Organizações contra a Eutanásia e entidades religiosas criticam aprovação parlamentar e esperam novo veto presidencial
Depois de, em março, o Presidente da República ter vetado o diploma, alegando inconstitucionalidade, o novo decreto sobre a eutanásia foi aprovado no Parlamento, esta sexta-feira. Mas os grupos e organizações que têm lutado contra a legislação para a morte medicamente assistida criticaram a aprovação de uma lei que consideram precipitada e inconstitucional, manifestando ainda esperança no veto presidencial.
O Movimento Ação Ética (MAE) expressou perplexidade e acusou os deputados de "pressa legislativa", e por "legislar em regime de contra-relógio inusitado e eticamente desajustado", referindo-se ao contexto político de "dissolução parlamentar e eleições antecipadas".
"Estamos diante de uma Assembleia da República politicamente eutanasiada, que aprova a lei da eutanásia, e num dia triste para a sociedade portuguesa pelo repúdio da mais elevada conquista da civilização, o direito à vida".
O movimento cívico que tem como cofundadores o economista António Bagão Félix, o constitucionalista Paulo Otero e os médicos Pedro Afonso e Vítor Gil, apelou ainda ao Presidente da República para, face a esta nova versão da lei que considera "ainda mais inconstitucional do que a anterior", solicite a apreciação preventiva da constitucionalidade ou, em alternativa, recuse a promulgação, num cenário de "um parlamento dissolvido que confere natureza absoluta ao seu veto".
"Uma qualquer lei permitindo a eutanásia, além de habilitar que um terceiro possa dispor de vida humana alheia ou, pelo menos, colaborar na sua supressão, comporta o risco da designada rampa deslizante ou porta entreaberta: o que está em causa não é uma morte medicamente assistida, mas sim uma morte medicamente provocada, o que se mostra ética e juridicamente inaceitável", concluiu.
"O movimento cívico Stop Eutanásia lamenta profundamente a decisão dos deputados a favor da legalização da eutanásia", lê-se no comunicado. " Uma votação que acontece sem estarem reunidas as condições mínimas para em consciência se dar um passo desta gravidade na sociedade portuguesa. Não haveria pior desfecho para esta legislatura".
Nas palavras deste movimento contra a eutanásia, "é urgente e fundamental haver uma aposta séria e concreta nos cuidados de saúde e na rede nacional de cuidados paliativos e continuados". Por isso, a organização apela "aos nossos governantes, políticas humanizantes que coloquem a Pessoa no centro das decisões e não a economia, o poder ou as agendas ideológicas".
À semelhança do MAE, o STOP Eutanásia também afirmou aguardar a decisão de veto do Presidente da República "para travar uma lei que em nada favorece o fim de vida digno dos portugueses".
"Estamos diante de um dia negro na história do país, de retrocesso das conquistas e liberdades dos cidadãos", escreveram os subscritores.
Contudo, a AMCP assegura manter a "esperança de que a eutanásia não venha a ser uma realidade em Portugal", com o veto presidencial.
Para esta entidades a "legalização da eutanásia e do suicídio assistido viola claramente o princípio da inviolabilidade da vida humana consagrado no artigo 24.º, n.º 1, da Constituição portuguesa". E do ponto de vista médico, a AMCP "rejeita o suicídio assistido e a eutanásia como atos médicos", visto que "ao médico cabe a defesa intransigente da vida".
"Apelamos ao Senhor Presidente da República que faça tudo o que estiver ao seu alcance para impedir a entrada em vigor de uma lei que desumaniza e atrasa Portugal", retamatam.
Também a Associação Portuguesa de Bioética criticou igualmente o que classificou de "pressa legislativa", com o presidente, Rui Nunes, a defender que um tema "tão fraturante" exige estabilidade legislativa.
O professor catedrático, que tem defendido um referendo sobre a matéria, entende tratar-se de um tema demasiado complexo para ser decidido apenas pelos deputados.
O Grupo de Trabalho Inter-Religioso - Religiões-Saúde manifestou-se também contra a aprovação parlamentar da eutanásia, reafirmando "a convicção comum de que a vida humana é inviolável e indisponível".
Subscrito por várias confissões religiosas – signatárias da declaração conjunta "Cuidar até ao fim com compaixão", de 16 de maio de 2018 – sublinham em comunicado que o futuro das sociedades "não se encontra na oferta da morte, mas na aposta coletiva num modelo compassivo de sociedade", defendendo que "os cuidados paliativos são uma resposta que o Estado deveria obrigatoriamente oferecer, de modo suficiente em quantidade e qualidade, para fazer frente às necessidades existentes dos doentes, sem marginalizar os mais frágeis e os mais pobres".
"Não compreendemos que o Estado ofereça a morte a quem mais sofre, quando o SNS [Serviço Nacional de Saúde] não responde atempada e adequadamente às necessidades dos doentes (…), quando a resposta das Unidades de Cuidados Continuados é insuficiente e quando não existe uma Rede de Cuidados Paliativos capaz de responder às solicitações"; afirmam os subscritores, que não escondem a “perplexidade” pelo facto de “a problemática da vida e da morte” deixar de ser uma questão ética e passar para o foro da política, “ficando sujeita às maiorias de circunstância e aos interesses de lóbis e ideologias”.
Afirmando não acreditar “que sejam suficientes as boas intenções dos legisladores ao limitarem a aplicação da lei a casos limite de sofrimento definidos por dicionário”, o Grupo de Trabalho Inter-Religioso lamenta que tenham sido “ignorados os exemplos da rampa deslizante vindos do Canadá, da Holanda, da Bélgica e de outros países”.
“Lamentamos que médicos, formados para curar e proteger a vida, tenham de negar o juramento de Hipócrates e passem também a matar, violentando as suas consciências e gerando desconfiança nos doentes”, afirmam, acrescentando que não deixarão de se “empenhar na proclamação dos valores da vida e na formação humana suportada pelos mesmos (…) porque não há vidas descartáveis”.
Neste contexto, os responsáveis pelas confissões religiosas subscritoras dizem querer “viver o desafio de uma maior proximidade aos doentes através do acompanhamento espiritual” e exortam a que “o SNS e os Hospitais privados abram as portas das suas Instituições para que os doentes sejam acompanhados espiritualmente sem entraves ou tabus de uma forma organizada e integrada, segura e transparente”.
“Continuaremos (…) a afirmar o princípio ‘não matarás’, porque acreditamos que a vida é um dom que recebemos de Deus, que tem um caráter sagrado e uma finalidade última e por isso temos o dever de a cuidar até ao seu fim natural”, adianta o comunicado subscrito pela Aliança Evangélica Portuguesa, Comunidade Hindu Portuguesa, Comunidade Islâmica de Lisboa, Comunidade Israelita de Lisboa, Igreja Católica, Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (Mórmons), Patriarcado Ecuménico de Constantinopla, União Budista Portuguesa e União Portuguesa dos Adventistas do Sétimo Dia.