Mania de acumular lixo em casa pode ser sinal de Síndrome de Diógenes, que afecta principalmente idosos
** Helena Neves, Agência Lusa **
Lisboa, 18 Mai (Lusa) - O acumular de montanhas de lixo ou objectos inúteis em casa a pensar na sua eventual utilidade futura pode parecer muito estranho, mas é sintoma de uma doença que afecta principalmente idosos que vivem sozinhos e em situação de miséria.
Baptizada com o nome do filósofo grego do século IV a.C. Diógenes de Sinope, que vivia como um mendigo e dormia num barril, o Síndrome de Diógenes caracteriza-se pela acumulação de objectos sem valor, isolamento social, falta de pudor e de cuidados com a higiene pessoal e recusa em receber ajuda.
"Apesar da doença também poder afectar pessoas mais novas, a maior parte são idosos que vivem uma vida quase de eremita", disse à agência Lusa o director do serviço de psiquiatria do Hospital do Espírito Santo, em Évora, José Palma Góis, que tem acompanhado alguns casos.
À memória vêm-lhe dois casos. Um de uma senhora septuagenária "muito excêntrica", que vivia sozinha numa casa "cheia de lixo" que recolhia dos contentores e outro de uma mulher na casa dos 50 anos que começou a fazer colecção de objectos inúteis desde os 20 anos.
Palma Góis contou que a mulher mais nova fazia acumulação de lixo por "montinhos", como de roupa e sapatos, de acordo com as suas próprias regras.
Mas com o passar dos anos, a doença foi piorando e actualmente já não organizava o lixo e a casa transformou-se numa verdadeira lixeira.
A vida desta mulher é partilhada com um companheiro, alcoólico, que "por contágio aceitou este tipo de vida", sublinhou.
Ambos os casos chegaram ao hospital através dos serviços sociais, que foram alertados pela vizinhança devido ao mau cheiro que as casas tinham e do comportamento bizarro.
Palma Góis contou que a idosa, quando chegou aos cuidados médicos, ia desnutrida, com um aspecto pouco cuidado e uma atitude desconfiada e assustada, tendo acabado por ficar internada quatro semanas.
Depois de a casa ter sido limpa, a idosa, que tinha uma "demência ligeira" e registou melhoras significativas com o tratamento, voltou para casa continuando a ter acompanhamento médico e o apoio dos serviços sociais para garantir o comprimento da terapêutica, alimentação e higiene.
Segundo Palma Góis, estas pessoas vivem numa situação de miséria material muito marcada e chegam a apresentar várias patologias, desde eczemas e infecções na pele causados por parasitas e sujidade, até anemias devido à negligência da alimentação e higiene.
Palma Góis explicou que o Síndrome de Diógenes não nasce com a pessoa, mas pode haver traços de personalidade que predispõem para a doença que pode surgir com a morte de um familiar, dificuldades económicas, conflitos ou pela reforma antecipada.
Embora a maioria dos casos seja em idosos, há pessoas mais novas que podem desenvolver a doença, mas nestes casos está associada a outras patologias, como uma doença obsessiva compulsiva, esquizofrenia ou alcoolismo.
Sobre a prevalência da doença em Portugal, o psiquiatra disse que não existem números, mas estima que sejam idênticos aos de Espanha: 1,7 em cada mil internamentos em pessoas de idade superior aos 65 anos.
Palma Góis ressalvou que quanto menor é o nível de vida da população e a intervenção social, maior é o número de pessoas que foge à rede e pode sofrer desta doença.
Para a assistente social Maria Irene Carvalho, estas situações devem-se à solidão em que as pessoas vivem, orientando as suas vidas para a sobrevivência por reconhecerem que "o seu futuro não é o melhor".
Maria Irene Carvalho alertou que os serviços sociais devem estar atentos a estes casos que podem ter consequências a nível de saúde pública com a proliferação de ratos e baratas, dependendo do tipo de lixo que as pessoas guardam.
"É um processo complexo onde estão incluídos vários factores, entre os quais a solidão, que afecta uma grande parte de pessoas, mas há casos extremos em que as pessoas vivem no lixo", sublinhou.
Muitos destes casos são detectados nas intervenções que os serviços das autarquias fazem nas acções de controlo de pragas, disse à agência Lusa a chefe de divisão de Higiene e Controlo Sanitário da Câmara de Lisboa, Luísa Costa Gomes.
"O caso mais grave que tivemos foi nos Olivais, onde foram retirados de uma casa 12.500 quilos de lixo, tudo excrementos de gato", disse a responsável, contando que a moradora chegou a ter 46 gatos em casa.
Luísa Costa Gomes adiantou que quando um caso é detectado pelos serviços tenta-se fazer o acompanhamento da situação destas pessoas, através de intervenção social e do acompanhamento médico.
Apesar dos serviços da autarquia tentarem resolver o problema através do diálogo, a maior parte dos casos acabam por ser resolvidos por ordem do tribunal devido à recusa das pessoas em aceitar ajuda, um processo que demora entre dois a quatro meses para resolver o problema.
"É violento tirar as coisas assim", lamentou Luísa Costa Gomes, adiantando que estes casos são detectados em todas as zonas da cidade.
No entanto, adiantou, há mais prevalência nas "zonas com mais pobreza e isolamento", onde o "quadro de solidão é muito grave".
Actualmente a autarquia está a acompanhar dois casos, um na Rua António Nobre e outro num bairro social, acrescentou.