Num cenário de pandemia e de estado de emergência, os 46 anos da Revolução de 25 de Abril foram celebrados na Assembleia da República, numa sessão solene adaptada às restrições exigidas. Com um total de 88 pessoas, foram ouvidos 11 discursos. Marcelo Rebelo de Sousa defendeu que "o 25 de Abril é essencial e tinha de ser evocado". Não o invocar seria "um absurdo cívico" e um "péssimo sinal".
A importância do 25 de Abril e a celebração da liberdade foram os pontos fulcrais do discurso de Marcelo Rebelo de Sousa. O Presidente da República sublinhou que este dia não podia deixar de ser celebrado, apesar do estado de emergência que todo o país atravessa.
“É precisamente em tempos excecionais que se impõe evocar o que constitui mais do que um costume ou um ritual, o que é manifestamente essencial”, defendeu Marcelo.
“O 25 de Abril é essencial e tinha de ser evocado”, disse o Presidente da República. “Em tempos excecionais de dor, de sofrimento, de luto, separação, de confinamento, a que mais importa evocar: a pátria, a independência, a república, a liberdade e a democracia”.
Respondendo às discussões geradas pela celebração deste dia tendo em conta o cenário atual, Marcelo argumentou que “a presente evocação não é uma festa de políticos alheia ao clima de privação vivido na sociedade portuguesa. Evocar o 25 de Abril é falar deste tempo, não é ignora-lo. Invocar o 25 de Abril é combater a crise na saúde e a crise social. Invocar o 25 de Abril é chorar os mortos”. O chefe de Estado assegurou que outras datas marcantes para Portugal, como o 10 de Junho, 5 de Outubro e 1 de Dezembro, também serão assinaladas.
“Esta sessão é um bom e não um mau exemplo. O que seria verdadeiramente incompreensível e civicamente vergonhoso era haver todo um país a viver este tempo de sacrifício e de entrega e a Assembleia da República demitir-se de exercer todos os seus poderes numa situação em que eles eram e são, mais do que nunca, imprescindíveis”, defendeu Marcelo, aplaudido por todo o Parlamento.
“Deixar de evocar o 25 de Abril no tempo em que ele porventura mais está a ser posto à prova nos últimos 46 anos, seria um absurdo cívico”, salientou ainda Marcelo, acrescentado que seria também “um péssimo sinal de falta de unidade no essencial e de compromisso de juntos, na nossa diferença, continuarmos uma missão que não está acabada”.
Minuto de silêncio
A cerimónia na Assembleia da República iniciou-se com um minuto de silêncio, a pedido do presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, em memória dos portugueses que morreram devido à Covid-19.
"Portugal e os portugueses têm sido confrontados, nas últimas semanas, com as consequências de uma grave pandemia internacional, cuja evolução tem acarretado sérias implicações ao nível social, económico e financeiro. A perda de centenas de vidas humanas é, sem dúvida, a expressão mais violenta da pandemia, porque irreversível", começou por declarar Ferro Rodrigues, acrescentando que "bastaria que se perdesse apenas uma [vida], para que o lamento se fizesse ouvir e a solidariedade chegasse a quem vê desaparecer um seu ente querido".
"Nesta hora difícil que vivemos, os nossos pensamentos estão com todos quantos perderam familiares e amigos. Com todos quantos se encontram hospitalizados, lutando, pela sua sobrevivência, contra este vírus terrível. Com todos quantos estão impossibilitados de contactar os seus mais próximos, confinados nas suas residências ou em instituições um pouco por todo o País, tentamos atenuar o vazio da privação dos afetos de proximidade, apontou.
Ferro Rodrigues iniciou o seu discurso fazendo alusão à atual situação de emergência que impediu que o dia da liberdade fosse comemorado nas ruas. “Estado de emergência que é o primeiro das nossas vidas e esperamos, o último”, afirmou Ferro Rodrigues.
Apesar do estado de emergência, o presidente da Assembleia da República sublinhou de seguida que a democracia não ficou suspensa:
“Mas mesmo em estado de emergência, em liberdade. Mesmo em estado de emergência, não vimos ser suspensa a democracia que somos, a democracia que Abril nos trouxe nessa manhã inesquecível, que com sentido de dever e responsabilidade evocamos e celebramos volvidos 46 anos.”
