Um dos dois portugueses detidos em Espanha no âmbito de uma mega-operação contra uma rede de corrupção que envolvia negócios fraudulentos de captação de poupanças é o presidente da multinacional que mais selos vende no mundo.
Albertino de Figueiredo foi detido juntamente com o seu filho, Carlos de Figueiredo Escriba, quadro dirigente da empresa AFINSA e presidente da Associação de Comerciantes Filatélicos de Portugal desde 2004.
A operação visou uma rede de corrupção avaliada em 2.500 milhões de euros envolvendo a Fundação AFINSA e o Fórum Filatélico, um dos cem maiores grupos empresariais nacionais, com mais de 200 mil clientes, 1.500 trabalhadores e 140 escritórios em toda a Espanha.
"Poderá haver até 350 mil investidores afectados e o montante total envolvido ultrapassa os 2.500 milhões de euros", disse fonte da polícia espanhola, que referiu que só numa das várias rusgas conduzidas hoje foram confiscados mais de 10 milhões de euros em dinheiro.
Albertino de Figueiredo, presidente honorário da AFINSA - empresa que surgiu em 1980 em Madrid e que revolucionou os negócios filatélicos de todo o mundo -, nasceu em Oliveirinha, Carregal do Sal, em 1931.
A AFINSA é agente exclusiva de 80 países, detentora de todas as vendas dos Estados Unidos da América para a Europa e, a título de exemplo, responsável por 70 por cento das vendas portuguesas para o mercado filatélico internacional.
Em 2001 a multinacional lucrou 54,74 milhões de euros, o que, depois de pagos os impostos, deu 35,59 milhões líquidos (pouco mais de sete milhões de contos).
Fundada por quatro sócios, passou rapidamente a ser apenas de dois: Albertino de Figueiredo e Juan António Cano, que no ano da fundação tinha apenas 19 anos.
A empresa começou na área da filatelia, mas depressa se alargou à numismática, antiguidades e obras de arte (a partir de 1985), diamantes e outras pedras preciosas (1990), produtos naturistas livros e vinhos (1995) e até às telecomunicações, já que a Afinsa chegou mesmo a comprar uma operadora de telefones móveis em Xangai, na República Popular da China.
Tem negócios nos cinco continentes, lojas em Nova Iorque, Lausanne, Frankfurt, em Xangai, entre muitas outras cidades: em Portugal são três (Lisboa, Porto, Leiria), em Espanha 55.
Albertino e os seus sócios lançaram a Afinsa em 1980, com o panorama filatélico estagnado, numa altura em que as compras e vendas se faziam em circuitos muitas vezes fechados.
Em 1994, quando já lutava declaradamente pela liderança do mercado mundial, fizeram um leilão que ficou para a história: a colecção portuguesa de Ângelo Lima, o coleccionador brasileiro que tinha um par de 100 réis de D. Maria II novos, os primeiros selos de Portugal, impressos em 1853 em Lisboa por uma máquina comprada em Londres em segunda mão, a qual estampava selo a selo através de uma alavanca movida manualmente.
O leilão da colecção foi realizado no Hotel Palace de Madrid, em frente ao Museu do Prado, sob enorme expectativa. A Afinsa comprara a colecção por um milhão de dólares À vendeu-a por 2,6 milhões.
A paixão de Albertino pelos selos começou a 01 de Janeiro de 1939, na véspera do seu oitavo aniversário, quando recebeu uma série de selos comemorativos do centenário da morte de Santo António de Lisboa, editados no ano em que tinha nascido, 1931.
A partir daí foi aumentando a colecção. Estudou em Coimbra e Lisboa, vivendo em casas de família que hospedavam estudantes e continuando a manter viva a colecção.
Só quando voltou a Oliveirinha, com mais de 20 anos, assumiu responsabilidades na empresa do pai (a José de Figueiredo & Filhos, Lda, de negócios rodoviários) e começou a ganhar um ordenado. Aí aventurou-se numas compras de selos um pouco mais ousadas.
A vida familiar fez com que em 1965 Albertino se mudasse para Madrid. Nos arredores da capital encontrou emprego numa firma de automóveis, ficando responsável pelo controlo de qualidade dos carros produzidos, cargo que ocupou seis meses.
Os administradores decidiram apostar nele, acabou por ser nomeado chefe da produção e em 1969 passou a ser o director da fábrica.
Quando o pai morreu vendeu a parte da herança que lhe coube aos irmãos e, em 1975, quando em Portugal governava como primeiro- ministro o general Vasco Gonçalves, ficou sem maneira de tirar o dinheiro do país.
Não o queria investir em Portugal porque vivia em Espanha, nem o podia pôr no banco porque a inflação e a desvalorização cambial o diminuíam a cada dia que passava.
E foi em conversa com o dono da loja em Madrid onde comprava uns selos que lhe foi proposto que em Portugal oferecesse o dinheiro a quem tiver selos para vender. Levando-os depois para Espanha a venda era garantida.
A empresa que acabou por fundar em Espanha com quatro sócios só entrou em Portugal em 1987.
Albertino de Figueiredo chegou a ser agraciado pelo ex- Presidente da República Jorge Sampaio, que lhe atribuiu a comenda de mérito em 2000.