Cerca de 75 por cento das epilepsias curam-se ao fim de dois anos, mas o medo e os mitos herdados da antiguidade têm sido mais difíceis de combater, lamenta uma especialista, nas vésperas da semana dedicada àquela doença.
Paula Breia, neurologista do Hospital Garcia de Orta, em Almada, e presidente do núcleo sul da Liga Portuguesa Contra a Epilepsia (LPCE), é peremptória ao afirmar, em declarações à Lusa, que o "problema essencial" para quem sofre hoje de epilepsia, e para quem contacta com os doentes, "é a falta de informação".
"É completamente errado pôr alguma coisa na boca de quem está a ter uma convulsão. O que se deve fazer é deitar o doente de lado, aliviar-lhe as roupas e não pôr nada, rigorosamente nada, dentro da boca" do doente, pois corre-se o risco de o sufocar, alerta a médica, na véspera da Semana da Epilepsia, que começa segunda-feira.
Para Paula Breia, este é um exemplo dos mitos que ainda hoje rodeiam a doença e que têm origem na antiguidade, quando a epilepsia era encarada como "uma possessão demoníaca, com o doente a perder a consciência, a espumar pela boca, muito aparatoso. E estes traços vão passando de geração em geração".
O resultado é os próprios doentes encararem a epilepsia como algo tabu, cujas consequências podem ser, segundo a responsável da LPCE, a discriminação no acesso ao emprego ou no local de trabalho.
"Fala-se da asma, da diabetes, são doenças que a sociedade aceita, mas não da epilepsia", que se estima afectar entre 40 a 70 mil portugueses, enfatiza Paula Breia.
A epilepsia pode ocorrer em qualquer idade e qualquer pessoa pode sofrer um ataque epiléptico ao longo da sua vida sem ter necessariamente a doença, explicou a neurologista.
Esta resulta de "variadíssimas causas" - malformações cerebrais, tumores, lesões do cérebro resultantes de traumatismos ou alterações que não são detectáveis através de exames -, e a crise epiléptica deve-se sempre a uma modificação repentina na forma como as células nervosas do cérebro comunicam entre si através de sinais eléctricos.
Dar força à mensagem de que "a maior parte das epilepsias são benignas e tratáveis, e que os doentes podem ter uma vida perfeitamente normal" é um dos objectivos da primeira Semana da Epilepsia, uma iniciativa que a LPCE lança entre segunda-feira e 13 de Março.
De âmbito nacional, a Semana da Epilepsia, que tem como tema "Epilepsia em Movimento", envolve exposições, acções de formação e esclarecimento para pais, familiares, professores e educadores, e actividades de lazer dedicadas aos doentes.
As crises epilépticas podem assumir formas diferentes, como movimentos de parte do corpo, sensações, ou breves modificações na consciência e no comportamento do indivíduo, e o "factor tempo", ou seja, a sua repetição num dado período, é fulcral para o diagnóstico da doença.
Com o actual arsenal de medicamentos, cerca de 75 por cento das epilepsias curam-se ao fim de dois anos, podendo o doente largar a medicação.
As restantes "são de tratamento mais difícil" e surgem normalmente associadas a outro tipo de doenças que afectam o cérebro, sendo uma minoria delas, cerca de cinco mil, passíveis de cura através de cirurgia.
Mesmo para os doentes, adianta Paula Breia, a "grande dificuldade" é a informação sobre a epilepsia "chegar de forma correcta" a familiares e às restantes pessoas que com eles contactam.
Uma dos principais cuidados que o doente deve ter é evitar colocar-se em situações em que a ocorrência de uma crise possa representar um risco para si ou para os outros, o que em termos legais se traduz no impedimento de desempenhar determinadas profissões, como condutor profissional (de ligeiros ou pesados) ou piloto.
Segundo a legislação em vigor, os doentes com epilepsia estão igualmente impedidos de se candidatarem a agentes da PSP, a inspectores da Polícia Judiciária e à carreira de investigação e fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
Mas, com o auxílio da medicação, e desde que mantenham hábitos de sono regulares, hábitos alimentares saudáveis, evitem o álcool, "afinal comportamentos saudáveis recomendados para toda a gente", o doente com epilepsia "pode levar uma vida normal", reitera Paula Breia.
É que, como destaca a LPCE no comunicado em que anuncia a Semana dedicada à doença, "a epilepsia está na vida destas pessoas, não é a vida destas pessoas".