Ferro Rodrigues, indo ao encontro do discurso de Marcelo, insistiu que o Parlamento não poderia deixar de festejar esta data. “Mesmo em estado de emergência, a Assembleia da República não deixou de funcionar, não fechou as suas portas”, disse o presidente da Assembleia.
“A Assembleia da República, com os seus deputados, não saiu do palco democrático tal como o fez nas últimas semanas respeitando todas as recomendações ao nível da saúde e da segurança, dando o exemplo pela prevenção e pelo trabalho, abriu hoje mais uma vez as suas portas ao país. E se não fechou as portas no passado, não faria sentido que não as abrisse hoje, 25 de Abril de 2020, 46 anos depois de Abril que nos deu a liberdade”, disse Ferro Rodrigues.
“Desde 3 de junho de 1976, a Assembleia da República está em pleno funcionamento. Hoje não foi exceção, hoje não é exceção. A liberdade não está só a passar por aqui, a liberdade é aqui e agora”, sublinhou o presidente da Assembleia.Parlamento "manteve intactos os seus poderes"
Ferro Rodrigues elogiou o trabalho do Parlamento durante este período de estado de emergência, ao afirmar que “a Assembleia da República manteve intactos os seus poderes, determinantes para a resposta a esta crise".
O presidente recordou que foi a Assembleia da República que "autorizou que o Presidente da República decretasse o estado de emergência e que o pudesse renovar por duas vezes", assim como foi o Parlamento que aprovou medidas para que as famílias e empresas portuguesas pudessem enfrentar as dificuldades criadas pela pandemia da Covid-19.
"Ontem como hoje, honrando o papel fundamental do Parlamento, honrando quem representamos, honrando este chão comum que é a Constituição da República Portuguesa saída de 1976, honrando a Democracia que somos e todos quantos a tornaram possível", declarou Ferro Rodrigues.
“Portugueses estão vacinados contra a austeridade”
O presidente da AR deixou ainda um elogio a todos os portugueses que "contra todas as expectativas, contra muitos que pensavam nunca tal poder acontecer, os portugueses foram capazes de ultrapassar bloqueios e encontrar soluções capazes de recuperar o país da profunda crise - até mesmo de identidade e de valores - em que se encontrava, depois de um período tão difícil e complexo como foi o período de assistência financeira, com profundos impactos na pobreza e na exclusão social".
"De uma coisa estou certo: Portugal e os portugueses estão vacinados contra a austeridade. Resta saber se a vacina tem 100 por cento de eficácia", apontou.
Segundo o presidente da Assembleia da República, embora a pandemia que Portugal enfrenta "tenha deitado a perder parte daquilo que foi conquistado com tanto esforço e sacrifício, foi no parlamento - que assumiu, também por isso, uma centralidade crescente no funcionamento do sistema político - e em concertação permanente, que foi possível concretizar um programa de recuperação de rendimentos e de alteração de política económica, sem pôr em causa os compromissos internacionais de Portugal".
"Num momento em que os portugueses esperam dos seus representantes sentido de responsabilidade, estou certo de que todos os representantes políticos - porque todos contam, porque todos são importantes - darão o seu contributo para um novo presente, para um futuro melhor", acrescentou.
"Nasceste num país livre, mas não próspero"
Foi com uma carta ao filho mais novo, que hoje completa 18 anos, que o deputado único da Iniciativa Liberal discursou pela primeira vez no 25 de Abril. Uma carta de esperança e de lamento, ao mesmo tempo.
"Graças ao 25 de Abril, nasceste num país verdadeiramente livre, mas não nasceste num país próspero”, disse Cotrim Figueiredo. “Nunca deves tomar a liberdade como garantida. Muitos tiveram de lutar para que o possas desfrutar hoje e tu deves estar preparado para fazer o mesmo”, acrescentou.
