Pereira Gomes renuncia ao cargo de secretário-geral das "secretas" portuguesas

por RTP
Presidência.pt

O embaixador José Júlio Pereira Gomes comunicou hoje ao primeiro-ministro, António Costa, a sua indisponibilidade para aceitar o cargo de secretário-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP). O primeiro-ministro aceitou a decisão apesar de manifestar que mantém a "confiança que justificou a sua indigitação"

Em causa as alegações relativas à missão do embaixador em Timor Leste em 1999.

A eurodeputada socialista Ana Gomes levantou dúvidas sobre o perfil do embaixador para este cargo, referindo-se a episódios após o referendo que levou à independência de Timor-Leste, quando Pereira Gomes dirigiu a "Missão de Observação Portuguesa ao Processo de Consulta da ONU".

Ana Gomes acusou José Júlio Pereira Gomes de ter abandonado o território numa altura em que se registava um crescendo de violência por parte de milícias pró-indonésias.

Acusações que levaram hoje o embaixador a recusar o cargo. Em carta enviada ao primeiro-ministro, o embaixador diz que para "salvaguardar a dignidade do cargo de secretário-geral do SIRP de toda e qualquer polémica, que naturalmente se repercutiria negativamente no exercício das suas funções, resolvi comunicar a S. Exa. o primeiro-ministro a minha indisponibilidade para aceitar o cargo para que me havia convidado, agradecendo-lhe a confiança em mim depositada".

Pouco depois, em comunicado enviado pelo gabinete do primeiro-ministro às redações, António Costa manifestava o seu "respeito pela forma digna" como o embaixador lhe comunicou a "indisponibilidade para exercer estas funções, decisão que não posso deixar de aceitar".

O chefe do Executivo diz que deu "prévio conhecimento desta decisão ao líder da oposição, registando o elevado sentido de Estado com que os partidos da oposição agiram na presente circunstância".

O primeiro-ministro acrescenta que "perante o questionamento público da indigitação do Embaixador José Júlio Pereira Gomes para o cargo de Secretário-Geral do SIRP" entendeu "avaliar as alegações relativas à sua missão em Timor-Leste".

De todas as informações que recebeu, o primeiro-ministro concluiu que o embaixador "procedeu à evacuação da missão de observação eleitoral de Timor Leste por instruções diretas do Governo português" (...) "não desobedecendo nem contrariando portanto qualquer ordem para se manter em Díli".

Diz ainda António Costa que o embaixador "fez as diligências que lhe incumbiam para evacuar os timorenses que trabalharam e apoiaram a missão portuguesa, num contexto muito difícil de grande insegurança, e em que vários desses timorenses já se tinham entretanto refugiado nas montanhas".

Conclui assim o primeiro-ministro que "José Júlio Pereira Gomes não teve um comportamento pessoal e profissional desadequado".

O texto enviado pelo José Júlio Pereira Gomes ao primeiro-ministro foi divulgado pelo gabinete de António Costa por solicitação do embaixador

 

"Aceitei o convite de S. Exa. O Primeiro-Ministro para assumir o cargo de Secretário-Geral do SIRP por considerar que tinha a obrigação de responder positivamente ao desafio de uma nova missão de serviço público.

Foram, entretanto, suscitadas reservas à minha indigitação, em razão da forma como dirigi a “Missão de Observação Portuguesa ao Processo de Consulta da ONU em Timor Leste (MOPTL)” de 30.8.1999. Em particular, o processo de retirada dos observadores portugueses.

Importando salvaguardar a dignidade do cargo de Secretário-Geral do SIRP de toda e qualquer polémica, que naturalmente se repercutiria negativamente no exercício das suas funções, resolvi comunicar a S. Exa. o Primeiro-Ministro a minha indisponibilidade para aceitar o cargo para que me havia convidado, agradecendo-lhe a confiança em mim depositada.

A Missão que eu dirigi tinha, nos termos dos “Acordos de Nova Iorque”, como mandato único observar “todas as fases operacionais do processo de consulta”, desde o planeamento operacional até à votação, inicialmente fixada para 8 de agosto. Não dispunha de qualquer capacidade de defesa própria e muito menos de defesa dos timorenses.

Quando a consulta se conclui, a 4 de setembro de 1999, data da publicação dos resultados, recebi elogios dos mais altos responsáveis políticos do país pela forma como a Missão tinha sido realizada.
O processo de retirada dos observadores portugueses vem a decorrer num contexto de violência generalizada, iniciada a 4.9.1999, data em que a sede da Missão é atacada e somos obrigados a buscar refúgio na UNAMET.

Assumi então a responsabilidade, que também fazia parte do meu mandato, de tudo fazer para trazer de volta, com vida, todos os observadores, cumprindo, de resto, aquilo que foi antecipadamente planeado com o MNE.

Mantive por isso o plano normal de partidas e fiz sair a maioria dos observadores no dia 5.9.1999, incluindo os cinco representantes partidários que integravam a Missão. Depois da UNAMET ter decidido, a 8 de setembro, “uma evacuação geral”, por considerar que o nível de risco para as nossas vidas tinha ultrapassado o limite do aceitável, recomendei ao Governo a evacuação dos últimos observadores, que se realiza a 10 de setembro. Nesse contexto recebi do Governo ordem para sair, que assim cumpria a obrigação que assumira com todos os observadores quando partimos para Timor-Leste. Tudo fazer para nos evacuar em caso de crise de segurança que colocasse em risco as nossas vidas.

O Dr. José Ramos Horta prefaciou o livro que publiquei, “O referendo de 30 de agosto de 1999 em Timor-Leste”, onde dou conta detalhada da forma como exerci a chefia da Missão. Nesse prefácio, invocando “fontes do CNRT no terreno”, Ramos Horta afirmou que “os observadores portugueses comportaram-se sempre com correção, muita coragem e sacrifício, com a prudência e a distância necessárias ao estatuto de Portugal em todo um processo extremamente delicado, sem aventureirismo e protagonismo exagerado”.

Referindo-se especificamente a mim, Ramos Horta reconhece que estive “no olho do furacão “ e que tive “uma tarefa hercúlea, ingrata, mas, ao mesmo tempo, generosa e com a recompensa moral de fazer parte de uma verdadeira epopeia”. E concluiu “Parabéns são devidos à Missão no seu todo”.

Cumpri a Missão, “tarefa hercúlea, ingrata”, e estou de consciência tranquila.

7.6.2017
José Júlio Pereira Gomes"

C/ Lusa

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