O território português, com mar a oeste e a sul, tem uma geografia costeira de aproximadamente 2150 quilómetros. E são 611 as praias identificadas em 2017, em Diário da República.
Mas será que tratamos bem destes locais e sabemos as regras de bom uso dos espaços balneares? A resposta é claramente negativa.
Todos os anos as praias portuguesas são utilizadas por milhões de pessoas de diferentes nacionalidades e a relação ambiental com estes espaços não é a mais correta.
A RTP esteve em algumas praias - concessionadas e não concessionadas - e acompanhou um conjunto de investigadores nacionais que lidam diretamente com o problema ambiental na orla costeira. Foi possível verificar que as praias estão contaminadas com muito lixo.
A Praia do Amanhã existe
Estávamos a meio de outubro e o dia amanhecia cinzento. Do topo da arriba, era possível ver o vasto oceano que chegava à costa e morria suavemente nas areias douradas de uma das praias de Torres Vedras.
Curiosamente, o local apresentava-se como Praia do Amanhã. Um presságio pouco positivo, visto ser precisamente esta a praia alvo de intervenção de uma campanha de análise e recolha de lixo, por parte de uma equipa da investigadores da MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT-UNL).
Pouco depois das 10h00 a equipa de cinco elementos chegou ao local combinado com a equipa de reportagem da RTP, munida de muitos sacos de lixo de 50 litros. Quem observava a partir da arriba via um cenário paradisíaco, dominado por uma praia limpa.
O Sol começava a rasgar a neblina que se fazia sentir na região oeste, razão pela qual o areal se encontrava ainda vazio. A Câmara de Torres Vedras mandou construir um acesso pedonal que facilita a chegada até ao areal.
A comandar o grupo estava Flávia Silva, investigadora da FCT, que nos explicaria os detalhes da recolha.
“Nós neste momento estamos a fazer uma recolha de lixo. É uma monitorização. Não fazemos propriamente uma limpeza, fazemos monitorizações para ter alguns resultados e uma base, com alguns dados”, pois a limpeza propriamente dita está a cargo do município local”, começou por fazer notar.
Naquele dia a monitorização seria mais curta, dado o pequeno número de elementos que conseguiram angariar.
“Neste momento limitamos aqui esta zona a 50 metros. Por norma a metodologia são os 100 metros, mas teríamos de ter mais tempo e mais pessoas para ajudar. E essa é a metodologia da OSPAR, a metodologia seguida aqui na Europa, porque existem outras metodologias. Nós seguimos os 100 metros paralelos à linha do mar e faremos sempre desde a linha do mar até à linha da costa”, continuou a investigadora.
“Fazemos a varredura de toda esta área de areia, monitorizamos, contamos tudo o que apanhamos, desde do lixo mais pequenino, alguns com menos de dois centímetros, como temos estado a encontrar hoje, muitos micro-plásticos, até aos itens maiores”.
“Depois calculamos a área que temos nestes 100 metros, porque nem todos os 100 metros são iguais, porque a distância ao mar é variável, e faremos a contabilização, item por item, todos os itens são contabilizados, os que apanhamos, e no fim ainda fazemos a pesagem do lixo”, concluiu.
Plásticos, inimigos públicos
Já no areal, o cenário de limpeza que se via lá de cima começaria a mudar um pouco, ainda assim os olhos do repórter, não treinados, eram ainda enganados pela beleza natural.
Flávia Silva contou como começou toda esta aventura do lixo das praias e do mar: "Quando nós começamos, aqui há cinco ou seis anos, a trabalhar o tema do lixo marinho mais a sério em Portugal, era muito mais preocupante. Agora o cenário, felizmente, está a mudar, mas ainda assim não deixa de ser grave".
"A partir do momento em que a simples lei foi aplicada, do custo do saco de plástico, porque as pessoas utilizavam sacos de plástico para tudo e agora utilizam mais sacos reutilizáveis, uma das coisas que apanhávamos mais eram sacos. Neste momento, hoje não apanhamos nenhum saco. Apanhamos talvez um pedaço ou dois de algum saco", apontou. As pessoas pensam que o lixo é só pauzinhos de gelado. Mas mas se calhar os pauzinhos dos gelados ou as embalagens de comida acabam por cair, em número, abaixo de cotonetes, embalagens de tampões, aplicadores de tampões, toalhitas, fraldas, quer dizer outros itens de higiene, que contaminam para alem disso mais do que aqueles que as pessoas estão à espera", diz Flávia Silva investigadora da FCT.
Foi a partir de fevereiro de 2015 que a Lei n.º 82-D/2014 obrigou à aplicação de uma taxa sobre os sacos de plásticos que a maioria das grandes superfície comerciais fornecia gratuitamente. Uma taxa de dez cêntimos que muitos criticaram por ser mais um imposto, mas que naturalmente se enraizou nos hábitos dos portugueses. O consumo destes produtos diminuiu consideravelmente.
