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Operação Marquês. Quem são os arguidos e de que são acusados?

por Joana Raposo Santos - RTP (texto), Sara Piteira - RTP (grafismo)

Está prestes a ser conhecida a decisão instrutória do juiz Ivo Rosa que determinará quem vai a julgamento no âmbito da Operação Marquês. O processo, que dura já há sete anos, conta com 28 arguidos - 19 pessoas singulares e nove empresas -, dos quais o mais conhecido é o ex-primeiro-ministro José Sócrates. Em causa estão 188 alegados crimes económico-financeiros.

As quase duas centenas de crimes são essencialmente de corrupção passiva e ativa, branqueamento de capitais, falsificação de documento e fraude fiscal qualificada, falsificação de documento, abuso de confiança e peculato e posse de arma proibida.

Na decisão instrutória saber-se-á quem fica pronunciada por que crimes, mas as decisões serão passíveis de recurso para o Tribunal da Relação.

Na fase de inquérito foram efetuadas mais de 200 buscas, inquiridas mais de duas centenas de testemunhas, tendo ainda sido recolhidos dados bancários sobre cerca de 500 contas, quer em Portugal quer no estrangeiro.

A Operação Marquês é um dos processos mais mediáticos de sempre da justiça portuguesa, envolvendo pela primeira vez acusações de corrupção a um ex-chefe de Governo. O caso começou a ser investigado em julho de 2013 e reúne agora mais de três mil documentos em suporte de papel e 13.500 milhões de ficheiros informáticos.

A fase de instrução, agora prestes a terminar, foi pedida por 19 dos arguidos e teve início a 28 de janeiro de 2019. Durante essa fase realizaram-se 11 interrogatórios a arguidos e inquirição de 44 testemunhas. Um ano e três meses depois, em março de 2020, teve início o debate instrutório, que terminou a 2 de julho.
Quem são os arguidos?

José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa

O antigo primeiro-ministro português (entre 2005 e 2011) está acusado de 31 crimes: três de corrupção passiva de titular de cargo político, 16 de branqueamento de capitais, nove de falsificação de documento e três de fraude fiscal qualificada. Agora com 63 anos, José Sócrates chegou a estar cerca de dez meses em prisão preventiva e outros 42 dias em prisão domiciliária.

A acusação sustenta que Sócrates recebeu cerca de 34 milhões de euros, entre 2006 e 2015, a troco de favorecimentos de interesses do ex-banqueiro Ricardo Salgado no Grupo Espírito Santo (GES) e na PT, bem como para garantir a concessão de financiamento da Caixa Geral de Depósitos ao empreendimento Vale do Lobo, no Algarve, e por favorecer negócios do Grupo Lena dentro e fora do país.

Segundo a acusação, os 34 milhões foram recebidos por Sócrates em comissões ilícitas que, para omitir o nome do real beneficiário, foram inseridas em contas na Suíça em nome do seu primo, José Pinto e Sousa, e mais tarde em nome do seu amigo Carlos Santos Silva. O Ministério Público acredita que ambos os homens, também arguidos neste caso, foram testas-de-ferro de Sócrates.

No entanto, não existem provas diretas de qualquer um dos crimes de corrupção alegadamente cometidos pelo antigo primeiro-ministro. Algo que dificulta a decisão do juiz Ivo Rosa e aumenta a expetativa sobre se os crimes poderão cair por terra, arriscando a descredibilização da Justiça portuguesa.


Carlos Manuel dos Santos Silva

Amigo de José Sócrates desde os anos 1980, o engenheiro e empresário é acusado pelo Ministério Público de intervir como intermediário de José Sócrates em todos os contactos com o grupo Lena e de ter recebido, numa conta em seu nome na Suíça, 23 milhões de euros que pertenciam a Sócrates, a troco de uma comissão de dez por cento.

Carlos Santos Silva tem sempre defendido que os 23 milhões que transferiu da Suíça para Portugal em 2010 (ao abrigo de duas operações aprovadas pelo Governo de Sócrates) eram dele e que resultaram de lucros obtidos em diversos negócios. Caso a veracidade desta versão seja provada, tanto o empresário como a sua mulher, também arguida neste processo, poderão ser ilibados.

Para já, o amigo de longa data de Sócrates continua acusado de 33 crimes: um de corrupção passiva de titular de cargo político, um de corrupção ativa de titular de cargo político, 17 de branqueamento de capitais, dez de falsificação de documento, um de fraude fiscal e três de fraude fiscal qualificada.


