Rui Rangel, Luís Filipe Vieira e a justiça. Sete respostas para perceber a Operação Lex

por Christopher Marques - RTP
Lusa

Num dia de intensa atividade policial, o grande destaque vai para a constituição de Rui Rangel e Luís Filipe Vieira como arguidos numa grande operação da Polícia Judiciária. A Operação Lex investiga suspeitas de corrupção, tráfico de influências, branqueamento de capitais e fraude fiscal qualificada. Quase 200 agentes participaram nas 33 buscas. Cinco pessoas foram detidas. mas Rui Rangel permanece em liberdade. O estatuto dos magistrados impede a detenção neste caso.

Quase 200 agentes, 33 operações de busca, cinco arguidos detidos, dois arguidos que não podem ser detidos e outros quatro arguidos, um dos quais é o presidente do Benfica. Os números ilustram a dimensão de um processo em que a justiça investiga a própria justiça numa operação que ganha o nome “LEX”, expressão latina para lei.

Em causa está um alegado esquema em que dois juízes de Tribunais da Relação de Lisboa seriam corrompidos para tomar decisões favoráveis a determinados indivíduos ou empresas. Os juízes Rui Rangel e a sua ex-mulher Fátima Galante são dois dos arguidos.
Que diligências ocorreram hoje?
Esta terça-feira decorreram 33 operações de busca no âmbito desta operação Lex. Entre os locais alvos de diligência encontram-se 20 casas, nomeadamente as de Rui Rangel e Luís Filipe Vieira no condomínio do Dafundo onde os dois são vizinhos.

Foram também alvos de busca a SAD do Benfica no Estádio da Luz, o Tribunal da Relação de Lisboa - onde trabalha Rangel - e três escritórios de advogados.

A vasta operação contou com quase 200 investigadores, entre os quais se encontram inspetores da Unidade Nacional de Combate à corrupção da Polícia Judiciária, procuradores do Departamento Central de Instrução e Ação Penal e juízes.

Reportagem de Margarida Neves de Sousa

A operação foi coordenada por Souto Moura, juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça e ex-Procurador-Geral da República. Souto Moura esteve presente nas buscas a casa de Rui Rangel e nas perícias ao carro do magistrado. Ainda antes de Souto Moura chegar a casa do juiz desembargador, jornalistas da revista Sábado já se encontravam no local.

O Conselho Superior de Magistratura escusa-se a fazer declarações mas confirma que o inquérito a Rui Rangel foi aberto em outubro de 2016. A operação surge de uma certidão autónoma retirada do processo Rota do Atlântico.

Em comunicado, a Procuradoria-Geral da República indica que “estão em causa suspeitas de crimes de tráfico de influência, de corrupção/recebimento indevido de vantagem, de branqueamento e de fraude fiscal".
Quem são os arguidos?
A operação policial terminou com cinco detenções. Um dois detidos é o advogado Santos Martins, próximo de Rui Rangel e que seria o seu testa de ferro em todo o processo. O seu filho também se encontra detido – seria o titular da conta onde era depositado o dinheiro que tinha Rangel como destinatário.

Há ainda outro advogado detido, bem como Rita Figueira, ex-mulher de Rui Rangel. Foi também detido um oficial de justiça que facilitaria os acórdãos e faria parte deste alegado esquema de subornos em troca de acordos que beneficiavam determinadas empresas e indivíduos.

Reportagem de Rita Marrafa de Carvalho e Mariana Flor - RTP
 
Irão pernoitar no Estabelecimento Prisional anexo à sede da Polícia Judiciária em Lisboa. O primeiro interrogatório tem de decorrer no prazo máximo de 48 horas. Estas cinco detenções foram confirmadas em comunicado pela Procuradoria-Geral da República ao fim da tarde.

Para além dos cinco detidos há seis outros arguidos. Entre estes, a PGR indica que se encontram dois juízes desembargadores – que serão Rui Rangel e Fátima Galante – e um dirigente desportivo – Luís Filipe Vieira.
Rui Rangel não foi detido. Porquê?
Apesar de ser a peça central desta investigação, Rui Rangel não foi detido pelas autoridades. Também a sua ex-mulher Fátima Galante permanece em liberdade. Ambos são juízes desembargadores – juízes de tribunais de segunda instância – e o Estatuto do Magistrado prevê que não possam ser detidos, salvo em circunstâncias excecionais.

