Proteção Civil rejeita Lei da Rolha e fala em procedimento de “exceção”

por Andreia Martins - RTP
Nuno André Ferreira - Lusa

No primeiro briefing diário para a atualização da situação dos incêndios, a Autoridade Nacional da Proteção Civil (ANPC) assegura que não haverá negação da informação disponibilizada aos jornalistas e que a centralização de informação serve apenas para que os comandantes possam garantir uma resposta operacional "sem desvios”.

Em declarações aos jornalistas esta quarta-feira a partir da sede nacional da ANPC, em Carnaxide, a adjunta nacional de operações, Patrícia Gaspar rejeitou “liminarmente” qualquer associação dos briefings diários a uma “lei da rolha”.

"Rejeitamos liminarmente qualquer associação deste processo a uma qualquer lei da rolha", disse a responsável, esclarecendo que a medida adotada pela Proteção Civil é “um procedimento de exceção para uma situação de exceção”.

“Temos tido cenários bastante complexos em termos de fogos florestais com enorme simultaneidade de ocorrências, com enorme mobilização de recursos e reforços”, referiu.

A Autoridade Nacional de Proteção Civil anunciou na terça-feira que vai passar a fazer duas comunicações diárias sobre os incêndios no país, com início na quarta-feira. As comunicações acontecem durante a semana mas também aos fins de semana, um de manhã (às 9h00) e outro ao final do dia (às 19h00).

Segundo o comunicado da ANPC enviado às redações, a medida visa libertar os comandantes das operações de socorro "para se concentrarem no essencial", ou seja, na "conduta das operações de proteção civil nos vários teatros de operações".

"Fora destes horários, os jornalistas poderão acompanhar a informação atualizada sobre os incêndios rurais em www.prociv.pt, através de contacto com o Oficial de Operações e Emergências (OFOPE) do Comando Nacional de Operações de Socorro ou a assessoria de imprensa da ANPC", adiantava ainda o comunicado de terça-feira.
"Sem desvios de maior"
Patrícia Gaspar explicou que esta concentração das comunicações a partir da sede da Proteção Civil serve para que os comandantes assumam o controlo das operações de forma a estarem focados no “essencial” da conduta operacional e resposta às situações de emergência, sem que haja perda de “capacidade de reação”.

“Temos de garantir a máxima proteção e garantir que a conduta das operações é feita sem desvios de maior”, acrescentou.

Sem distrações e com os operacionais totalmente focados no combate aos fogos, Patrícia Gaspar garantiu que "não haverá qualquer negação daquilo que é a informação operacional disponível" e que a sede tem conhecimento "ao minuto" do que se passa nos teatros de operacões.

Por isso, garante a responsável, o sistema de briefings em vigor a partir desta quarta-feira será "flexível" e poderá adaptar-se à situação operacional no terreno, com os horários comunicados a servirem apenas como "referência".

"Podemos fazer todos os briefings que entendam que são necessários", afirmou em resposta aos jornalistas.
Informação "relevante"
Com a comunicação sobre o estado dos incêndios centralizada em Lisboa, a RTP procurou saber logo na terça-feira se os briefings da Proteção Civil significavam uma proibição de declarações à comunicação social por parte dos comandantes no terreno.

A resposta surgiu esta quarta-feira na primeira comunicação diária aos jornalistas. Patrícia Gaspar esclarece que "não houve uma proibição", mas antes uma medida que liberta os comandantes distritais e lhes permite concentração total e permanente na conduta operacional.

"É essa a única intenção: facilitar e garantir a conduta operacional ao nível dos teatros de operações", referiu a comandante, assegurando que os comandantes não estão de alguma forma "impedidos de falar".

"Qualquer desvio operacional pode ter consequências graves nos teatros de operações. É isso que queremos evitar", acrescentou a responsável, garantindo que a Proteção Civil não deixará de passar aos jornalistas a informação que considera "relevante" para o conhecimento do público.
"Demagogia política"
Ainda antes da primeira comunicação desta manhã, foram várias as críticas ao procedimento adotado pela ANPC, com destaque para as palavras de Pedro Passos Coelho. O líder da oposição acusa o Governo de imposição da "lei da rolha" aos serviços da Proteção Civil e de seguir a comunicação como "política primeira".

"Esse é o tempo que vivemos hoje, o tempo da demagogia política e é o tempo em que a política primeira, preferida, da maioria parlamentar e do Governo é a da comunicação", criticou Passos Coelho durante um discurso no jantar do grupo parlamentar do PSD, na terça-feira à noite. 

"Assim é mais fácil ser bem-sucedido na política de comunicação: é essencial que não haja notícias e depois espera-se que as que são captadas pela realidade não sejam tão más", acrescentou, criticando ainda a "preocupação" excessiva do Governo com a política de comunicação.

Jaime Marta Soares, presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, também já veio acusar a Proteção Civil de avançar com uma medida que "parece a aplicação lei da rolha". Em declarações à Agência Lusa, o responsável classificou a medida como "um atentado ao direito à informação" e falou mesmo numa situação de "democracia suspensa" nas estruturas da ANPC.

"O que querem filtrar? O que não se pode dizer?", questionou o presidente da Liga dos Bombeiros, referindo que não lhe parece existir uma real vontade de informar a comunicação social de forma adequada.

O responsável salientou ainda que a medida não terá impacto no terreno, uma vez que são os próprios comandantes de bombeiros no teatro de operações os únicos a decidir "se querem falar ou não". "Qualquer comandante de bombeiros que esteja no teatro de operações está sempre disponível, ninguém lhe pode cercear a liberdade de comunicar", alertou.
Comandantes receberam norma da ANPC
Já depois do primeiro briefing da Proteção Civil, o responsável pela Liga dos Bombeiros disse na RTP que a Proteção Civil enviou uma norma aos comandantes distritais para que "não prestem nenhuma informação" na sequência das novas regras adotadas, uma informação que contrasta com as declarações de Patrícia Gaspar ao início da manhã.

Jaime Marta Soares aproveitou para reforçar as críticas ao novo sistema em vigor desde as primeiras horas de quarta-feira, designando o novo proceso como "uma grande beliscadela na democracia".

Acusou ainda a ANPC de recorrer a "desculpas esfarrapadas" para limitar a comunicação dos comandantes à imprensa, numa resposta direta aos "desvios" apontados pela Proteção Civil para justificar a centralização das comunicações.

"Não podemos falar de distrações, até porque o comandante de operações tem quem o substitua no momento para poder dar as suas informações, ou pode fazer passar essas informações através de um oficial de ligação à comunicação social", explicou.

"Tem de se filtrar a informação em Lisboa? (...) A que propósito? Essa é uma situação inconcebível e inaceitável", completou o responsável.

Jaime Marta Soares voltou a lembrar que os operacionais têm formação para comunicar com a imprensa e por isso a atitude é "desajeitada" e retira competências a quem está no terreno. "Se não têm confiança neles, têm de o dizer", acrescentou.

O responsável sublinhou por fim que os comandantes dos bombeiros continuam a ter toda a liberdade para dar as suas informações à comunicação social, estando apenas vinculados "à sua consciência profissional".
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