Ricardo do Espírito Santo Silva Salgado

Ricardo Salgado esteve na liderança do Banco Espírito Santo (BES) durante mais de 20 anos, deixando o cargo em 2014. Está acusado de 21 crimes no âmbito da Operação Marquês: um de corrupção ativa de titular de cargo político, dois de corrupção ativa, nove de branqueamento de capitais, três de abuso de confiança, três de falsificação de documento e três de fraude fiscal qualificada.

O Ministério Público acredita que José Sócrates recebeu mais de 10 milhões de euros do Grupo Espírito Santo através de um esquema de lavagem de dinheiro. Em troca, terá defendido os interesses desse grupo na Portugal Telecom (PT), da qual o GES era acionista. O esquema terá deitado por terra a tentativa de aquisição da PT por parte do grupo Sonae.


Joaquim Barroca Vieira Rodrigues

Ex-administrador do Grupo Lena, Joaquim Barroca é acusado de 14 crimes: um de corrupção ativa de titular de cargo político, um de corrupção ativa, sete de branqueamento de capitais, três de falsificação de documento e dois de fraude fiscal qualificada.

O antigo membro do grupo de engenharia e construção Lena, agora chamado grupo NOV, terá recebido nas suas contas milhões de euros que acabariam na posse de Carlos Santos Silva e, depois, de José Sócrates. Em troca, o ex-primeiro-ministro terá favorecido o grupo Lena junto de líderes internacionais, influenciando negócios como o da construção de casas na Venezuela.


Hélder José Bataglia dos Santos

Empresário luso-angolano fundador da empresa Escom, cuja maioria do capital pertencia ao Grupo Espírito Santo. Também Bataglia terá feito chegar a José Sócrates, através das contas de Joaquim Barroca e de Carlos Santos Silva, milhões de euros vindos de sociedades offshore.

Está acusado de dez crimes: cinco de branqueamento de capitais, dois de falsificação de documento, dois de fraude fiscal qualificada e um de abuso de confiança.


Henrique Manuel Fusco Granadeiro

O antigo gestor da PT terá recebido, entre 2007 e 2012, perto de 24,5 milhões de euros através do alegado “saco azul” do Grupo Espírito Santo, a Espírito Santo Enterprises.

Segundo o Ministério Público, esse valor terá partido de Ricardo Salgado, na altura presidente do BES, para que Granadeiro se opusesse à compra da PT pelo Grupo Sonae e favorecesse os negócios da operadora com as brasileiras Vivo e Oi.

Granadeiro está acusado de oito crimes: um de corrupção passiva, dois de branqueamento de capitais, um de peculato, um de abuso de confiança e três de fraude fiscal qualificada.


Zeinal Bava

O ex-presidente executivo da PT terá recebido, entre 2007 e 2011, cerca de 25,2 milhões de euros através da Espírito Santo Enterprises e chegou mesmo a confirmar essa transferência em interrogatório, negando, porém, que se tratasse de uma compensação, mas sim de um empréstimo.

O Ministério Público acredita que o valor foi, na realidade, pago por Ricardo Salgado para que Zeinal Bava beneficiasse os interesses do Grupo Espírito Santo, que na altura era um dos principais acionistas da PT.

O ex-presidente da empresa de telecomunicações está acusado de cinco crimes: um de corrupção passiva, um de branqueamento de capitais, um de falsificação de documento e dois de fraude fiscal qualificada.


José Diogo Gaspar Ferreira

Ex-diretor executivo do empreendimento Vale de Lobo, Gaspar Ferreira liderou em 2006 as negociações para a aquisição desse resort de luxo. O empresário pertencia a um grupo de investidores que apenas conseguiu comprar o empreendimento Vale do Lobo através de um empréstimo da CGD, que terá sido influenciado por José Sócrates a troco de um milhão de euros.

Gaspar Ferreira está acusado de seis crimes: um de corrupção ativa de titular de cargo político, dois de branqueamento de capitais e três de fraude fiscal qualificada.


Rui Horta e Costa

O antigo administrador não executivo dos CTT renunciou a esse cargo em 2017, depois de ter sido constituído arguido no âmbito da Operação Marquês.

