Morreu o histórico dirigente comunista Ruben de Carvalho

por RTP
Jerónimo de Sousa recordou um "intelectual comunista", "homem que assumiu diversas tarefas, cargos e responsabilidades" Antena 1

O jornalista e dirigente histórico do PCP Ruben de Carvalho morreu esta terça-feira, aos 74 anos, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, na sequência de problemas de saúde que exigiram internamento.

Ruben de Carvalho nasceu em Lisboa a 21 de julho de 1944 e teve uma intervenção ativa na luta antifascista desde jovem.

Foi chefe de redação da Vida Mundial, redator coordenador do jornal O Século e chefe de redação do semanário Avante!, a partir da primeira edição do jornal, em abril de 1974, e até junho de 1995. Fazia também parte da organização da Festa desde o seu início, em 1976.

Foi membro das “comissões juvenis de apoio” à candidatura do General Humberto Delgado em 1958 e esteve preso durante o Estado Novo.

A ativa intervenção no movimento estudantil levou a “perseguições constantes por parte da polícia do regime fascista”, conforme refere uma nota de pesar do PCP. Foi preso em 1961, 1962, 1963, 1964 e 1965/1966 e de novo em 7 de Abril de 1974.

Depois do 25 de Abril, foi chefe de gabinete do ministro sem pasta Francisco Pereira de Moura, no I Governo Provisório, e deputado à Assembleia da República.

Dirigiu, entre 1986 e 1990, a rádio local Telefonia de Lisboa, na qual produziu e realizou diversos programas. Foi membro do Conselho de Opinião da RTP em 2002. Produzia, desde 2009, o programa “Crónicas da Idade Midia” e participou no programa “Os Radicais Livres” na Antena 1.

Era atualmente responsável na CML pelo Roteiro do Antifascismo e membro do Comité Central do PCP.
"Vida de intervenção e de luta"
O Partido Comunista Português lamentou a morte, referindo-se ao ex-dirigente como um “intelectual comunista” que “assumiu uma intervenção destacada na atividade do Partido, tendo desempenhado importantes tarefas, cargos e responsabilidades”.

“Ruben de Carvalho teve uma vida de intervenção e de luta na resistência antifascista, no movimento associativo estudantil, abraçou com intensidade a Revolução de Abril e defendeu os seus valores e conquistas”, lê-se na nota de pesar.

“Destacou-se no jornalismo, na imprensa e na rádio. Deixou à sociedade portuguesa um contributo de grande relevo no conhecimento da música, na sua dimensão artística, cultural e social, no plano nacional e internacional, das suas raízes populares à sua dimensão erudita”.

“Ao longo de toda a sua vida, Ruben de Carvalho empenhou-se na luta, com o seu Partido, pela liberdade e a democracia, por uma sociedade nova liberta da exploração e da opressão, o socialismo e o comunismo”, acrescenta a nota.
“Homem de vasta cultura”
Em declarações à RTP, Carlos Carvalhas, antigo secretário-geral do PCP, considerou Ruben de Carvalho um "amigo e um camarada, um homem de uma vasta cultura e de uma grande curiosidade".

Era um "homem prático" e de "uma grande capacidade de realização", empenhado partidariamente, considerou Carvalhas. "É uma grande perda" não só para o PCP, como para a cultura e para o país. "Foi sempre fiel aos seus princípios e coerente com os seus ideais", acrescentou.

Na área da cultura, Ruben de Carvalho escreveu os livros Dossier Carlucci-CIA, Festas de Lisboa, As Músicas do Fado, Seis Canções da Guerra de Espanha, Um Século de Fado, Histórias do Fado, tendo ainda organizado o livro póstumo As Palavras das Cantigas de José Carlos Ary dos Santos.

Produziu diversos discos e espetáculos, nomeadamente "Uma certa maneira de cantar", "A Internacional", "Pete Seeger em Lisboa", "25 Canções de Abril", "Lisboa Cidade Abril", "Carvalhesa", "Grândolas", entre outros.
“Perdemos um dos melhores”
Arménio Carlos, secretário-geral da CGTP, salientou que Ruben de Carvalho "acreditava que o país podia ter um rumo melhor" e considerou que hoje se perdeu "uma das melhores pessoas no âmbito nacional".

"Não só pelo seu passado, pois foi um antifascista que lutou pela liberdade e pela democracia, como depois teve um papel preponderante a seguir ao 25 de Abril, para a afirmação dos direitos, liberdades e garantias".

"Sempre foi um amigo da CGTP e dos trabalhadores portugueses, sempre teve uma intervenção de grande solidariedade com aqueles que mais sofriam", defendeu Arménio Carlos.