“O país que vos deixamos quase não cresce desde que nasceste há 18 anos. o país que vos deixamos foi ultrapassado por países que eram mais pobres do que nós há 18 anos. O Portugal que vos deixamos é menos produtivo em termos relativos hoje do que era quando nasceste. Por isso, tu e a tua geração terão menos oportunidades do que eu tive, menos escolhas do que eu tive, menos liberdades do que eu tive”, continuou a ler o deputado, na carta que dirigiu ao seu filho.
“Mas não desesperes. É possível mudar lutando, trabalhando, criando. (…) Se mudarmos isto, os portugueses serão tão bons como os melhores e mais livres do que nunca”.
PEV quer "achatar a curva" das desigualdades
Os Verdes defenderam que "o 25 de Abril não está de quarentena", em tempo de pandemia de Covid-19, e que é preciso "achatar a curva" das desigualdades, 46 anos depois da "Revolução dos Cravos".
"O que esperamos é que `Depois do Adeus`, isto é, depois de se achatar a curva desta pandemia, que nos viremos para outros achatamentos e para outras curvas", disse, como como a "curva das desigualdades, sobretudo a pensar nos milhares de trabalhadores que ficaram sem trabalho e os que viram os seus rendimentos reduzidos com esta crise" ou ainda "a curva do tratamento entre os bancos e os contribuintes".
"É necessário achatar a curva dos desequilíbrios ambientais. É imperioso achatar a curva da crise climática e da perda de biodiversidade ou do uso insustentável dos recursos naturais", acrescentou.
Ventura diz que é preciso “um novo regime”
O deputado único do Chega, André Ventura, defendeu uma nova revolução, argumentando que Portugal precisa de "uma nova madrugada" que traga um "novo regime" porque "este já não serve".
Falando no parlamento, o deputado considerou que o atual regime "já não serve", apontando várias críticas à corrupção, aos impostos, e à forma como são tratados os "profissionais na linha da frente" do combate à pandemia de covid-19.
"E pelo respeito enorme que temos àqueles que lutaram naquela manhã para fazer um regime diferente, também hoje precisamos que uma nova madrugada venha para nos trazer um novo regime", apontou.
Assinalando que o fundador do PSD "Francisco Sá Carneiro dizia que naquele dia os militares realizaram um ato heroico de libertação de si mesmos, mas consigo quiseram libertar Portugal inteiro", André Ventura assinalou que "talvez os militares daquela manhã tenham conseguido libertar-se a si próprios, mas não conseguiram libertar Portugal inteiro".
"Essa ainda vai ser a nossa missão de o concretizar”, concluiu Ventura.
PAN diz que "Abril está por cumprir" no funcionamento da democraciaA líder parlamentar do PAN, Inês Sousa Real, considerou que "Abril está por cumprir" na saúde, no ambiente e no funcionamento das instituições democráticas e defendeu "uma nova alvorada" com "novas políticas e um novo paradigma".
"À democracia, de pouco ou nada servirão cerimónias e demais simbologias, que se mostrem alheadas das aspirações e preocupações das pessoas e muito menos das consequências da atual crise sanitária, económica, social e ambiental, ditada por uma doença silenciosa e desconhecida", declarou a deputada do PAN.
Inês Sousa Real advertiu que "não há donos da democracia" e que "só respeitando a pluralidade democrática e as vozes discordantes" é que se trava o "caminho dos populismos e a demagogia crescentes".
"Abril está por cumprir no respeito que devemos também para com os animais. No nosso país, os animais continuam a ser votados ao abandono, aos maus tratos, à privação da sua liberdade ou à sujeição a atividades cruéis, que ferem os valores humanitários que nos devem nortear", lamentou.
"Precisamos de uma nova alvorada. De um despertar para um novo paradigma", defendeu, propondo "novas políticas" de conciliação do trabalho, família e lazer, de novas "políticas ambientais e de mais empatia e sensibilidade para com os animais".
"Não aceitamos lições de democracia de ninguém"
O líder parlamentar do CDS-PP salientou que o partido não aceita "lições de democracia de ninguém", respondendo assim aqueles que criticaram os democratas-cristãos por se terem manifestado contra o modelo de celebração do 25 de Abril.
"O CDS é um dos quatro partidos históricos da nossa democracia e a voz representativa da democracia cristã, neste hemiciclo, desde as primeiras eleições livres. Não aceitamos lições de democracia de ninguém", afirmou Telmo Correia na sua intervenção.