O artigo 16.º desse mesmo estatuto indica que os magistrados judiciais só podem ser colocados em prisão preventiva caso sejam apanhados em flagrante delito ou no caso de já ter sido marcada a data do julgamento.

Nenhum dos casos se aplica a estas circunstâncias. O facto de Rangel ser desembargador implica ainda que as diligências sejam acompanhadas por um juiz de uma instância superior. Neste caso, as buscas foram acompanhadas por Souto Moura, juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça e ex-Procurador-Geral da República.

Apesar de não terem sido detidos, Rui Rangel e Fátima Galante são arguidos e serão notificados nos próximos dias para primeiro interrogatório judicial. Terão de ser interrogados por um juiz conselheiro no Supremo Tribunal de Justiça.
Como circulava o dinheiro?
Foram as buscas da Rota do Atlântico que motivaram a certidão que dá agora lugar à Operação Lex. Durante a operação foram encontrados e-mails e talões de depósitos milionários na conta bancária de Rui Rangel, o que permitiu aos investigadores desenhar aquele que seria o circuito do dinheiro.

O dinheiro teria origem em transferências bancárias de José Veiga. Saíria de uma empresa estrangeira do empresário e seria depositado na conta de um jovem desconhecido. Este jovem é o filho do advogado Santos Martins. Tanto o filho como o pai foram detidos esta terça-feira.

O dinheiro seria depois levantado pelo advogado que o depositava em mão na conta de Rui Rangel. Os depósitos seriam sempre inferiores a dez mil euros, de forma a escapar ao sistema de alerta de branqueamento de capitais.
Quem é Rui Rangel?
O homem no centro desta operação policial não é novidade no espectro mediático nacional. Soma intervenções e posição controversas e tentou já chegar, sem sucesso, à liderança do Benfica.

Rui Rangel conta 62 anos de vida e 35 anos de magistratura. Nasceu em Angola, tendo posteriormente estudado Direito em Lisboa. É juiz desembargador há 13 anos, ou seja, magistrado num tribunal de segunda instância, neste caso o Tribunal da Relação de Lisboa.

Em 1992, Rangel torna-se secretário-geral da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, tendo fundado em 2007 a Associação de Juízes pela Cidadania. É nesse mesmo ano que tenta, juntamente com José Veiga, levar José Eduardo Moniz até à liderança do Benfica.

Reportagem de Ana Cardoso Fonseca e Miguel Cervan - RTP

Cinco anos depois, é ele próprio que tenta chegar ao cargo ocupado por Luís Filipe Vieira desde 2003. Rui Rangel promete que “vai limpo para o Benfica e vai sair limpo do Benfica”, não poupando nas críticas à gestão de Filipe Vieira.

“Estou cansado, enquanto benfiquista, de ver o Benfica estar cada vez mais pobre e as pessoas que circulam à volta do Benfica estarem cada vez mais ricas”, afirma então. Nas urnas, Rangel sofre uma pesada derrota: obtém apenas 13 por cento dos votos, contra os mais de 80 por cento conquistados pelo presidente recandidato.

Na justiça, o seu nome aparece envolvido na operação Rota do Atlântico, de onde é extraída a certidão que dá agora lugar à Operação Lex.

Rui Rangel é ainda notícia na Operação Marquês, em 2015, quando decide - a favor de José Sócrates - que não se justificava a continuação do segredo de justiça. Com esta decisão, os advogados do ex-líder socialista passaram a ter acesso a todos os autos da investigação.

Em fevereiro de 2017, Rui Rangel volta a ser escolhido, por sorteio, para avaliar um novo recurso de José Sócrates. O Ministério Público pede o seu afastamento por considerar que há “motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do magistrado judicial”. O Supremo Tribunal de Justiça decide afastar o juiz desembargador de qualquer decisão relacionada com o processo que investiga o ex-primeiro-ministro.
Qual a relação com o Benfica?

