Um dos maiores incêndios do ano 2017, o fogo da Lousã, teve causa negligente e a origem pode estar no não cumprimento pela EDP do regulamento de segurança das linhas elétricas, refere o relatório da Comissão Técnica Independente, que ontem chegou ao Parlamento.
"A ignição com origem nas linhas elétricas, neste caso particular em que terá sido provocada por queda de árvore sobre uma linha de média tensão, pode resultar do não cumprimento do regulamento de segurança das linhas elétricas pela entidade gestora, a EDP", refere o documento.Os incêndios do ano passado provocaram mais de 100 mortos e mais de 250 feridos.
Os técnicos da comissão referem que em causa está "a distância mínima de segurança dos condutores [linhas elétricas] às árvores", que não terá sido cumprida.
"Trata-se, neste caso, de situações devidamente regulamentadas e cujo cumprimento pode só por si evitar situações deste tipo e todas as suas consequências", explicam ainda os técnicos.
Esta é a segunda vez que a EDP é apontada nos relatórios de análise dos incêndios, sendo que no primeiro caso foi no documento elaborado pelo especialista Xavier Viegas para analisar os incêndios de junho, nomeadamente o fogo de Pedrógão Grande.
Na altura o relatório do Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais concluiu que o fogo de Pedrógão Grande foi causado por "contactos entre a vegetação e uma linha elétrica de média tensão" da EDP, que "não se encontrava devidamente cuidada".
"O incêndio mais grave resultou das ignições de Escalos Fundeiros e de Regadas, que, em nosso parecer, terão sido causados por contactos entre a vegetação e uma linha elétrica de média tensão. Esta situação configura, em nossa opinião, uma deficiente gestão de combustíveis na faixa de proteção da linha, por parte da entidade gestora".
O documento sustenta que, "com a diferença de cerca de uma hora e meia, esta linha terá produzido descargas e causado as ignições que deram origem aos dois incêndios". E acrescenta: "As faixas de proteção da rede elétrica de média tensão gerida pela EDP não se encontram devidamente cuidadas".
Na altura a EDP refutou as acusações, dizendo que a linha elétrica estava com a proteção "bem constituída" e o presidente do concelho de administração da empresa mostrou-se surpreendido com os resultados do relatório da equipa de Xavier Viegas.
"Capacidade para minimizar a extensão"
O presidente da Comissão Técnica Independente que analisou os incêndios de outubro reitera que é preciso profissionalizar toda a estrutura de combate aos incêndios. Em entrevista no programa 360, da RTP3, João Guerreiro diz que "o fogo gera uma guerra" e que só com instrumentos de qualificação e conhecimento será possível ganhar essa guerra.
O responsável pelo relatório considera que o "incendiarismo" é um dos principais problemas que a floresta enfrenta, incluindo nessa categoria não só os fogos postos mas também atos de negligência.
João Guerreiro diz que os portugueses têm uma relação distante com a floresta, sobretudo por se tratar de um bem privado (há apenas 5 por cento da área florestal que pertence ao Estado, ao contrário do que se passa na Europa). Algo que contribui para o que João Guerreiro chama de uso descuidado do fogo que propicia situações de risco, como queimadas ou churrascos mal apagados."Era muito complicado enfrentar os incêndios de outubro", admite João Guerreiro. No entanto, o presidente da Comissão Técnica colocou a tónica na necessidade de uma intervenção inicial no combate ao fogo que seja profissional.
O presidente da Comissão Técnica considera que se deve investir na vigilância, apesar de se tratar sobretudo de terrenos privados, até porque a floresta gera benefícios para a sociedade no seu conjunto.
João Guerreiro considera que as autarquias têm um papel determinante a desempenhar, a par com a profissionalização da estrutura de decisão sobre questões ligadas à floresta, nomeadamente na implementação dos planos de contingência, mas também no essencial aviso e informação incisiva que tem de ser passada atempadamente à população, para saberem como reagir em caso de incêndios.
"Não sei se se poderia ter evitado" o incêndio de outubro, diz Guerreiro. Reiterou que o uso de instrumentos de previsão poderia ter minimizado as consequências e elencou um conjunto de fatores que contribuíram para que o fogo acabasse por ser o maior incêndio na Europa.
Lembrando o contexto de alterações climáticas que se verifica, João Guerreiro lembra que o combate aos incêndios não pode continuar "compartimentado em fases" burocráticas de mobilização de meios. "Temos cada vez mais prontos para eventos ao longo do ano", reforçou.
Maiores fogos da Europa no outono
A comissão destaca neste relatório que os fogos em análise foram os primeiros com esta grandeza durante o outono, tendo provocado sete manchas ardidas na região Centro, cada uma com mais de dez mil hectares.
"Além da extraordinária dimensão, os mega-incêndios de 15 de outubro individualizam-se à escala europeia por serem os primeiros desta ordem de grandeza a ocorrer no outono", refere-se no relatório.
Inclui-se também entre eles "o maior incêndio de que há memória, com início em Vilarinho, Lousã, e área de 45.505 hectares".
Os incêndios ocorridos em outubro de 2017 atingiram 27 concelhos da região Centro, provocaram 46 mortos e cerca de 70 feridos.
Os fogos em causa destruiram total ou parcialmente cerca de 800 habitações permanentes, quase 500 empresas e várias áreas de floresta nos distritos de Aveiro, Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Leiria e Viseu.
Estes incêndios aconteceram quatro meses depois de Pedrógão Grande, no distrito de Leiria, onde morreram 64 pessoas. A Comissão Técnica Independente já tinha apresentado o relatório relativo a este incêndio que decorreu em junho do ano passado.
O documento em causa analisava os incêndios ocorridos em 11 concelhos dos distritos de Leiria, Coimbra e Castelo Branco, ocorridos entre 17 e 24 de junho, com especial ênfase com o que sucedeu em Pedrógão Grande.
Concluiu-se, na altura, que o fogo ocorrido a 17 de junho em Pedrógão teve origem em descargas elétricas na rede de distribuição, mas que um alerta precoce poderia ter evitado a maioria das vítimas mortais registadas.
c/ Lusa