moradores de Miramar, Aguda e Granja, no concelho de Vila Nova de Gaia, estão a preparar ações conjuntas em protesto contra os "muros de Berlim" que a Infraestruturas de Portugal (IP) está a construir junto à linha férrea.
Em causa está o projeto que a IP tem vindo a implementar ao longo do troço ferroviário da Linha do Norte entre Espinho (distrito de Aveiro) e Vila Nova de Gaia (distrito do Porto), o qual inclui a colocação de separações acústicas, reformulação de apeadeiros e construção de passagens pedonais superiores para substituir as atuais.
"São autênticos muros de Berlim e a passagem superior é um escarro arquitetónico", disse, à agência Lusa, Ivo Pinhal, morador na Aguda, local de onde já saíram dezenas de cartas dirigidas às autoridades autárquicas locais a pedir a paragem e reversão da obra.
Além destas cartas, a população da Aguda, que tem vindo a reunir-se com movimentos já criados em Miramar e na Granja, está a divulgar nas redes sociais uma petição pública dirigida à IP e à Câmara de Vila Nova de Gaia.
Com o nome "Contra o projeto para a passagem superior da Estação da Granja", a petição contava com mais de 1.600 subscritores cerca das 19:00 de quinta-feira.
No texto é referido que o projeto da IP "coloca em causa o património cultural, paisagístico e arquitetónico da emblemática estação e da envolvente urbana" e "contraria as políticas de mobilidade suave (pedonal e de bicicleta), através da introdução de um verdadeiro obstáculo a todos os residentes e utilizadores da praia da Granja e da estação da Granja".
É, aliás, esta a opinião de Vasco Sousa, porta-voz do "Praia da Granja, Cidadãos", grupo autor da petição e que já anunciou que já apresentou uma queixa no Ministério Público, bem como ao Provedor da Justiça Europeu, com o argumento de mau uso de fundos comunitários.
"Perante a ausência de consulta pública, que é obrigatória por lei, e visto que a obra atenta contra a mobilidade seja de modos suaves, seja a de pessoas com mobilidade reduzida, não podemos estar parados. Os residentes já se manifestaram contra, mas a obra continua, uma obra que desvaloriza a zona, uma zona classificada", disse Vasco Sousa à Lusa.
E ao coro de protestos dos moradores da Granja e da Aguda, junta-se Miramar com o do grupo "Amigos de Miramar" -- que no passado também lançou uma petição com o nome "Não Destruam Miramar: Não ao Túnel" que já ultrapassou os 2.400 subscritores -- a confessar-se "aflito" por ver surgir em apeadeiros próximos "muros de Berlim" que temem que cheguem ao seu território.
"Dizem que são barreiras antirruído, mas não compreendemos, ninguém se queixou do ruído. Sabemos que existem outras soluções, soluções menos invasivas e até mais económicas. A obra que estamos a ver erguer-se é de uma violência visual muito grande", disse Alexandra Camacho, de Miramar.
À Lusa, a moradora descreveu que "por exemplo junto às catenárias, as barreiras antirruído, podem atingir uma altura de 3,5 metros", algo que faz com que as populações fiquem "entaipadas", como é igualmente descrito por Ivo Pinhal.
"Estão a separar a Aguda de cima da Aguda de baixo. Nada daquilo se enquadra com a arquitetura pitoresca da zona. Não está a ser preservada a identidade da zona. Não compreendemos como é que, se a Câmara coloca limitações à altura das casas, a IP possa fazer ali o que quer, com a altura que quer", referiu.
Às preocupações com a mobilidade e com a descaracterização paisagística e cultural destas zonas balneares e piscatórias de Gaia, os moradores juntam argumentos como a valorização das casas e dizem que o projeto colide com as boas práticas de sustentabilidade, classificando a passagem pedonal superior de "mamarracho".
Vasco Sousa lamenta que "uma empresa da envergadura da IP mostre intransigência" e apela ao presidente da Câmara de Gaia, o qual "terá já dito publicamente na campanha eleitoral e em sessões de presidência aberta que vai lutar por passagens inferiores", revertendo o processo, algo que Ivo Pinhal acredita que "ainda é possível".
"Se montaram [a passagem pedonal superior de um dia para o outro, então também a podem tirar. Tudo é reversível", concluiu o morador da aguda.
A agência Lusa contactou a IP para solicitar esclarecimentos sobre este projeto e aguarda resposta.
Já a Câmara de Gaia recordou que este processo inclui uma ação judicial interposta através do Ministério Público, algo que "o Município respeita", mas "impede a continuação do debate público".
"A ação é contra a IP, mas estando o Município em questão, importa respeitar os tribunais e deixá-los fazer a devida avaliação. O assunto está neste momento na alçada dos tribunais, importando que se respeite os tempos e as tramitações judiciais", respondeu a autarquia.