Portugal vai ter uma Academia de Advocacia para jovens autistas lutarem pelos seus direitos

por Lusa

Uma empresa social e uma associação juntaram-se para criar uma Academia de Advocacia para jovens autistas, uma "espécie de escola" para que estes jovens tenham mais competências para melhor entenderem e defenderem os seus direitos.

O projeto chama-se ACTIVATE -- Autistic Community through Advocacy, Learning and Empowerment (Comunidade Autista através da Advocacia, Aprendizagem e Capacitação), começou em janeiro e durante dois anos tem como objetivo desenvolver um curso personalizado, pensado concretamente para uma Academia de Advocacia para jovens autistas.

O ACTIVATE será desenvolvido por seis entidades europeias de quatro países -- Portugal, Bélgica, Malta e República Checa -- cofinanciado pelo programa Erasmus, um programa europeu para formação e educação, e "nasceu primeiro numa conversa" entre a IMPACTsci, uma empresa social fundada por uma mulher com autismo e que se dedica a desenvolver metodologias educativas, e a Associação Portuguesa Voz do Autista.

Em declarações à agência Lusa, a fundadora da IMPACTsci explicou que a Voz do Autista já "tinha identificado esta necessidade em relação aos jovens autistas de precisarem de apoio para ganharem mais competências e conhecimentos sobre como serem ativistas", compreenderem os seus direitos e melhor poderem comunicar as suas necessidades.

De uma conversa entre a IMPACTsci e a Voz do Autista surge a ideia, que depois começam a concretizar com o envolvimento dos restantes parceiros.

"O grande objetivo deste projeto, que é um projeto para dois anos e que vai agora mais ou menos a meio, é desenvolver a Academia de Advocacia autista que vai servir como uma espécie de escola, mas de educação não formal, que vai funcionar tanto através de uma plataforma online como depois [...] com formação presencial", adiantou Andreia Morgado.

Acrescentou que tanto os parceiros envolvidos no projeto, como outras organizações de outros países, também poderão adotar estas ferramentas e desenvolver metodologias e conteúdos.

Por seu lado, a diretora de desenvolvimento de projeto da IMPACTsci defendeu a necessidade de criação da academia com "a falta de inclusão das vozes autistas em todas as esferas da sociedade", tanto a nível político, como a nível de advocacia.

"O facto de até agora não existirem vozes autistas e não haver essa participação política, faz com sejam excluídos, além das nossas vozes, muitas acomodações e muitos direitos relativamente às pessoas autistas", defendeu Raquel Lebre, também ela uma mulher com autismo, acrescentando que o que se vê frequentemente na sociedade são outras pessoas, profissionais de saúde ou familiares, a falarem em nome das pessoas autistas.

Apontou que o projeto surge por causa desta necessidade e para colmatar "esta falta de inclusão", sendo criado um curso cujo objetivo é "dar ferramentas para que as próprias pessoas autistas possam e estejam capacitadas para poderem defender os seus direitos de forma efetiva".

Como exemplo dessa falta de inclusão, Andreia Morgado contou que, apesar de ser uma pessoa adulta autista, que é ativa na sociedade, tem "imensa dificuldade" em comunicar as suas "necessidades específicas" e que vê-lhe ser "constantemente negado o acesso a um variado tipo de coisas".

"Ainda recentemente houve uma festa de Natal na escola da minha filha. Eu, além de ser neurodivergente, também tenho uma doença crónica, uma doença rara. Pedi à organização um lugar na ponta da fila porque eu estou-me sempre a levantar e não queria estar sempre a incomodar. Uma coisa simples, mas que me foi negada", relatou.

Contou também o caso de uma jovem a quem "é constantemente negado nas aulas o uso de fones que bloqueiam o ruído" e que, por causa disso, "entra em `meltdown` [colapso] no final do dia".

Raquel Lebre apontou que outro dos objetivos do curso é o de tomada de consciência para o que é realmente o autismo, sublinhando que se trata de uma "deficiência invisível", uma vez que não se revela através do comportamento.

Disse ainda que "uma parte importante" do projeto é que "realmente vai ser desenvolvido pelas próprias pessoas autistas ou neurodivergentes", e que "isso faz toda a diferença".

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