Médico português criou o Dia Mundial da Voz

por Lusa
Mário Andrea é o "pai" do Dia Mundial da Voz RTP

Parecia um projeto quase impossível quando nos finais dos anos 90 o médico português Mário Andrea pensou em "juntar o mundo inteiro" para celebrar a voz, criando um dia mundial que alertasse para o cuidado do aparelho vocal.

Nas vésperas de se assinalar o Dia Mundial da Voz, a 16 de abril, o médico e professor catedrático jubilado de otorrinolaringologia contou, em entrevista à agência Lusa, a luta para criar esta efeméride que se comemora há 20 anos.

"A história do Dia Mundial da Voz é muito grande, passa por várias fases, mas foi uma ideia que me surgiu" - recordou - quando a Sociedade Brasileira de Otorrino fez "uma coisa fantástica": Um dia e uma campanha dedicada à voz.

Desde o primeiro momento que Mário Andrea acreditou que era possível juntar "o mundo inteiro" neste projeto, mas "o grande problema" era se os países à volta do Brasil resolvessem copiar a iniciativa e cada um fizesse o seu dia nacional.

"Fica tudo espalhado e vai-se perder a voz", pensou naquela ocasião.

Foi desenvolvendo esta ideia de criar um dia mundial para "celebrar a voz" e as pessoas terem consciência da sua importância e quando presidiu à Sociedade Europeia de Laringologia anunciou este propósito na primeira reunião da direção em 2002.

Lançamento da ideia

"Avisei os amigos brasileiros de que ia fazer uma coisa destas. Ficaram muito admirados com a ideia, porque nunca ninguém tinha pensado a noção de juntar o mundo. Era uma ideia atrevida naquela altura", contou o médico que foi diretor do Serviço de Otorrino do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, entre 1983 e 2013, ano em que se reformou.

O primeiro passo foi pedir apoio à sociedade americana de laringologia que considerou "uma ideia fantástica" e apoiou a iniciativa.

Na época havia dias mundiais "mas eram muito poucos" e colocava-se a questão de como é que se ia montar tudo isto, o que levou a "um trabalho louco" que envolvia deslocações, telefonemas e comunicações por fax.

Além disso, como a voz é multidisciplinar "há uma multidão de gente" envolvida.

"Os otorrinos não são donos da voz. Trabalhamos, diagnosticamos e tratamos da voz, mas há terapeutas da fala, os professores de canto, os foniatras, uma especialidade médica que não existe em Portugal, cientistas...", referiu.

"Eu sei o caminho que perseguia, que era o de otorrino, então entrei em contacto com a Federação das Sociedades de Otorrino na Europa, que deu todo apoio (...) e depois passei para a sociedade mundial" que também aprovou a ideia.

Faltava criar a data, que acabou por ser 16 de abril como homenagem ao Brasil, que celebrou pela primeira vez a voz nessa data nos finais dos anos 90.

Rouquidão serve de alerta

O "primeiro chavão" utilizado foi "Quem tiver uma rouquidão mais de 15 dias tem que ser visto por um otorrino", ao que se seguiram muitos outros como "Oiça a sua voz", "Cuide da sua voz" ou "Goste da sua voz".

O objetivo é prevenir e diagnosticar atempadamente doenças como o cancro da laringe que, segundo o especialista, "era uma doença diabólica, tremenda", porque os doentes desvalorizavam os sintomas, como a rouquidão, e quando apareciam nas consultas os tumores já estavam em fases tão avançadas que obrigavam a tratamentos agressivos e cirurgias que muitas vezes os deixavam sem voz.

Para difundir a mensagem, foram realizados espetáculos, o primeiro no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, com cantores e atores que, disse, "ajudaram imenso porque perceberam a importância de criar um dia do seu instrumento de trabalho", além de passarem a ter consciência da importância de cuidar do seu aparelho vocal.

Foram feitas visitas a escolas para levar a mensagem à comunidade escolar e para as crianças alertarem os seus familiares, tendo mesmo salvado alguns, e cresceram as iniciativas de rastreio feitas por instituições e hospitais.

Mário Andrea não tem dados sobre o que resultou destas iniciativas, mas disse que, tendo por base relatos de especialistas de vários países, os diagnósticos são cada vez mais precoces e as terapêuticas cada vez menos invasivas.

"Hoje em dia fazemos cirurgias endoscópicas, com 24 horas de internamento, a voz não fica fantástica, mas fica boa para viver e para trabalhar", o mesmo se passando com o tratamento de problemas benignos. "Tudo o que fazemos (agora) é mais delicado, mais pequenino, com melhores resultados, com menos agressão, melhor qualidade vocal".

Para estes resultados também contribuíram a luta antitabágica e os alunos de Medicina terem passado a ter formação em otorrinolaringologia.

"Há uma nova geração de médicos que estão atentos à voz (...) e isto é uma forma de chegarmos ao grande público", salientou.

Como conselhos para evitar problemas na voz, Mário Andrea indica beber água, descansar a voz, dormir bem, corrigir a postura, ter cuidado com a alimentação e "não pigarrear" porque ao fazer isto "as cordas vocais batem uma na outra (...) e não é nada saudável".

 

Tópicos
PUB