Foi também administrador do empreendimento Vale do Lobo e está acusado de quatro crimes: um de corrupção ativa de titular de cargo político, um de branqueamento de capitais e dois de fraude fiscal qualificada.

Segundo o Ministério Público, Horta e Costa influenciou José Sócrates e Armando Vara, ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos, de modo a conseguir um empréstimo da CGD com condições especiais para comprar o Vale do Lobo em 2006.


Armando António Martins Vara

Ex-ministro socialista e antigo administrador da Caixa Geral de Depósitos, Armando Vara terá influenciado a atribuição de um empréstimo da CGD em conluio com José Sócrates. Esse empréstimo permitiu a José Diogo Gaspar Ferreira e a Rui Horta e Costa comprarem o resort Vale de Lobo.

Armando Vara está acusado de cinco crimes: um de corrupção passiva de titular de cargo político, dois de branqueamento de capitais e dois de fraude fiscal qualificada.


Rui Manuel Antunes Mão de Ferro

Sócio administrador e gerente de diversas empresas, está associado a vários negócios com Carlos Santos Silva, o amigo de José Sócrates, e o MP acredita que seria testa-de-ferro dos dois homens.

Está acusado de cinco crimes: um de branqueamento de capitais e quatro de falsificação de documento.


Gonçalo Trindade Ferreira

Advogado que trabalhou numa das empresas de Carlos Santos Silva. Foram encontrados, num cofre em seu nome, 200 mil euros em notas que pertenciam ao empresário.

Trindade Ferreira está acusado de quatro crimes: três de branqueamento de capitais e um de falsificação de documento.


Luís Ferreira da Silva Marques

Ex-funcionário da Infraestruturas de Portugal que lançou a Rede de Alta Velocidade, Silva Marques terá favorecido o consórcio ELOS, ligado ao grupo Lena, num concurso público. O Ministério Público acredita que terá disponibilizado a esse consórcio informação privilegiada a troco de cinco mil euros mensais.

Está acusado de dois crimes: um de corrupção passiva e outro de branqueamento de capitais.


José Ribeiro dos Santos

Ex-funcionário da Infraestruturas de Portugal e antigo deputado do PSD, este engenheiro está acusado de dois crimes: um de corrupção ativa e outro de branqueamento de capitais.

Ribeiro dos Santos terá, à semelhança de Silva Marques, favorecido o grupo Lena no concurso público para a concessão do troço Poceirão-Gaia.


Bárbara Catarina Figueira Vara

É filha de Armando Vara, antigo administrador da CGD, e está acusada de dois crimes de branqueamento de capitais, depois de alegadamente ter ajudado o pai a esconder verbas ilícitas.

Era em nome de Bárbara Vara que se encontravam as contas na Suíça às quais chegaram dois milhões de euros alegadamente relacionados com o empreendimento Vale do Lobo.


José Paulo Pinto de Sousa

Primo de José Sócrates, alegadamente ajudou o ex-primeiro-ministro a ocultar dinheiro que recebeu ilicitamente, recebendo-o em contas em seu nome. Antes da Operação Marquês, o seu nome tinha já surgido associado ao caso Freeport.

Pinto de Sousa está acusado de dois crimes de branqueamento de capitais.


João Pedro Soares Antunes Perna

João Perna é ex-motorista de Sócrates e, segundo a acusação, intermediou entregas de dinheiro vivo entre o empresário Carlos Santos Silva e o antigo primeiro-ministro. Também contas bancárias em seu nome terão sido usadas para fazer chegar dinheiro a Sócrates.

O antigo motorista está acusado de um crime de branqueamento de capitais e de um crime de detenção de arma proibida.


Sofia Mesquita Carvalho Fava

Sofia Fava é engenheira e ex-mulher de Sócrates, sendo mãe dos seus dois filhos. É acusada de ser uma das beneficiárias do dinheiro que estava nas contas de Carlos Santos Silva e de o ter usado, inclusivamente, para comprar e reconstruir uma habitação em Lisboa, onde o ex-marido acabou por estar em prisão domiciliária. Terá ainda comprado um monte no Alentejo por quase 800 mil euros.

Enquanto residiu em Paris, uma empresa de Santos Silva terá também financiado as despesas de Sofia Fava, que está agora acusada de um crime de branqueamento de capitais e de um crime de falsificação de documento.


