Mulheres contra farmácias que exigem receita médica obrigatória para medicamento abortivo

por Agência LUSA

A Ordem dos Farmacêuticos recebeu queixas de mulheres que tentaram comprar um medicamento com efeitos abortivos sem a obrigatória receita médica e não o conseguiram, ao contrário do que, há um ano, fez uma activista do "barco do aborto".

A revelação foi feita à Agência Lusa pelo bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, Aranda da Silva, que se manifestou surpreendido com estas queixas sobre um procedimento legal: a venda de medicamentos de receita médica obrigatória, mediante a apresentação da respectiva prescrição.

Há um ano, durante a agitada presença do barco "Borndiep", da associação holandesa "Woman on Waves" em águas perto de Portugal, a activista Rebecca Gomperts assumiu num programa de televisão que adquiriu uma embalagem de um medicamento com efeitos abortivos numa farmácia portuguesa.

O medicamento em questão (cuja substância activa é o misoprostol) é indicado para o tratamento da úlcera péptica e prevenção de lesões gastroduodenais, embora seja usado na indução do trabalho de parto ou no aborto terapêutico.

Por ser de prescrição médica obrigatória, e Rebecca Gomperts ter reconhecido que o adquiriu sem receita, a Ordem dos Farmacêuticos classificou o caso de "uma ilegalidade" que precisava de ser investigada.

Na altura, em declarações à Lusa, Aranda da Silva afirmou que esta não era uma prática corrente e que "devia ser investigada", mas, um ano depois, o bastonário revelou que não foi possível apurar responsabilidades.

"Contactámos várias entidades a solicitar esclarecimentos e questionámos a activista sobre o local onde terá adquirido o medicamento de uma forma ilegal [sem receita médica, apesar desta ser obrigatória], mas não recebemos qualquer resposta", disse.

Aranda da Silva revelou que, desde então, a Ordem recebeu várias queixas de mulheres que tentaram comprar este medicamento sem a obrigatória receita médica, mas que não o conseguiram.

"Estas mulheres queriam comprar o medicamento da mesma forma que a activista disse que o fez, mas os farmacêuticos não o permitiram, uma vez que tal é uma ilegalidade", disse.

A venda ilegal de medicamentos é um tema que divide os farmacêuticos e os médicos, com estes últimos a garantirem que esta é uma prática muito mais comum do que as farmácias afirmam.

Em declarações à Lusa, o bastonário da Ordem dos Médicos, Pedro Nunes, disse que esta é uma ilegalidade que "acontece com grande frequência nas farmácias portuguesas".

Sobre a venda do medicamento em causa, Pedro Nunes considera que a sua acção secundária - a indução do aborto - é hoje "muito conhecida".

Por esta razão, Pedro Nunes concluiu que "o aborto é hoje relativamente simples e está ao alcance técnico de qualquer pessoa com o mínimo conhecimento".

O bastonário defende que o Estado investigue a venda de medicamentos sem a obrigatória receita médica.

A presença do "Borndiep" - que ficou conhecido como "o barco do aborto" - em águas portuguesas dominou a actualidade durante o Verão do ano passado, com as activistas a serem criticadas pelos movimentos pró-vida (contra o aborto) e os políticos a esgrimirem argumentos em torno da interrupção voluntária da gravidez.

A 28 de Agosto de 2004, o Governo proibiu a entrada da embarcação em águas territoriais portuguesas, alegando motivos de "respeito pelas leis nacionais" e questões de "saúde pública".

O barco tem uma clínica ginecológica a bordo e fornece uma pílula abortiva em alto mar.

Um dos pontos altos da polémica que rodeou o "Borndiep" foi a divulgação - através do site da organização - dos procedimentos para a realização de um aborto.

Para a aquisição do medicamento nas farmácias, a associação recomenda: "A mulher pode, por exemplo, dizer que a avó está com uma crise tão forte de artrite reumatóide que nem sequer consegue ir à farmácia e que não tem dinheiro para ir ao médico pedir a receita do medicamento".

"Normalmente, é mais fácil adquirir o produto numa pequena farmácia local do que nas farmácias das grandes cadeias. O misoprostol também pode ser encomendado pela Internet", sugere a associação que disponibiliza ainda uma lista de farmácias on-line.

Para a indução do aborto, "a mulher deve introduzir, com os dedos, quatro comprimidos de 200 microgramas de misoprostol tão fundo quanto possível na vagina (bem atrás, onde o útero começa)", segundo a "Woman on Waves".

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