Os descontos de 50 por cento para compras acima de 100 euros foram uma tentação para muitos milhares de portugueses em todo o país, que ontem trocaram as celebrações do 1.º de Maio pelas filas do supermercado. Mas a iniciativa do grupo Jerónimo Martins está a gerar controvérsia e poderá mesmo ter decorrido fora da legalidade. A Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) está a investigar eventuais indícios de prática criminal na campanha do Pingo Doce, para determinar se a cadeia vendeu produtos abaixo do preço de custo.
Para João Vieira Lopes, presidente da Confederação do Comércio e Serviços, a situação é inequívoca. “O negócio alimentar não tem margem para poder fazer promoções deste tipo a não ser que o operador em causa pratique dumping”, declarou esta manhã à Antena 1. Também o Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, que tinha convocado uma greve para o dia de ontem, fala em “concorrência desleal numa escala nunca vista em Portugal”. Em declarações à TVI, o secretário-geral da UGT, João Proença, considerou a ideia como “um ataque ao 1.º de Maio” e uma “autêntica provocação, tentando atrair pessoas, obrigar trabalhadores a trabalhar”.
A dúvida, para os Sindicatos e outras vozes dissonantes, é saber se o Pingo Doce teve prejuízos ou se acordou com os fornecedores a partilha dos custos da campanha. Coloca-se ainda a hipótese de as margens de lucro da cadeia de supermercados serem, habitualmente, superiores a 50 por cento.
O grupo Jerónimo Martins desmentiu as acusações logo na terça-feira através de um comunicado, segundo o qual a campanha “pague metade” está inserida na estratégia da retalhista para o segundo trimestre de 2012: “Reforçar o seu posicionamento de preço e consequentemente a sua posição competitiva” no mercado, face à perda de poder de compra dos portugueses perante a crise.
"Euforia" provoca feridos e corta estradas
A campanha daquele que se autodenomina o “maior grupo de distribuição alimentar em Portugal”, não tendo sido precedida de publicidade, originou ontem, Dia Internacional do Trabalhador, uma verdadeira corrida às 369 lojas do Pingo Doce espalhadas pelo país. Relatos de pessoas na fila para entrar no supermercado desde as quatro da manhã e de agressões decorrentes da disputa por produtos foram frequentes nos órgãos de comunicação ao longo de todo o dia.
O IC19, em Sintra, esteve temporariamente encerrado durante a tarde, porque que a proximidade de duas grandes superfícies da marca tornou impossível a circulação do trânsito. A PSP, que reforçou a segurança junto das lojas nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, registou 40 ocorrências e pelo menos dois feridos ligeiros, fruto de um desentendimento num supermercado na Senhora da Hora, em Matosinhos.
Segundo uma nota divulgada ontem pela PSP, "a maior parte das ocorrências tiveram como origem a dificuldade de estacionamento e de trânsito" que levaram a PSP a "mobilizar meios humanos e materiais para resolver os problemas". Mas houve também muitos casos de “agressões entre clientes” quando as mercadorias começaram a esgotar. Pilhagens, vandalismo, carrinhos de compras “leiloados” por clientes que abandonavam as lojas a outros que desesperavam para entrar e maratonas de sete horas de compras são o resumo da iniciativa da Jerónimo Martins.
Um representante da empresa confirmava ontem à Lusa a “enorme afluência nas lojas de norte a sul do país” e o “entusiasmo e a euforia dos nossos clientes, que precisam de campanhas como esta e valorizam boas oportunidades de negócio".
E apesar de os responsáveis terem decidido encerrar as lojas às 18h00, duas horas mais cedo que o habitual, para fazer o escoamento “em segurança”, muitas centenas de clientes permaneceram nas filas a aguardar o pagamento até depois das 20h00. As prateleiras de quase todos os estabelecimentos ficaram vazias, apesar das constantes reposições de stock que foram sendo feitas durante o dia. Na Avenida Almirante Reis, manifestantes da CGTP em marcha de protesto partilharam a rua lisboeta com os clientes do Pingo Doce.