"Por isso aí houve uma grande diferença", disse a investigadora do MARE. "Provavelmente, com a implementação de alterações de tipos de materiais, novas regras, conseguimos reduzir bastante o que estamos a encontrar hoje".
Daí a importância das monitorizações: "Sabemos aquilo que apanhamos, sabemos onde atuar, com quem falar e o que mudar. E não só uma simples limpeza".
Depois de criarem a baliza de limpeza, Flávia Silva e os outros quatros elementos, também pertencentes ao projeto "Embaixadores pela biodiversidade", munidos de enormes sacos verdes e luvas, começaram a vasculhar as areias da "Praia do Amanhã", que já hoje evidencia o rasto das atividades humanas.
A investigadora não precisou de muito tempo para mostrar alguns dos pontos da praia onde estava o lixo. Pedaços de plástico, garrafas de água, restos de redes de pesca, um ou outro saco de batatas fritas eram os mais visíveis. Todavia, a areia revela outros lixos mais pequenos e igualmente preocupantes, como é o caso das beatas dos cigarros, consideradas o inimigo poluidor número um.
A inconsciência de deixar lixo nas praias
Muitas vezes os utentes das praias sentem que não faz mal deixar lixo para trás. Como as beatas cigarros. “Uma coizinha deste tamanho, não faz mal”, explicou Flávia Silva com alguma ironia.
A investigadora fez questão de lembrar que uma beata de cigarro pode contaminar mais de um ou dois litros de água.
O resto do cigarro deixado por um fumador - basicamente o filtro - é composto por uma combinação de acetato de celulose (um tipo de plástico), fibras de papel, e raiom ou rayon , uma substância utilizada especificamente para ligar fibras de plástico."Muitas vezes as pessoas acham que não faz mal. Uma beata de cigarro é uma 'coizinha deste tamanho', não faz mal. Uma beata de cigarro pode contaminar muito mais de um litro ou dois litros de água, e se pensarmos em termos de contaminação e em termos de lixo é perigoso. (Flávia Silva - FCT/UNL)
Além disso o filtro, após consumo do tabaco, incorpora outros contaminantes como restos de carvão, alcatrão e compostos químicos que advêm da queima.
“Nós temos várias aves marinhas, gaivotas e outras que morrem todos os anos por ficarem com o sistema bloqueado por causa de uma beata. Temos crianças todos os anos, bebés, que vão parar ao hospital também por causa de beatas de cigarros, porque são curiosos, não sabem o que é, põem na boca", sublinhou Flávia.
"Temos problemas a nível de contaminação, perigo para os animais, perigo para as crianças, além de ser lixo”, acentuou.
Por outro lado, nem todos os contaminantes são visíveis. Nas areias, no mar e no próprio ar, milhares de micropartículas de plástico são aspiradas e ingeridas pelo ser humano, direta ou indiretamente, via cadeia alimentar.
Em jeito de desabafo, Flávia Silva afirmou que ainda há muitas pessoas que acham que alguém virá limpar o lixo. Esquecem-se de que esse "trabalho" pode caber ao mar, com a maré-cheia que pode levar o lixo para longe, ou para a praia ao lado, ou até mesmo devolver no dia seguinte ao local onde “eles, os próprios contaminantes” estão deitados sobre toalhas.
Cinco quilos de lixo numa área de 50 metros
Durou apenas duas horas a monitorização de 50 metros da “Praia do Amanhã”, junto a Santa Cruz. Um curto período de tempo em que os cinco elementos da MARE não fizeram propriamente uma limpeza da praia.
Findo o trabalho na área delimitada, a coordenadora da monitorização, Flávia Silva, dava ordem de reunião. Cada um dos elementos da MARE trazia um saco e a folha que contabilizava os itens recolhidos.
Após a concentração dos vários lixos, o item mais comum, as pontas de cigarros, voltaria a comprovar as estatísticas. No total, houve registo de quase cinco quilos de lixo diferenciado.
A equipa de investigadores da MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente enviou à RTP o relatório com os objetos encontrados. O resultado é surpreendente.
Lixo que fica de um ano para o outro
É legalmente obrigatório que concessionários e as próprias autarquias façam uma limpeza periódica das praias. Mas nem sempre a regularidade é a desejável. Motivo pelo qual muito do lixo deixado nos areais é depois levado pelo mar, pelo vento e pela chuva para os oceanos.
Lixo esse que vai andar a circular com as correntes, tanto as costeiras como as outras correntes oceânicas, e que pode ir parar a outra ponta do planeta.
Trata-se de detritos que não são biodegradáveis, perdurando por largos anos com claro prejuízo para o meio ambiente, a fauna e, evidentemente, para o próprio poluidor, o Homem.