A Direção-Geral da Saúde prepara-se para rever a circular sobre a utilização de medicamentos opioides fortes para o tratamento da dor crónica não oncológica, em particular no que diz respeito ao fentanil. A decisão surgiu depois de terem sido noticiados casos de dependência em Portugal. “A norma está desatualizada e é uma inverdade do ponto de vista científico”, adverte o toxicologista Ricardo Dinis Oliveira.
Em Portugal, o consumo de fentanil tem regras apertadas. Todavia, nos últimos anos, aumentou o número de prescrições, tornando-o o quarto analgésico opioide mais vendido nas farmácias.
Os especialistas assinalam o facto de as recomendações de prescrição não serem atualizadas há 16 anos. ”Estamos a falar de uma substância que, em termos de poder aditivo, o risco de dependência é inclusive superior ao da heroína, superior ao da morfina, que são substâncias mais vulgarmente conhecidas”, fez notar Ricardo Dinis Oliveira, ouvido pela RTP.
“Nós corremos o forte risco de termos a infiltração do fentanil nas nossas ruas”, acentuou o toxicologista. Citando dados do ICAD - Instituto para os Comportamentos Aditivos e as Dependências, o Expresso revelou que os casos em causa ocorreram em 2023 e um já este ano. Entre as 12 pessoas, escreveu o jornal, “oito usavam fentanil juntamente com outras drogas, mas as restantes quatro estavam exclusivamente viciadas nesta substância, que nos últimos anos tem vindo a ser cada vez mais prescrita pelos médicos para o controlo da dor”.
Em posição divulgada também na sexta-feira pela agência Lusa, a Direção-Geral da Saúde assinalou que, apesar de não haver dados suficientes, “parecem não se confirmar os receios de tolerância e da adição induzidos por estes medicamentos”. Para acrescentar que, “tendo por referência os dados epidemiológicos e evidência científica disponíveis”, procederia à revisão da circular sobre opioides fortes.
A DGS recordou ainda que, embora date de 2008, a circular em vigor estabelece que “os medicamentos opioides fortes atualmente disponíveis em farmácia de oficina”, ou seja, a atuais farmácias comunitárias, “implicam a prescrição e utilização de uma receita especial”. O que “reflete a preocupação com o caráter excecional destes fármacos”.
A entidade encabeçada por Rita Sá Machado enfatizou, por último, que a prescrição, nestes casos, está regulada por legislação, “não estando isenta a avaliação médica individual de cada situação”.Nas farmácias, o fentanil é geralmente comercializado em adesivos ou comprimidos.
“Não vejo que a atualização da norma seja a condição necessária para que os clínicos mudem a sua performance. Podemos estar a entrar num período de banalização, isto é, de um excesso de prescrição onde a dor não era suficientemente elevada, intensa ou severa para justificar a prescrição deste tipo de medicamentos porque outros mais adaptados poderiam ser utilizados”, observou Ricardo Dinis Oliveira.
Segundo um estudo publicado em 2023 por investigadores da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, morrem diariamente, em solo norte-americano, perto de 300 pessoas por causa do uso de fentanil.
Em dez anos, este opioide ultrapassou a heroína em consumo. Um outro estudo, divulgado em 2022 pela revista The Lancet, estimou que a substância venha a matar mais de 1,2 milhões de pessoas até ao final da década.
c/ Lusa