O ministro dos Negócios Estrangeiros português defendeu hoje, em relação à perspectiva de adesão da Turquia à União Europeia, que "as opiniões públicas devem afastar o medo, apostando na esperança". Diogo Freitas do Amaral falava na abertura da audição pública "A Turquia e a União Europeia: Reformas e Avanços Rumo à Adesão", uma iniciativa do eurodeputado Joel Hasse Ferreira, membro da delegação do PE para as relações UE-Turquia, realizada no Centro Europeu Jean Monet, em Lisboa.
"Os políticos dão por adquirido o que para si é evidente, embora não o seja para as opiniões públicas", disse o chefe da diplomacia portuguesa, para quem um dos principais problemas da futura adesão daquele país é a "incompreensão das opiniões públicas por falta de debate e esclarecimento".
Tendo votado "há pouco mais de um mês" (03 e Outubro, no Luxemburgo) - como recordou - a abertura oficial das negociações para a adesão da Turquia à UE, Freitas do Amaral salientou que esta questão é objecto de "um debate aceso em muitos países, mas não em Portugal", apesar de ser "uma constante da política externa nacional ao longo de sucessivos Governos".
Como justificação, o ministro dos Negócios Estrangeiros fez referência ao eurobarómetro, segundo com o qual os portugueses estão entre os europeus mais favoráveis à adesão turca (43 por cento contra 33 por cento), quando a média europeia é negativa (52 por cento contra 35 por cento).
"O espírito de abertura português a povos, culturas e religiões diferentes - neste caso um país que é parceiro na Aliança Atlântica (NATO) - reflecte a experiência acumulada ao longo dos últimos cinco séculos de história", declarou.
O painel de debate esteve a cargo do professor Nuno Severiano Teixeira, director do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI), da embaixadora da Turquia em Portugal, Zergun Koroturk, e da sua homóloga Ana Gomes, membro da Comissão dos Assuntos Externos do Parlamento Europeu (PE).
Para Freitas do Amaral, "a perspectiva da adesão turca reforça, dinamiza e consolida as relações euro-atlânticas" e as do Velho Continente "com a margem sul do Mediterrâneo, Grande Médio Oriente, Mar Negro, Cáucaso e Ásia central, com a Rússia e, ainda, com países emergentes como o Brasil, Índia e China" - os chamados BRIC, explicou.
Na vertente geoestratégica, o chefe da diplomacia portuguesa valorizou o "reforço da estabilidade e segurança" no espaço europeu, bem como o "desenvolvimento económico" resultante da "liberalização do mercado" para um país com 70 milhões de habitantes.
"Como a UE não é um clube religioso confinado a uma civilização e cultura, mas um projecto político baseado na democracia e nos direitos humanos", a decisão do Luxemburgo, que classificou de histórica, foi "um sinal aos países islâmicos".
E explicou: "Abrir as portas à Turquia contribui para mostrar aos países islâmicos que não estamos a caminho de uma guerra de civilizações, pelo contrário, é um não rotundo ao conflito e um apelo à convivência e amizade".
Freitas do Amaral referiu-se ainda à "capacidade de absorção" europeia de novos membros para afirmar que "as vantagens políticas, económicas e estratégicas compensarão bem o esforço suplementar para adaptação dos mecanismos internos comunitários".
"O comércio, turismo, desporto, e intercâmbios académicos e culturais são necessários para que os cidadãos se conheçam melhor e alicercem a paz nas suas relações afectivas", concluiu.
Nuno Severiano Teixeira, o primeiro do painel a falar, na "perspectiva da cidadania", recordou que, "desde o Conselho Europeu de Helsínquia, o processo turco tem sido caracterizado pela intensidade política e dramatismo no debate".
O segundo momento neste processo, sublinhado pelo director do IPRI, foi a apresentação à Comissão Europeia do relatório - pelo então comissário para o Alargamento, Guenter Verheugen - sobre o cumprimento turco dos Critérios de Copenhaga (Outubro de 2004).
O terceiro momento foi a decisão do Conselho Europeu, no termo da presidência semestral luxemburguesa, que marcou para 03 de Outubro passado a abertura oficial das negociações para a adesão.
Além deste "processo objectivo", Severiano Teixeira fez notar o receio europeu do radicalismo islâmico e da imigração em massa de muitos dos 70 milhões de turcos.
"Poderá a UE integrar a Turquia e continuar a ser integralmente europeia?" questionou-se o académico, defendendo que "o ponto-chave da identidade europeia são os limites geográfico e cultural-religioso".
"Tolerância, laicismo e multiculturalismo" foram os requisitos tidos em conta para a abertura das portas da UE à Turquia, na opinião de Severiano Teixeira, para quem "a aliança de civilizações é imperiosa para combater o extremismo, em nome da segurança colectiva".
Mas insistiu na "urgência" de Ancara emitir "sinais" sobre o contencioso da ilha dividida de Chipre e do alegado "genocídio" arménio em 1915.
Por seu turno, a embaixadora turca, depois de agradecer o apoio de Lisboa à causa de Ancara e de enaltecer a actual presidência semestral britânica da UE, por tudo o que tem feito em prol do seu país, referiu-se, à semelhança de Freitas do Amaral, ao "medo da invasão" otomana por parte da opinião pública.
"É preciso ganhar confiança e construir uma boa imagem da Turquia na Europa", vincou Zergun Koroturk.
Numa retrospectiva - comparada pela eurodeputada Ana Gomes à saga dos imigrantes portugueses de há quatro décadas - insistiu em que "a imagem deixada pelos turcos nos anos 60, principalmente na Alemanha, Áustria, Holanda e França, tem de ser melhorada".
Acerca da "identidade europeia", registou ter sido Bruxelas, em 1963, a decidir que "a Turquia é parte da Europa". Actualmente - fez notar - "a Turquia é membro de todas as organizações europeias relevantes".
Relativamente ao alargamento comunitário, a embaixadora Zergun Koroturk precisou que "os critérios nunca foram geográficos, mas tão só políticos", e quanto ao binómio cultura-religião, "o islamismo jamais constituiu um obstáculo à pertença a todas as instâncias europeias e à NATO".
Na vertente económica, a diplomata afirmou que "a Turquia não está pior do que qualquer outro candidato ao iniciar o processo de adesão", encontrando-se neste momento 15 por cento abaixo da média europeia.
Ana Gomes não quis deixar passar em branco "os reflexos do chumbo" francês e holandês do Tratado Constitucional, não por causa da Turquia, mas pela "incapacidade de crescimento económico e falta de liderança política europeia para corresponder aos desafios mundiais".
A eurodeputada lembrou que Ancara tem dado "passos construtivos" nas reformas legislativas, sobretudo do Código Penal, com a abolição da pena de morte.
Todavia, acusou Ancara de ter dado "um tiro no pé" quando, a 29 de Julho passado, ao assinar a extensão do acordo aduaneiro com a UE à dezena de novos países entrados a 01 de Maio de 2004, se recusou a reconhecer a República de Chipre, "para gáudio de quantos não querem os turcos no clube cristão".
Em síntese, a diplomata rotulou de "vitais para o processo negocial turco em curso" as resoluções dos diferendos relacionados com Chipre, com o "genocídio" arménio, com a minoria curda e, finalmente, com os direitos das mulheres.