O grupo José de Mello Saúde formalizou a suspensão do acordo com a ADSE para prestação de cuidados de saúde aos seus beneficiários em toda a rede CUF. A suspensão tem efeito a 12 de abril. A ministra da Saúde afirma que o Estado não vai ficar refém de interesses, posições ou eventuais pressões e garante que "o SNS nunca deixou doentes à porta".
No documento, a que o jornal Expresso teve acesso, acrescenta que “todos os atos que venham a ser marcados, a partir de hoje (segunda-feira. 11 de fevereiro), para data posterior (a 12 de abril), deixarão de ser realizados ao abrigo do regime convencionado”. Os hospitais das misericórdias, da Cruz Vermelha e das Forças Armadas podem ser a solução para garantir o atendimento aos beneficiários da ADSE, caso os grupos privados mantenham a intenção de acabar com a prestação de serviços.
“Todas as marcações, novas ou já existentes, para atos a realizar até esta data, mantém-se ao abrigo do regime convencionado”.
Em relação aos beneficiários que queiram agendar cuidados de Saúde para depois de 12 de abril, é referido que "a CUF disponibilizará uma tabela de preços específica e ajustada, ficando estes atos sujeitos ao pedido de reembolso à ADSE ao abrigo do regime livre".
A nota assinada pelo presidente do grupo, Salvador Mello, adianta que "há uma conjugação de fatores que, individualmente, mas sobretudo de forma cumulativa, tornam insustentável a manutenção da convenção sob pena de colocar em causa os padrões de qualidade e segurança" defendidos.
"Em 2014, a ADSE introduziu a regra das regularizações retroativas com base no preço mínimo praticado por um qualquer prestador. Desde o primeiro momento a JMS opôs-se formal e frontalmente a esta alteração das regras em vigor. Com esta regra a ADSE pretende ter o direito de reduzir retroativamente os preços a que os serviços foram prestados aplicando a posteriori o preço mínimo praticado sem considerar a complexidade clínica do doente e a utilização de procedimentos diferenciados com valor clínico comprovado", é referido.
Segundo o comunicado, em dezembro de 2018, "a ADSE surpreendeu os operadores desencadeando os procedimentos para as regularizações relativas aos anos de 2015 e 2016. Não estando circunscrita esta medida aos anos de 2015 e 2016 significa que, à data de hoje, a JMS não sabe, nem consegue saber, no momento da prestação dos cuidados, com que preços presta serviços aos beneficiários da ADSE, em todas as linhas de atividade abrangidas pela regra".
O Grupo José de Mello Saúde destaca também que desde o início de 2018, as unidades da rede CUF são obrigadas a faturar todos os atos à ADSE em sete dias, sendo o prazo de pagamento de 120 dias (...). Contudo, na prática, o prazo médio de pagamento às unidades CUF situa-se atualmente em 283 dias, após a prestação do ato clínico ao beneficiário".
A terceira razão apontada na nota para a suspensão do acordo é a "fixação de preços dos medicamentos e dispositivos médicos".
Para Salvador Mello, "as tabelas de preços da ADSE estão totalmente desajustadas do real custo dos atos médicos, mantendo-se, em alguns casos, inalteradas há mais de 20 anos".
Na semana passada, o Expresso adiantou que vários grupos privados, entre os quais o grupo José de Mello Saúde e Luz Saúde, pretendiam suspender as convenções com a ADSE, sistema de saúde dos funcionários públicos, a partir de abril.
No final de dezembro, a Associação Portuguesa de Hospitalização Privada revelou que alguns prestadores admitiam deixar de ter convenção com a ADSE, após esta ter exigido 38 milhões de euros por excessos de faturação em 2015 e 2016, pedindo a anulação desse processo ao Governo.
Novas convenções
A ADSE está a colocar em cima da mesa várias alternativas para fazer frente à eventual denúncia das convenções por parte dos grupos Hospital Particular do Algarve, José de Mello Saúde, Luz Saúde e Trofa, reforçando as convenções que já têm com alguns operadores e assinando novas convenções.
Os membros do Conselho Geral e de Supervisão (CGS) da ADSE reúnem-se esta terça-feira para abordar a questão da eventual suspensão das convenções entre grupos privados e o sistema de saúde dos funcionários públicos.
João Proença, presidente da CGS da ADSE, afirmou, em declarações à Antena 1, que está preocupado com as estratégias dos grupos privados e admite que o mais importante é evitar que a prestação de cuidados de saúde aos funcionários públicos entre em rutura.
“Pessoalmente preocupa-me, eu vejo, digamos que os grandes grupos têm neste momento uma estratégia concertada para eventuais denúncias das convenções. Portanto preocupa-me os direitos dos beneficiários”, frisou João Proença.
O presidente da CGS da ADSE confirma que o Grupo José de Mello Saúde enviou uma carta “que está em análise”.
“De qualquer modo não houve denúncia de convenções”, esclareceu.
O jornal Público desta terça-feira revela que tanto as misericórdias como o Hospital da Cruz Vermelha estão disponíveis para reforçar a cooperação com a ADSE, no entanto estas soluções podem não conseguir responder às dificuldades que se abrirão na área das grandes cirurgias.
O CGS da ADSE é um órgão consultivo constituído por 17 membros, entre os quais representantes dos beneficiários, do Governo, de organizações sindicais da função pública e associações dos reformados e aposentados do Estado.
SNS nunca deixou doentes à porta
A ministra da Saúde garantiu na segunda-feira, durante o programa da RTP Prós e Contras, que a saúde não vai ficar refém de interesses, posições ou eventuais pressões.
“Para já outros prestadores privados haverá. E depois se tiverem que vir todos para o Serviço Nacional de Saúde, o Serviço Nacional de Saúde nunca deixou doentes à porta”, afirmou Marta Temido.
Segundo a titular da pasta da Saúde, o SNS “tem dificuldades, não as negamos. Mas estamos cá para as resolver. É isso que cabe à ministra da Saúde”.
Os sindicatos da Função Pública, entre os quais a FESAP, estão preocupados com a possível saída dos grupos privados do subsistema de Saúde do Estado.
“Naturalmente que é preocupante. Mas estou certo que a ADSE e a tutela encontrarão naturalmente uma alternativa. Até porque o Conselho Diretivo garantiu que os beneficiários não serão prejudicados. Manter-nos-emos atentos nesta expetativa”, afirmou José Abraão à Antena1.
Para o dirigente da FESAP, “é naturalmente mais uma ameaça que nós gostaríamos que não acontecesse, na justa medida em que só destabiliza os beneficiários e os próprios serviços”.
O sindicalista considera esta situação pode também ser uma boa oportunidade para o Ministério da Saúde e o das Finanças olhar para a ADSE de forma a procurar maior sustentabilidade do sistema.
“Espero que seja um sinal para que o Ministério da Saúde e o das Finanças olhem para a ADSE de outra maneira, procurando também criar condições de maior sustentabilidade em volta do alargamento dos contratos individuais de trabalho”, defendeu José Abraão.