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OCDE alerta: Portugal tem doutorados a menos e precários

por RTP
Rafael Marchante - Reuters

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) afirma que Portugal tem doutorados a menos, sobretudo nas empresas, e em situação laboral precária e desperdiça dinheiros públicos associados ao financiar bolsas de doutoramento sem priorizar áreas de investigação onde essa informação faz falta. A OCDE salienta ainda que o país tem falta de uma estratégia concertada para ciência, a inovação e o ensino superior, que se refletem em “medidas inconsistentes”. O ministro da Ciência considera que as empresas “Têm de empregar mais e melhor”.

O diagnóstico é feito num relatório preliminar da OCDE, que avaliou em 2017 o estado do sistema científico, de ensino superior e inovação em Portugal e que será apresentado esta sexta-feira numa sessão pública em Lisboa, com a presença dos ministros da Ciência, Tecnologia e do Ensino Superior, Manuel Heitor, e da Economia, Manuel Caldeira Cabral.

Os peritos avisam que, apesar de o número de doutorados ter aumentado em Portugal, a taxa de pessoas com doutoramento concluído no país continua baixa quando comparada com a da Alemanha, da Suíça ou do Reino Unido.

É nas universidades que os doutorados estão mais concentrados, em atividades de investigação ou docência, e não nas empresas, onde a percentagem se mantém escassa. A avaliação da OCDE voltou a ser feita, a pedido do Governo, após um interregno de dez anos.

Para atenuar este cenário, já identificado em estatísticas nacionais, a OCDE, organização da qual Portugal é um dos Estados-Membros, considera que a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) deve incentivar mais a realização de doutoramentos em empresas e em instituições não-académicas através dos seus programas doutorais e das bolsas de doutoramento.

A OCDE lembra o aumento do número de pós-doutorados em situação laboral precária, sem contratos de trabalho e com "perspetivas limitadas" de ingresso na carreira académica, mas elogia a legislação de estímulo ao emprego científico, que prevê a contratação de doutorados por um prazo máximo de seis anos, findo o qual podem entrar na carreira docente ou de investigador.

Avisa, no entanto, para o risco de se "perpetuarem expectativas irrealistas" sobre oportunidades de integração numa carreira académica, com as pessoas a não procurarem outras opções de emprego em outros setores.Criada em 1961, a OCDE integra 35 países, incluindo Portugal, membro cofundador.

Os avaliadores alertam para o "uso ineficaz de recursos escassos", sustentando que o financiamento da FCT - principal entidade na dependência do Governo que subsidia a ciência em Portugal - para bolsas de doutoramento não é direcionado para áreas de investigação identificadas como prioritárias ou onde há necessidade de ter pessoal qualificado.

Para a OCDE, "à luz de um mercado de trabalho competitivo", o financiamento de "doutoramentos em áreas onde existe pouca procura de graduados" traduz-se num "mau uso de dinheiros públicos" e "encoraja as pessoas a prosseguirem um modelo de formação e carreira que as desvia de opções mais produtivas".
A OCDE recomenda que seja dada mais autonomia às unidades de investigação para que possam "selecionar e financiar" os candidatos a bolsas de doutoramento de acordo com as suas necessidades.
Os autores do relatório alertam ainda para a "imprevisibilidade e instabilidade" dos apoios financeiros à investigação, concentrados maioritariamente na FCT através de concursos, que prejudica o planeamento da atividade de investigadores e instituições científicas.

Na sua análise, a organização internacional considera "particularmente problemática" a falta de informação sobre os doutorados portugueses que trabalham no estrangeiro, propondo o seu registo numa base de dados.

O relatório preliminar adverte também que "os riscos associados à 'fuga de cérebros' não devem ser ignorados no planeamento de políticas de investigação e inovação".
Falta de estratégia concertada
O relatório preliminar da OCDE aponta ainda que Portugal tem falta de uma estratégia concertada para a ciência, a inovação e o ensino superior, que se reflete em "medidas inconsistentes".

Segundo a OCDE, da qual Portugal faz parte, o país tem "uma longa tradição" em separar e diferenciar as políticas para a ciência e o ensino superior e o apoio à transferência do conhecimento para as empresas.

"A situação conduz a uma duplicação de esforços, a medidas inconsistentes e a distintas fontes de financiamento, sobretudo na ciência e no ensino superior", refere o sumário da versão preliminar do relatório com o diagnóstico e as principais recomendações. O relatório final da OCDE será publicado na primavera.