"A cultura portuguesa perde hoje um vulto importante da história do país", já que "tinha uma relação de grande conhecimento e aprofundamento daquilo que era a cultura aos mais variados níveis".

"Creio que este é um momento triste para todos, independentemente dos posicionamentos políticos", acrescentou. "Perdemos um dos melhores e há que recordá-lo e, sobretudo, seguir o seu exemplo".
Ruben de Carvalho e os Trovante
Em declarações à RTP, Luís Represas considerou este "um dia particularmente triste" pois "perdemos um homem extraordinariamente culto", de uma "cultura superior a todos os níveis", entre os quais o da música.

O músico recordou o ano de 1976, durante o qual os Trovante passaram noites em casa de Ruben de Carvalho "a ouvir música compulsivamente".

"Tínhamos 18 anos e estávamos a começar a inventar o Trovante, à volta dos poemas do Francisco Viana, um militante comunista" de quem Ruben de Carvalho era primo.

Foi Francisco Viana quem sugeriu ao primo convidar os Trovante para a primeira Festa do Avante!, em agosto de 1976. Ruben de Carvalho seguiu a sugestão e convidou o grupo em muitas mais edições daí em diante.

"Ele mostrava claramente que era um homem que apostava sempre no futuro" e tinha uma "visão muito para a frente", declarou Represas. Tinha uma mentalidade "profundamente progressiva", acrescentou.

"O Ruben era um amigo. (...) Era capaz de compreender aquilo que nos separava, buscando sempre mais aquilo que nos unia".
“Destacado jornalista”
António Filipe, deputado do PCP, considerou a morte de Ruben de Carvalho "uma perda enorme" para o partido, para o jornalismo e para a cultura.

"Foi uma figura incontornável na programação musical da Festa do Avante desde a sua primeira edição", relembrou. "Foi um destacado jornalista nos anos 1960, com lugares de responsabilidade em diversas redações".

Ruben de Carvalho teve colaborações em numerosas publicações: Seara Nova, Notícias da Amadora, O Diário, Diário de Lisboa, Século Ilustrado, Contraste, JL, O Militante, Politik, História, Vida Mundial (nova série), A Capital, Expresso. Foi cronista no Diário de Notícias e comentador da SIC Notícias.
Marcelo envia condolências
Marcelo Rebelo de Sousa já enviou condolências à família de Ruben de Carvalho e ao PCP.

“Jornalista e homem de cultura, defensor da liberdade desde jovem, deputado à Assembleia da República, vereador da Câmara Municipal de Lisboa, Ruben de Carvalho deixa um rasto de saudade em todos quantos tiveram o privilégio de partilhar a sua afabilidade de trato e reconhecer o seu empenhamento profundo na defesa das causas em que acreditava”, lê-se na mensagem publicada no site oficial da presidência.

"Ruben de Carvalho adorava a vida e se teve tempo de uma última despedida, deve ter dito para si foi bonita a Festa, pá!. Já transmiti os meus sentimentos à sua família e ao secretário-geral do PCP", escreveu, por sua vez, António Costa, numa nota no Twitter.


O primeiro-ministro caracterizou Ruben de Carvalho como um "homem de cultura e inteligência política invulgares, sentido de humor e extraordinária exigência de caráter".
Jerónimo recorda “intelectual comunista”
"Em nome do secretariado do Comité Central do Partido Comunista Português, informo da morte de Ruben de Carvalho" por problemas de saúde, iniciou Jerónimo de Sousa em declarações aos jornalistas.

O secretário-geral do PCP recordou um "intelectual comunista", "homem que assumiu diversas tarefas, cargos e responsabilidades", com um percurso de vida "de luta, de participação e intervenção".

Jerónimo frisou ainda o papel de Ruben de Carvalho na cultura portuguesa, especialmente na música, "desde a popular à erudita".

"Era um homem de combate e de confronto de ideias", que "lutou pela liberdade e pela democracia", defendeu.
"Paixão por Lisboa"
O presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, recordou a "energia mobilizadora" e a "capacidade de diálogo" de Ruben de Carvalho, descrevendo o ex-vereador como um "profundo conhecedor" da cidade.

"Incansável na sua energia criativa e mobilizadora, Ruben de Carvalho tinha um enorme sentido de humor e grande capacidade de diálogo. Foi isso, aliás, que marcou a sua passagem pela Câmara Municipal de Lisboa enquanto vereador", referiu o socialista, numa nota enviada à agência Lusa.

"O Ruben deixou-nos, mas o testemunho da sua paixão por Lisboa, esse, perdurará", sublinhou Fernando Medina, lembrando ainda que o também jornalista e produtor cultural foi responsável pela Festa do Avante e por trazer a Portugal artistas como Chico Buarque ou Dexys Midnight Runners.
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