As buscas tiveram como alvo a casa de Rui Rangel, o Tribunal da Relação, o escritório de Santos Martins e sua casa, escritórios de alegados corruptores e ainda a SAD do Benfica e a casa de Luís Filipe Vieira. O Presidente do Benfica é mesmo um dos arguidos do processo.

Em comunicado, o clube da Luz confirmou ser alvo de buscas mas sublinhou que a investigação não envolve o Benfica. O advogado dos tetracampeões nacionais afirmou que as buscas visaram documentos contabilísticos e denunciou o que considera ser uma campanha de perseguição em curso contra o Benfica.

Pelos dados até agora conhecidos, a investigação não envolve diretamente o Benfica. No entanto são investigadas várias personalidades ligadas à gestão dos encarnados nas últimas décadas.

A operação Lex nasce de uma certidão autónoma retirada do processo Rota do Atlântico, oito meses depois das primeiras detenções. A Rota do Atlântico investiga crimes de corrupção no comércio internacional, branqueamento de capitais, tráfico de influências e tem o empresário José Veiga como um dos principais arguidos. Veiga foi diretor desportivo do Benfica até 2007.

Também Manuel Damásio foi constituído arguido no âmbito desta operação que teve início em 2016. Damásio foi presidente do Benfica entre 1992 e 1997, antes de ser sucedido por Vale e Azevedo.

Durante as buscas da Rota do Atlântico foram encontrados e-mails e talões de depósitos milionários na conta bancária do juiz Rui Rangel, ele próprio reputado benfiquista, tendo mesmo sido candidato à presidência dos encarnados em 2012.

Esta terça-feira, as autoridades realizaram buscas no gabinete do vice-presidente para as modalidades do Benfica, Fernando Tavares. Tavares era o número dois da candidatura de Rangel à presidência do Benfica.
Qual a relação com Luís Filipe Vieira?

O papel do atual presidente do Benfica nesta investigação é ainda pouco claro. O certo é que a casa de Filipe Vieira foi alvo de buscas esta terça-feira.

O líder encarnado foi constituído arguido pelas autoridades e está sujeito à Termo de Identidade e Residência, a medida de coação mais leve prevista na legislação portuguesa. As buscas do Ministério Público parecem não estar relacionadas com o Benfica mas sim com os negócios privados do seu presidente.

A carreira empresarial de Vieira é muito anterior ao seu papel no Benfica. Começa por estar ligado à indústria dos pneus, onde ganha a alcunha de “Kadhafi dos pneus”. Afirma-se depois na construção civil.

Com mais dois sócios, funda a Obriverca em 1985, empresa que chega a ser considerada uma das maiores construtoras do país. Luís Filipe Vieira sai da empresa em 2001. A empresa entrou em processo de insolvência no ano passado.

Nem tudo corre bem na carreira empresarial de Vieira. É arguido por suspeitas de ter causado um prejuízo de 23 milhões de euros ao extinto BPN por alegada burla qualificada, falsificação e branqueamento de capitais. Vieira acumulou ainda uma dívida superior a 400 milhões de euros ao Novo Banco, que conseguiu reestruturar no ano passado.

Reportagem de Marina Conceição, Gonçalo Ventura e Cristina Gomes - RTP

O atual presidente do Benfica desistiu da construção e dedica-se agora ao imobiliário. É presidente do conselho de administração do grupo Promovalor, que é gerido pelo seu filho Tiago Vieira. Uma das empresas do grupo é a Inland, que tem atualmente um conflito com o Fisco.

Luís Filipe Vieira tem ainda um historial de relações com José Veiga e Rui Rangel, em que o clube encarnado surge como ponto de ligação. José Veiga foi diretor desportivo de Vieira no Benfica, antes de sair em litígio com o presidente.

Rui Rangel candidatou-se contra Luís Filipe Vieira em 2012, numa campanha dura com fortes acusações contra Vieira. Acusou a gestão benfiquista de enriquecer pessoalmente à medida que a equipa perdia recursos.

Em 2016, tudo mudou e Rangel apoiou Vieira na sua última candidatura à liderança do Benfica. Os dois são vizinhos no mesmo condomínio no Dafundo.
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