Na falta de uma estratégia concertada, os peritos da OCDE defendem uma Estratégia Nacional para o Conhecimento e a Inovação, com orientações claras, de longo prazo, para o ensino superior, a ciência e a inovação.

Segundo a OCDE, o financiamento deve ser previsível e definido para um horizonte de curto a médio prazo, em termos de quadros plurianuais revistos de quatro a cinco anos.

Para a OCDE, a Estratégia Nacional para o Conhecimento e a Inovação deverá servir de base para uma "nova geração" de programas operacionais de apoio à competitividade e ao "capital humano", suportados por fundos europeus para o períodoA OCDE tem como missão "promover políticas que permitam alcançar o crescimento económico sustentado e o emprego e melhorar a qualidade de vida nos Estados-Membros". 2021-2028, e envolver no seu 'desenho' os ministros da Ciência, Tecnologia e do Ensino Superior, da Educação, da Economia e das Finanças.

Apesar do aumento da participação das empresas portuguesas em programas de apoio à inovação, o registo de patentes nacionais continua abaixo da média da OCDE.

A organização advoga que o apoio direto do Estado a projetos inovadores deve ser mais sistematizado, embora enaltecendo os incentivos fiscais concedidos às empresas que investem em atividades de investigação e desenvolvimento."Empregar mais e melhor"
O ministro da Ciência considera "particularmente importante" o ensino superior politécnico para "a qualificação de Portugal", assinalando que as empresas "têm de empregar mais e melhor" para entrarem em "mercados mais sofisticados".

Para o ministro da Ciência, Tecnologia e do Ensino Superior, "a relevância do ensino politécnico para a qualificação de Portugal, e para a convergência europeia (do país), é particularmente importante".

"O que tenho discutido com os politécnicos é que temos de estimular o desenvolvimento da sua capacidade científica e inovação", afirmou, acrescentando que, depois de assegurada essa capacidade, está reunida "a condição para oferta de um doutoramento"."É nesse sentido que estamos a trabalhar, e é essa a orientação que deve ser seguida", frisou.

Sobre a falta de doutorados nas empresas, considera que "é uma chamada de atenção" às próprias empresas, "que têm de empregar mais e melhor" se querem evoluir.

"As empresas, para evoluírem e penetrarem em mercados mais sofisticados, têm que ter pessoas mais qualificadas e, para as atrair, têm que pagar", vincou, lembrando que há "muitas pessoas que saem de Portugal para encontrar empregos mais bem pagos".

Para Manuel Heitor, a fixação de pessoal qualificado nas empresas "é um esforço coletivo", que "não depende só do Estado".

Ainda assim, apontou como exemplo de uma política de estímulo às empresas a iniciativa governamental dos laboratórios colaborativos, "formas de partilhar o risco na criação de emprego qualificado" através da cooperação entre universidades ou institutos politécnicos, unidades de investigação e indústria.
O ministro reconhece que "há muitos obstáculos, de natureza socioeconómica", no acesso ao ensino superior que "requerem um aumento do esforço da ação social escolar".
"É um esforço que temos de continuar a fazer para facilitar um maior acesso ao ensino superior e, com isso, aumentar a qualificação da população", referiu.

No relatório preliminar, a OCDE, adverte ainda para as desigualdades de acesso ao ensino superior, em particular para os alunos que seguem a via profissional no ensino secundário, que, nas provas de ingresso, são avaliados sobre assuntos que não constam nos seus currículos.

Para Manuel Heitor, "a atração" destes alunos para o ensino superior terá de passar pelos cursos técnicos superiores profissionais dos institutos politécnicos.

O titular das pastas da Ciência, Tecnologia e do Ensino Superior manifestou reservas quanto a uma Estratégia Nacional para o Conhecimento e a Inovação, defendida pela OCDE para dar orientações claras e concertadas a longo prazo para os setores.

"Fomentar a coordenação sempre, mas não exagerar em esforços de centralização no contexto de desenvolvimento das regiões, de ligar a ciência ao território", sustentou, alegando que a previsibilidade do financiamento, reclamada no relatório, é "um esforço" que "nem sempre é possível" garantir.

Em resposta à avaliação da OCDE, o ministro promete "para breve" medidas, sem as mencionar, depois de o Governo se reunir e analisar o relatório.

c/ Lusa
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