta da estrutura do ADN, mas há ainda muito por decifrar no "livro da vida".

"A maior parte do trabalho interessante em genética ainda está por fazer", disse hoje à agência Lusa a presidente da Sociedade Portuguesa de Genética Humana, Raquel Seruca.

E isso porque "permanece desconhecida a função de 98% do genoma humano", anunciada a 13 de Abril de 2003 por um grupo internacional de cientistas, referiu esta investigadora do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (IPATIMUP).

Foi no entanto "um ponto de viragem na História da Biologia e da Medicina, cujas implicações provavelmente ainda não descortinamos na totalidade", comentou também à Lusa Patrícia Maciel, da Escola de Ciências da Saúde da Universidade do Minho.

Corresponde, na sua perspectiva, "ao achado de um manuscrito que esconde a chave de muitas das nossas características, positivas e negativas, inclusive a da curiosidade que nos leva a querer conhecê- lo e a da capacidade que alguma vez teremos de o compreender".

"Até à data apenas transcrevemos o manuscrito e só conseguimos compreender algumas das palavras que contém",lembrou, contudo.

"Falta-nos compreender um grande número de palavras, perceber como se formam as frases, como se faz a pontuação e, como se trata de um manuscrito muito interactivo, como é que responde às condições externas" - acrescentou.

A nível imediato, a informação que passou a estar disponível teve já impacto na possibilidade de identificar os genes causadores de doenças hereditárias ou que tornam algumas pessoas susceptíveis a doenças comuns, como a diabetes ou Alzheimer.

Em suma, permitirá fazer o diagnóstico dessas doenças de forma mais eficiente e, quando compreendida a função dos genes envolvidos, abrir caminho a novas estratégicas terapêuticas.

Isso através da "correcção" de genes defeituosos ou da prescrição de fármacos específicos de acordo com o "código genético" de cada pessoa, convertendo certas sequências em alvos terapêuticos.

Para Raquel Seruca, esse "passo de gigante no conhecimento, acelerou a investigação científica em genética, mostrou que a maioria das sequências de ADN não codificam proteínas e redireccionou a investigação genética para a pesquisa de regiões do genoma com função regulatória".

Além disso, disponibilizou "ferramentas" moleculares para estudar a função dos diversos genes e "aumentou a percepção pública da importância da genética".

"Mas há ainda muito caminho a percorrer", disse esta cientista.

Por exemplo, desconhece-se ainda o número exacto do total de genes, estimado entre 30.000 e 35.000, bem como a função de 50% dos genes actualmente identificados, e estima-se que apenas 2% do Genoma Humano parece ser feito de sequências que codificam para proteínas ou para ARN - assinalou.

Surpreendentemente, a sequenciação do património genético humano veio também revelar que a esse nível não somos muito diferentes de uma "simples" mosca ou de uma minhoca, ou mesmo da levedura.

De facto, "mostrou que existem fortes semelhanças na forma como estão organizados os genes humanos e noutras espécies, e que os genes da maioria dos cromossomas humanos estão numa ordem semelhante à sequência dos genes noutras espécies", explicou ainda Raquel Seruca.

Assim, ao possibilitar uma análise comparativa entre espécies, mostrou que a maioria delas partilha grande parte das sequências do genoma e contribuiu significativamente para o avanço da genética evolutiva, segundo a cientista.

Para Tiago Fleming Outeiro, que faz investigação na Harvard Medical School, nos Estados Unidos, a sequenciação do genoma humano "continuará a revolucionar a forma como entendemos o funcionamento da vida nos próximos anos".

"Actualmente, podemos com alguma facilidade e a ajuda de um computador identificar os genes envolvidos em diversas doenças, podemos desenvolver novas ferramentas para corrigir defeitos genéticos, ou ser capazes de prever o impacto de certas alterações ao nível do ADN, chamadas mutações", salientou à Lusa.

"Craig Vender, um dos pais do Projecto do Genoma Humano, conhece o seu genoma completo. Talvez um dia venha a ser assim para todos", disse também à Lusa Maria de Sousa, do Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBMC) da Universidade do Porto.

"Teremos então mais cuidado com o que comemos, bebemos e fazemos em geral, e os médicos geneticistas continuarão a beneficiar do estudo cuidadoso das famílias" - acrescentou.

"Os projectos dos genomas, não só o humano, vieram sobretudo tornar-nos mais sábios, porque melhores sabedores, e aproximaram mais os cientistas", sublinhou.

O Projecto Genoma Humano foi uma iniciativa a nível mundial em que participaram cientistas ligados a 20 laboratórios de seis países (Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha, Japão e China).

O projecto, a que alguns chamaram "projecto Apollo da Biologia" pela sua dimensão, foi lançado em Junho de 2000, quando os cientistas já tinham conseguido sequenciar 97% do genoma humano.

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