Para o democrata-cristão, "com esta cerimónia, em estado de emergência, o que o poder político está a dizer é que permite para si mesmo aquilo que proibiu aos portugueses e que não respeita para si próprio o que exigiu ao povo, isolamento e confinamento".
"Muitos não vão poder estar com as suas mães no próximo dia 03 de maio ou celebrar a sua fé no próximo dia 13 de maio", acrescentou, advogando que "todo o país deve respeito a este parlamento, mas o parlamento também deve respeitar os portugueses". Telmo Correia considerou, por isso, que "este é um mau exemplo".
PCP por Abril, contra a austeridade e a exploração
O secretário-geral do PCP defendeu as comemorações do 25 de Abril no parlamento, em tempos de pandemia de Covid-19, e alertou contra os discursos dos "cortes", da austeridade e de quem empola "dificuldades reais".
O deputado comunista Jerónimo de Sousa, de cravo vermelho na lapela, aproveitou o discurso na sessão solene na Assembleia da República para evocar os "valores de Abril", mas fez igualmente uma série de avisos sobre os "tempos difíceis" que se vivem, rejeitando "receitas" como cortes de salários ou pensões no período pós-pandemia.
"Não o podemos aceitar", afirmou, depois de dizer que se vivem "tempos difíceis".
Para o líder dos comunistas, "não é inevitável que o surto epidémico se traduza em regressão na vida dos trabalhadores e povo", dado que a "resposta às dificuldades passa por valorizar salários e por políticas dirigidas à defesa e criação do emprego".
Jerónimo de Sousa afirmou que celebrar a data da queda da ditadura é também confiar que "o melhor do seu caminho histórico ainda está para vir e que, mais tarde ou mais cedo, a luta dos trabalhadores e do povo, a luta dos democratas, o concretizará na sua plenitude".
BE diz que pandemia mostrou que SNS é que "salva e protege"
O Bloco de Esquerda considerou que Portugal aprendeu com a pandemia que é o Serviço Nacional de Saúde que "salva e protege" as pessoas e que os profissionais de saúde são imprescindíveis, rejeitando o desenterrar da "velha cartilha" da austeridade.
Foi precisamente o deputado responsável pela área da saúde, Moisés Ferreira, que fez a intervenção pelos bloquistas - começando por "lembrar todas as pessoas que sucumbiram ao novo coronavírus" - num 25 de Abril que considerou ser "diferente no modo, mas ainda mais importante no significado".
"Hoje podemos confirmar que Abril é que combate a epidemia, não é a epidemia que combate Abril", enfatizou.
Rio alerta para perigos de nova vaga
Na sua intervenção na sessão solene do 25 de Abril, Rui Rio apontou que, pela primeira vez, esta data é comemorada em Portugal "com a liberdade condicionada", com reflexos na cerimónia na Assembleia da República, com muito menos pessoas do que o habitual, quer de deputados, quer de convidados.
"Mas aquilo que, à primeira vista, pode parecer negativo, é no fundo um exemplo positivo do próprio regime democrático; que, sem complexos, mostrou ser capaz de responder com a legalidade constitucional, perante uma ameaça séria à nossa saúde coletiva", afirmou.
O líder do PSD sublinhou que "Portugal não tem a democracia suspensa", pelo contrário. "Tem a democracia bem presente, ao demonstrar que ela encerra, em si mesma, mecanismos de funcionamento capazes de responder com eficácia a uma circunstância única e absolutamente excecional", disse Rio, considerando que "teria sido dramático se, por cobardia ou complexos de ordem ideológica", o estado de emergência não tivesse sido aprovado.
Rui Rio alertou que, se o país vive atualmente um período "muito difícil" do ponto de vista sanitário, Portugal não está livre de uma segunda onda da pandemia "daqui por poucos meses".
"Impõe-se, por isso, que o país se prepare para esta eventualidade, porque a economia portuguesa não resistirá a uma nova paragem idêntica àquela que estamos a viver", defendeu.
Rui Rio deixou, por isso, um aviso: "As falhas que da primeira vez existiram não poderão ser repetidas".
c/Lusa