Organizações ambientalistas alertam para fármaco que pode extinguir abutres no país
Porto, 24 jan (Lusa) - Organizações Não-Governamentais de Ambiente (ONGA) nacionais alertaram ter sido pedida autorização para a comercialização de um medicamento veterinário anti-inflamatório para uso pecuário que pode levar à extinção de abutres e de outras aves que se alimentam de restos orgânicos.
O alerta surge em resposta ao pedido de comercialização de um medicamento - um anti-inflamatório não esteroide que contém a substância ativa `diclofenac` -- feito por uma empresa farmacêutica à Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), entidade à qual as ONGA já alertaram para os malefícios deste fármaco.
Qualquer dose deste medicamento para tratamento das espécies pecuárias "é letal para as aves necrófagas", se o consumo for feito enquanto o medicamento ainda está ativo no organismo dessas espécies, explicou à Lusa Eduardo Santos, da Liga para a Proteção da Natureza (LPN).
De acordo com um comunicado da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), a que a Lusa teve hoje acesso, este medicamento é responsável por causar insuficiência renal nos abutres e pelo declínio desta ave no subcontinente indiano, onde a levou quase à extinção.
Na Índia, "bastou que menos de 1% das carcaças disponíveis para os abutres" contivessem `diclofenac` para causar "a redução das suas populações em mais de 97%", fazendo com que este fármaco tenha sido banido no subcontinente indiano, acrescenta a nota informativa.
Existem no mercado português outros fármacos com os mesmos efeitos terapêuticos deste anti-inflamatório (utilizado para ajudar a combater infeções e inflamações em espécies pecuárias e para o alívio da dor), como é o caso do `meloxicam` que, segundo Eduardo Santos, é "completamente seguro para as aves necrófagas".
A possível introdução deste medicamento em Portugal é uma questão que o próprio "não consegue entender", "atendendo aos impactos conhecidos e à existência de alternativas viáveis e eficazes para o tratamento de espécies pecuárias".
Como indica, a única razão lógica pode ser "o interesse comercial da empresa farmacêutica que está a solicitar a autorização deste medicamento".
Em território nacional existem populações de abutres e de águias com hábitos necrófagos e com estatuto de ameaça elevado, como o abutre-preto (Aegypius monachus), o britango (Neophron percnopterus), o grifo (Gyps fulvus), a águia-imperial-ibérica (Aquila adalberti) e a águia-real (Aquila chrysaetos), legalmente protegidas no âmbito da Diretiva Aves da União Europeia.
"Tendo em conta os impactos provados do `diclofenac` nestas espécies, os seus hábitos alimentares e a suas reduzidas populações", a autorização e a utilização deste anti-inflamatório "terá um impacto potencialmente devastador nestas aves e também nos ecossistemas onde ocorrem, em consequência do papel ecológico fundamental que possuem".
Segundo a nota informativa, a SPEA, a LPN, a Associação Transumância e Natureza (ATN), a Palombar - Associação de Conservação da Natureza e do Património Rural e a Quercus - Associação Nacional de Conservação da Natureza, já alertaram a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) para a comercialização desta substância.
A Convenção Sobre a Conservação de Espécies Migradoras da Fauna Selvagem (CMS ou Convenção de Bona), adotou uma resolução na Conferência das Partes, em 2014, com o voto favorável de Portugal, que inclui a recomendação legislativa de "proibir o uso do `diclofenac` veterinário para o tratamento pecuário e substituí-lo por alternativas seguras e já disponíveis, tais como o `meloxicam`".
Organizações de conservação da natureza como o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), a BirdLife Internacional (da qual a SPEA é a representante em Portugal) e a Vulture Conservation Foundation (VCF), também já demonstraram a sua preocupação sobre a eventual comercialização do medicamento em Portugal.