Januário Torgal Ferreira, bispo das Forças Armadas, leu nas palavras de Bento XVI aos jornalistas durante a viagem de avião desde Roma determinação em atacar o problema da pedofilia praticada por padres católicos por todo o Mundo. O Papa apontou a necessidade da Igreja de "reaprender a penitência e implorar o perdão". Já o sociólogo Boaventura Sousa Santos fala em reacção tardia e aponta o dedo a Ratzinger.
"Os ataques ao Papa e à Igreja não vêm só de fora, os sofrimentos da Igreja vêm do seu próprio interior, do pecado que existe na Igreja", apontou Bento XVI, defendendo que "a Igreja tem uma profunda necessidade de reaprender a penitência, de aceitar a purificação, implorar perdão".
Nestas palavras, Januário Torgal Ferreira vê um líder de uma hierarquia a braços com um grave problema - que surge de uma forma "verdadeiramente aterradora", nas palavras do Papa -, mas do qual não foge e pretende atalhar de forma frontal.
De acordo com o bispo das Forças Armadas, quando Bento XVI afirma que estes casos de pedofilia são prova de que "a maior perseguição à Igreja" vem do pecado da Igreja, o líder dos católicos dá mostra de que "não vai fugir" ao tema.
Bento XVI está a "querer marcar o ritmo", aponta Torgal Ferreira, que lê nas declarações a bordo do avião um líder que diz: "Não julguem que eu venho aqui para encobrir. Não julguem que eu venho aqui fechar os olhos e os ouvidos a determinados problemas".
Neste sentido, o bispo português acredita que o Papa dará mostras em Portugal da mesma coragem exigida quando se dirigiu aos católicos da Irlanda.
"Essa coragem é como quem está a gerir a orquestra e não foge a esse compasso", concluiu.
Ratzinger manobrou para que a pedofilia "não transpirasse para fora da Igreja"Mais dura foi a leitura de Boaventura Sousa Santos às declarações de Bento XVI. O sociólogo e catedrático de Coimbra apontou directamente o dedo a Bento XVI, acusando-o de, enquanto cardeal Joseph Ratzinger, ter tido conhecimento de casos concretos de pedofilia, que ocultou de forma a não serem tratados pela Justiça civil.
O Papa Bento XVI assinalou que a "maior perseguição" à Igreja nasce no seu interior. Reconhecendo que esta "é a orientação correcta", Boaventura Sousa Santos considera que a afirmação é um "reconhecimento de humildade muito importante" mas que "peca por ser demasiado tardia".
"Hoje o Papa reconhece, e muito bem, que são ataques que vêm de dentro, dos próprios pecados" da Igreja de Roma, apontou o catedrático de Coimbra.
No entanto, fez questão de sublinhar, "este reconhecimento só ocorreu porque houve uma grande pressão externa para que a Igreja se confronte com este lado obscuro" quando "estas situações eram conhecidas no interior da Igreja e pelo actual Papa muito antes de o ser".
O sociólogo refere que, ainda assim, que se trata de uma atitude "corajosa".
Boaventura Sousa Santos apontou o facto de a Igreja ter entendido a pedofilia "como um problema da Igreja para ser resolvido pela própria Igreja", quando "estavam em causa direitos fundamentais das pessoas, condutas criminosas que deviam ser punidas nos foros civis, devido à separação do Estado da Igreja".
"Os membros da Igreja deviam ter prestado contas ao Estado no seu devido tempo e isso não se fez", defendeu o professor de Coimbra.