José Sócrates foi acusado de 31 crimes, entre eles a prática de crimes de corrupção passiva de titular de cargo político, branqueamento de capitais, falsificação de documento e fraude fiscal qualificada. O Ministério Público deduziu acusação contra 28 arguidos, 19 pessoas singulares e 9 pessoas coletivas, no âmbito da designada Operação Marquês.
Entre os acusados, estão Ricardo Espírito Santo Salgado, Carlos Manuel Santos Silva, Henrique Granadeiro, Zeinal Bava, Armando Vara e a filha, Horta e Costa, a ex-mulher de Sócrates, Sofia Fava, Grupo Lena, Vale do Lobo, entre outros.
De acordo com uma nota enviada pela Procuradoria-Geral da República, o despacho final tem mais de quatro mil páginas, que resultam de duas centenas de buscas, inquirição de 200 testemunhas e da recolha de dados bancários sobre cerca de 500 contas.
O empresário Carlos Santos Silva foi acusado de 33 crimes, entre os quais corrupção passiva de titular de cargo político, corrupção ativa de titular de cargo político, branqueamento de capitais, falsificação de documento, fraude fiscal e fraude fiscal qualificada.
Por sua vez, o antigo líder do Banco Espírito Santo, Ricardo Salgado está acusado de 21 crimes.
O antigo presidente da PT Zeinal Bava está acusado de cinco crimes de corrupção passiva, branqueamento de capitais, falsificação de documento e fraude fiscal qualificada.
Henrique Granadeiro, ex-administrador da PT está acusado de oito crimes, enquanto que o ex-ministro e antigo administrador da Caixa Geral de Depósitos Armando Vara foi acusado pelo MP de cinco crimes.
São, no total, 28 arguidos acusados, sendo que nove são empresas.
O Ministério Público decidiu ainda proferir nove despachos de arquivamento, em relação aos arguidos João Abrantes Serra, Joaquim Paulo da Conceição e Paulo Lalanda e Castro. Todavia, no que a este último diz respeito foi extraída uma certidão para investigação de factos relativos a sociedades que controlava.
No total, o Ministério Público decidiu extrair 15 certidões, para posterior investigação em processo autónomo.
Sócrates permitiu obtenção de benefícios comerciais
Em traços largos, a Procuradoria-geral da República traça o quadro da atuação dos agora acusados num processo que esteve três anos em investigação. Os factos tiveram lugar entre 2006 e 2015, diz o MP.
De acordo com o Ministério Público e em síntese, “ficou indiciado que os arguidos que exerciam funções públicas ou equiparadas, tendo em vista a obtenção de vantagens, agiram em violação dos deveres funcionais”.
De acordo com a acusação, com origem nos grupos Lena, Espírito Santo e Vale do Lobo, terá sido acumulado na Suíça, entre 2006 e 2009, um montante superior a 24 milhões de euros.
Para o MP, Carlos Santos Silva, "tendo em vista receber outros montantes destinados a José Sócrates, disponibilizou sociedades por si detidas para receber quantias provenientes do Grupo Lena, com base em pretensos contratos de prestação de serviços".
Os fundos acumulados na Suíça integravam também pagamentos determinados por Ricardo Salgado, "com a mobilização de quantias oriundas de entidades em 'offshore' que pertenciam ao Grupo Espírito Santo", explica o MP, sublinhando que estes pagamentos "estavam relacionados com intervenções de José Sócrates, enquanto primeiro-ministro, em favor da estratégia definida por Ricardo Salgado para o grupo Portugal Telecom, do qual o BES era acionista".
"Para ocultar essa finalidade, Ricardo Salgado utilizou o arguido Hélder Bataglia para fazer circular fundos por contas no estrangeiro controladas por este último. Todos esses pagamentos eram justificados com contratos fictícios em que era interveniente Hélder Bataglia".
Explica igualmente que Sócrates, conluiado com Armando vara, à data administrador da Caixa Geral de Depósitos, "recebeu também pagamentos com origem em receitas desviadas do grupo Vale de Lobo".
"Tais pagamentos foram determinados por administradores de sociedade desse grupo, tendo em vista facilitar a concessão de financiamentos por parte da CGD", frisa o despacho de acusação.
24 milhões de euros
De acordo com o MP, foi acumulado na Suíça, entre 2006 e 2009, um montante superior a 24 milhões de euros, com origem nos grupos LENA, Espírito Santo e Vale de Lobo.
"Este dinheiro foi, num primeiro momento, recebido em contas controladas pelo arguido José Paulo Pinto de Sousa [primo de José Sócrates] e, mais tarde, em contas de Carlos Santos Silva (neste caso, com prévia passagem por contas de Joaquim Barroca)", acrescenta.
Segundo a acusação, Carlos Santos Silva veio depois a transferir o dinheiro para Portugal, através de uma pretensa adesão ao regime RERT II (regime excecional de regularização tributária), "visando a sua posterior colocação em contas por si tituladas mas para utilizações no interesse de José Sócrates".
Tal utilização passava, designadamente, por levantamentos e entregas de quantias em numerário a Sócrates, as quais eram efetuadas com a intervenção de Carlos Santos Silva, mas também dos arguidos Inês do Rosário, João Perna e Gonçalo Ferreira.
Esses fundos foram, igualmente, utilizados para aquisição de imóveis, obras de arte, pagamento de viagens, aquisições de exemplares do livro do ex-primeiro-ministro e para fazer chegar dinheiro a pessoas das relações deste arguido, considera o Ministério Público.
Para o MP, também a ex-mulher de Sócrates, Sofia Fava, aceitou figurar como compradora da herdade "Monte das Margaridas", em Montemor-o-Novo.
"O imóvel foi adquirido com um financiamento bancário garantido por Carlos Santos Silva, suportado nos fundos trazidos da Suíça, refere a acusação.
Entre outros pagamentos a favor de José Sócrates, o MP diz que Ricardo Salgado determinou também que fossem efetuados pagamentos a Zeinal Bava e Henrique Granadeiro.
Nesse período, entre 2006 e 2010, Bava e Granadeiro exerceram funções na administração da Portugal Telecom," tendo aceitado esses pagamentos para agir em conformidade com interesses definidos por Ricardo Salgado para o BES enquanto acionista da PT".
Ainda com origem no Grupo Espírito Santo, e por determinação de Ricardo Salgado, já em 2010 e 2011, Santos Silva "terá montado um esquema, em conjunto com Joaquim Barroca e Helder Bataglia, com vista à atribuição de nova quantia a favor de Sócrates".
Este esquema passava, segundo o MP, "pela produção de um contrato promessa de compra e venda de um edifício em Angola".
"Através do incumprimento dessa contrato promessa e consequentemente perda do sinal, foi justificada a transferência de uma quantia para as contas do grupo LENA que ficou com o encargo de devolver o mesmo montante a Carlos Santos Silva ou a sociedades do mesmo, para este, por sua vez, fazer chegar o dinheiro a José Sócrates", explica.