Inês Pontes do Rosário

É companheira de Carlos Santos Silva e, segundo a acusação, colaborou com este nas entregas de dinheiro vivo a José Sócrates. Está, por isso, acusada de um crime de branqueamento de capitais.


Lena Engenharia e Construções, SA

Uma das três sociedades do grupo Lena, representada por Joaquim Paulo Conceição, que também foi arguido no processo mas cuja acusação acabou por cair. O Grupo Lena terá sido favorecido pelo Governo de Sócrates na atribuição de vários contratos de obras públicas, quer em Portugal quer no estrangeiro.

A entidade está acusada de sete crimes: dois de corrupção ativa, três de branqueamento de capitais e dois de fraude fiscal qualificada.


Lena Engenharia e Construções, SGPS

Uma das três sociedades do grupo Lena, representada por Joaquim Paulo Conceição, que também foi arguido no processo mas cuja acusação acabou por cair. O Grupo Lena terá sido favorecido pelo Governo de Sócrates na atribuição de vários contratos de obras públicas, quer em Portugal quer no estrangeiro.

Esta sociedade está acusada de três crimes: dois de corrupção ativa e um de branqueamento de capitais.


Lena, SGPS

Uma das três sociedades do grupo Lena, representada por Joaquim Paulo Conceição, que também foi arguido no processo mas cuja acusação acabou por cair. O Grupo Lena terá sido favorecido pelo Governo de Sócrates na atribuição de vários contratos de obras públicas, quer em Portugal quer no estrangeiro.

Esta sociedade do grupo Lena está acusada de três crimes: dois de corrupção ativa e um de branqueamento de capitais.


XLM - Sociedade de Estudos e Projetos, Lda

O Ministério Público acredita que esta empresa foi criada pelo empresário Carlos Santos Silva com o único intuito de distribuir verbas a pessoas com ligação a José Sócrates. Essas verbas viriam do grupo Lena e de outras partes envolvidas e as faturas emitidas seriam forjadas.

A XLM está acusada de cinco crimes: três de branqueamento de capitais e dois de fraude fiscal qualificada.


RMF - Consulting, Gestão e Consultoria Estratégica, Lda.

Outra empresa de Carlos Santos Silva que alegadamente emitia faturas para justificar verbas vindas de outras entidades, entre as quais a XLM. De acordo com o Ministério Público, a RMF terá sido utilizada para pagar a Domigos Farinho, professor universitário, e à sua mulher, serviços prestados a José Sócrates para a escrita de um livro de sua autoria.

A empresa enfrenta uma acusação por branqueamento de capitais.


XMI - Management & Investments, SA

Empresa de Joaquim Barroca Rodrigues (ex-administrador do Grupo Lena), pelo seu irmão e por Carlos Santos Silva, o amigo de José Sócrates.

Também esta entidade terá sido criada com a única finalidade de emitir faturas falsas que justificassem o pagamento de prestações de serviços a Carlos Santos Silva. Segundo o MP, esses valores destinavam-se, na verdade, ao antigo primeiro-ministro.

A XMI está acusada de um crime de corrupção ativa e de um crime de branqueamento de capitais.


Oceano Clube - Empreendimentos Turísticos do Algarve, SA

Sociedade detida por Diogo Gaspar Ferreira (ex-diretor executivo do empreendimento Vale de Lobo) que era responsável pelo resort de luxo, está acusada de três crimes de fraude fiscal qualificada.

Segundo o Ministério Público, a Oceano Clube causou um prejuízo fiscal de 550 mil euros, mais 201 mil euros em juros. Agora, o MP exige uma indemnização ao Estado no valor de 860 mil euros.


Vale do Lobo Resort Turístico de Luxo, SA

Empresa também detida por Diogo Gaspar Ferreira, dedicada à venda de frações e de lotes do empreendimento Vale do Lobo. Está acusada de três crimes de fraude fiscal qualificada.

Em conjunto com a Oceano Clube, terá provocado ao Estado um elevado prejuízo, pelo que o MP pede uma indemnização de 860 mil euros.


Pepelan - Consultoria e Gestão, SA

Mais uma sociedade detida por Diogo Gaspar Ferreira que também causou prejuízos ao Estado, neste caso de 106 mil euros mais 35 mil em juros. O Ministério Público pede uma indemnização de quase 141 mil euros.

Está acusada de um crime de fraude fiscal qualificada e de um crime de branqueamento de capitais.
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