A Associação de Albergues Noturnos do Porto (ANNP) recebeu em 2023 mais de 600 pedidos de alojamento, tendo conseguido dar resposta a menos de 20% dos casos, revelou hoje à Lusa a diretora-geral da instituição, Carmo Fernandes.
Fundada há 142 anos e preparada para dar respostas de alojamento temporário a pessoas em risco ou em exclusão social, a associação dispõe de 97 camas nos dois centros de alojamento, na Rua Mártires da Liberdade e na Rua de Miraflores.
Em entrevista à Lusa, Carmo Fernandes explicou que, "na teoria, a resposta deve estender-se por seis meses ou um ano, dando assim tempo para as pessoas reorganizarem as suas vidas ou passarem para outro tipo de resposta com outro nível de especificidades, mas a realidade é bem diferente".
A falta de habitação conjugada com o preço das rendas, a doença mental que afeta alguns dos utentes e a incapacidade de outros para uma vida autónoma são problemáticas que "fazem com que um número significativo de pessoas permaneça nos albergues muito tempo", relatou a responsável, revelando haver pessoas a residir há 20 anos na associação.
Voltando aos números, Carmo Fernandes assinalou que das 97 camas disponíveis, "mais de 50% estão ocupadas em permanência", impedindo assim que "o ciclo rotativo de pessoas com passagens curtas diminua".
O problema aumenta quando a equação revela os utentes com "problemas de saúde mental", o que obriga a que "seis meses ou um ano de alojamento temporário não sejam suficientes para que essas pessoas possam tornar-se autónomas", pois "precisam de uma resposta assistida de longa duração", assinalou.
O facto de no Porto não haver esse tipo de respostas obriga os Albergues do Porto a usar "critérios flexíveis", como recusar a ideia de "devolver essas pessoas à rua" e continuar a acolher quem já tem mais de 60 anos, que por estar ali alojado "não é considerado prioritário para lares", contou Carmo Fernandes.
As estatísticas de 2023 mostram ainda que o número de pessoas em situação de sem-abrigo com alojamento superou as 200 e dos pedidos de alimentação registados no último ano, 10% foram de brasileiros, africanos e indianos.
Sobre a população imigrante/estrangeira com quem contactou em 2023, Carmo Fernandes disse que os pedidos de alojamento não tiveram impacto, porque "como são jovens e estão numa fase da vida muito batalhadora, assim que conseguem emprego e poupar dinheiro avançam para uma solução de habitação autónoma".
Segundo a responsável, a instituição que acolhe pessoas em situação de sem-abrigo e em exclusão social está "a trabalhar para lá do seu limite" e, como forma de começar a minimizar esse esforço, quer apostar num modelo de alojamento fora do espaço da associação, denominado `housing first`, que visa promover o acesso a habitação para pessoas em situação de sem-abrigo.
"Estamos a preparar-nos para ter uma nova resposta, denominada `housing first`, que assenta na lógica de que a casa é o ponto de partida, sendo que a partir do momento em que é atribuída uma casa a essa pessoa inicia-se um caminho para a ajudar a ultrapassar muitas das lacunas", descreveu Carmo Fernandes.
Para a diretora, esta "é uma resposta em que a casa faz parte do trabalho técnico, pois muitas das pessoas não têm capacidade para voltar a integrar o mercado de trabalho".
Sem se comprometer com prazos, a responsável traçou, contudo, como objetivo "de entre o final deste ano e o início de 2025 ter no terreno uma experiência piloto e, no caso de correr bem, alargar a outra realidade".
"Já existe em Lisboa, Algarve, Braga e Leiria, e essa lacuna no Porto precisa de ser colmatada para perfis que não encontram outra solução", enfatizou.
A ANNP integra o Núcleo de Planeamento e Intervenção para pessoas em situação de Sem-Abrigo (NPISA), coordenado pela Câmara do Porto e que reúne mais de 60 instituições.