A Sociedade Portuguesa de Reumatologia (SPR) alerta para a urgência de um programa nacional prioritário para as doenças reumáticas e musculoesqueléticas na década de 2020-2030, avisando que a pandemia está a fazer aumentar estas doenças.
Em declarações à Lusa, a presidente da SPR, Helena Canhão, avisa que os reumatologistas cada vez têm mais doentes a queixarem-se, por falta de computadores e cadeiras adaptadas ao teletrabalho, têm mais artroses e, adverte que "se o diagnóstico não for feito adequadamente e seguido de uma boa fisioterapia (...), no futuro haverá repercussões".
"Mesmo os adolescentes estão mais sedentários, não vão atingir o pico de massa óssea, vai haver mais osteoporose, mais fraturas. Os idosos estão mais em casa a perder massa muscular e massa óssea e tudo isto acaba por diminuir a autonomia, ter influência na qualidade de vida e também na saúde mental", explica.
Helena Canhão afirma que "as tendinites e as dores cervicais e lombares estão aumentar imenso" e recorda que os idosos, antes da pandemia, ainda faziam alguns passeios que ajudavam a manter a mobilidade.
"Os idosos faziam algumas compras e davam os seus passeios e agora estão muito mais isolados, por causa da pandemia, perdem massa muscular, ficam mais desequilibrados, caem mais, aumentam as fraturas e tudo isto aumenta as outras complicações e aumenta a mortalidade. A maior parte dos idosos que tem fraturas ou fica dependente ou morre", acrescenta.
A especialista sublinhou a necessidade de "voltar a chamar a atenção para estas doenças, nos cuidados de saúde primários -- sobretudo nas áreas da reumatologia, ortopedia e reabilitação -- e para a prevenção e diagnostico".
"É preciso começar a pensar nisto: estas doenças causam dor e quem tem dor não dorme bem e isso vai depois contribuir para a ansiedade e para a depressão", alerta considerando que se devia agora aproveitar, uma vez que estão a ser redefinidos os próximos programas prioritários, e incluir as doenças reumáticas e musculoesqueléticas.
Houve um Programa Nacional para as Doenças Reumáticas, entre 2004 e 2014, altura em que se fez um estudo epidemiológico nacional e se caracterizaram estas doenças. Mas depois, como ainda estavam a fazer efeito os alertas deixados pelo trabalho realizado, não voltou a existir.
A especialista, que é professora de Medicina na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, cita o relatório do Retrato da Saúde 2018 para frisar o peso que as doenças reumáticas e musculoesqueléticas têm na população portuguesa, sublinhando também o peso económico e social, uma vez que a dor crónica provoca muitas ausências ao trabalho e perda de algumas capacidades.
Segundo o Retrato da Saúde 2018, as doenças musculoesqueléticas (lombalgias e cervicalgia), assim como a depressão, as doenças da pele e as enxaquecas, são os problemas de saúde que mais afetam os portugueses.
Sobre o acesso à especialidade, Helena Canhão lembra que, apesar da rede de referenciação ter previsto reumatologistas em todos os hospitais, neste momento, mesmo havendo especialistas, "os serviços que têm muitos continuam a ter cada vez mais" e nos hospitais mais recentes, onde não havia, é muito difícil ter reumatologistas, como acontece com o Hospital Amadora Sintra, por exemplo".
O subdiagnóstico é outro dos problemas apontados, com a presidente da Sociedade Portuguesa de Reumatologia a sugerir uma maior aposta na formação dos médicos de família nestas áreas para que possam ensinar aos doentes, por exemplo, a prevenir alguns problemas e a evitar a dor.
"É importante que as pessoas perceberem que o aparelho musculoesquelético é a base da nossa locomoção e da nossa autonomia", disse a presidente da SPR, defendendo uma melhor articulação entre os cuidados de saúde primários e hospitalares.
Para alertar para a importância de ter, como prioritário, novamente, um programa nacional para as doenças reumáticas e musculoesqueléticas, a SPR, juntamento com outras sociedades, vai alertar a Direção-Geral da Saúde e o Ministério da Saúde.
Helena Canhão diz ainda que este programa deve estar interligado com os programas para o estilo de vida saudáveis (alimentação, exercício físico e envelhecimento ativo) e apostar no diagnóstico precoce, na prevenção e também na reabilitação.
"Há imensos idosos que depois de terem fraturas já não voltam a levantar-se. No norte da Europa é nisso [reabilitação] que se investe", afirmou a especialista, lembrando que não basta estender o tempo de vida das pessoas.
Estas doenças "podem não causar a mortalidade do cancro e das doenças cardiovasculares, mas em termos de qualidade devida são das mais importantes, tanto para a produção das pessoas como para o absentismo laboral".