Maionese aproxima alunos do secundário à química

"Estamos rodeados de química". Dito desta forma até parece algo menos positivo, mas na verdade as ações químicas são perfeitamente naturais e a maioria é biológica. Precisamente no sentido de dar a conhecer melhor a química e a importância desta área na comunidade escolar, o Grupo de Químicos Jovens (GQJ) da Sociedade Portuguesa de Química (SPQ) criou um concurso, para jovens do ensino básico e secundário, em que estes se transformam em verdadeiros químicos no gigantesco laboratório que a vida diária oferece.

Na formação escolar, há disciplinas em que desconsideramos os conteúdos programáticos, mas o ensino destas matérias faz todo o sentido para a compreensão da vida. Num mundo cada vez mais eletrónico e de acesso “fácil”, a disciplina de físico-química é cada vez mais necessária.


O problema é que os mais novos não sentem grande atração por esta disciplina, desde logo na área da Química, que é na prática o que "não se vê", mas que na verdade dá corpo a tudo o que nos envolve. Um exemplo é algo tão simples como a água: um líquido essencial que é composto pela composição química entre duas moléculas de hidrogénio e uma de oxigénio.

Neste sentido, o Grupo de Químicos Jovens pensou numa forma de promover, por todo o país, a Química, enquanto uma saída profissional de excelência e uma área científica relevante.


A estratégia do GQJ, de nome "A Química em Portugal - o que é, e o que podem ser”, passa pela realização de workshops de divulgação, nas principais escolas dos distritos de maior densidade demográfica, bem como nos concelhos do interior de Portugal, e criou um concurso que leva os jovens alunos a serem verdadeiros “químicos” e a analisar e descodificar a natureza química de alguns produtos que nos rodeiam.

A ideia consiste numa apresentação vídeo de todo o processo químico do elemento a explorar, bem como a ficha técnica experimental, e foi colocada em prática em 2012 sob o nome ChemRus.

Uma iniciativa de sucesso que contou, logo no primeiro concurso, com uma participação recorde de 43 vídeos, envolvendo mais de 150 alunos e respetivos professores.

O tema deste ano passou pela cozinha: os alunos foram desafiados a explorar os processos químicos que ocorrem na base da culinária.Uma maionese quimicamente vencedora
Descobrir e descodificar os que está por trás dos processos orgânicos compostos. Este é o ponto de partida para o concurso ChemRus, que o GQJ promove há 13 edições.

Este ano a “Química na Cozinha” foi o tema que colocou à prova habilidades e competências dos alunos, nos processos químicos que ocorrem em produtos utilizados na culinária.

Entre os temas propostos e bem gulosos a concurso, como pudins de chocolate ou coco, bolos de cacau ou mesmo esferas de queijo creme, o grande vencedor foi a confeção de uma maionese.

A química que envolve este produto, tão apreciado na culinária, coloca-o, para os alunos que venceram o último concurso, num elevado de grau importância. “Nós fizemos uma pesquisa muito vasta”, diz Ana Antunes, 18 anos, estudante da Secundária da Boa Nova, em Leça da Palmeira. 

“Tínhamos muitos alimentos por onde pegar, porque o objetivo era estudar a química nos alimentos e nós acabámos por usar a maionese, que é uma coisa que nós usamos no dia-a-dia, para dar sabor aos demais alimentos que ingerimos. E é uma coisa que nós pensamos que é muito fácil, mas nunca pensamos no que é que está por trás da sua conceção”.
"Agora, muito recentemente, houve uma marca de supermercados que decidiu fazer uma publicidade direcionada, onde falava um bocadinho sobre os químicos serem perigosos, e serem maus e que os produtos deles não tinham químicos. Infelizmente eu acho que essa ideia, em vez de andar para trás, continua a andar para a frente e começa a enraizar-se na sociedade em geral e depois passa para os mais novos também. E quando eles têm que escolher as áreas que querem trabalhar, se calhar a química não vai ser uma delas" - João António, membro do Grupo Quimicos Jovens da Sociedade Portuguesa de Quimica.

O concurso tem como objetivo sensibilizar os jovens para o papel da química na sociedade, mobilizar a sua criatividade e promover a colaboração entre alunos, incitando um espírito de competição saudável.

Destinado a estudantes até ao 12.º ano de escolaridade, sempre sob a orientação de um professor de qualquer escola ou agrupamento de escolas de Portugal, estes trabalhos educativos consistem na elaboração de um vídeo, por parte dos alunos, acompanhado de uma ficha experimental, baseado na execução prática de uma experiência química.

Este ano chegaram aos organizadores 75 candidaturas de todo o país.

Um desafio ganho pelo Grupo Químicos Jovens portugueses. Escolher foi o mais difícil, como explica à RTP João António, júri deste concurso e membro da direção do GQJ.

“Esta necessidade surgiu pela imagem que química tem hoje em dia. Porque felizmente, se nós perguntarmos aos jovens - e nós às vezes fazemos isso ou temos algumas atividades nas escolas em que falamos diretamente com eles -, nós perguntarmos para descrever um bocadinho o que é química ou os adjetivos que eles relacionam com a palavra química, na maior parte dos casos os adjetivos são negativos. O químico é tóxico. O químico é perigoso. E é toda esta ideia preconcebida relacionada com a química de uma forma negativa. E eu acho que a ideia deste concurso é exactamente desmistificar um bocadinho essa ideia negativa associada à química”, sublinha.
Dado o elevado número de candidaturas, o GQJ realizou uma primeira triagem dos vídeos, apresentando os dez melhores trabalhos a um júri independente de diferentes áreas da sociedade. 

Uma escolha que se revelou difícil, mas interessante, revela o júri e que deu vitória ao trabalho apresentado pelos alunos da Secundária da Boa Nova Ana Antunes, Gonçalo Soares e Gonçalo Azevedo, orientados pela professora de Química Clara Tomé, com o tema “Maionese”.

Um trabalho "gratificante", explica a professora, que confessa à RTP que não é o primeiro concurso ChemRus que ganha. A ideia de responder ao repto surgiu através de pesquisas na internet: “Achei interessante pedir aos alunos para participar”.

Todos os anos as turmas mudam e mudam também os alunos que participam neste concurso, refere. “Tenho participado com alunos muito, muito diferentes, desde até de interesses. Mas normalmente todos eles aceitam o desafio que eu lhes lanço, participam com entusiasmo e vão seguindo as minhas orientações. E lá vamos ganhando de vez em quando”.

A físico-química nos ensinos Básico e Secundário em Portugal
A química surge nos currículos do ensino básico, no 7.º ano, com a disciplina de físico-química, assim se mantendo até ao 9.º ano de escolaridade. No ensino secundário, apesar de nos 10.º e 11.º anos continuar a ser ministrada com o mesmo nome, resulta no fundo de duas disciplinas separadas (com matérias e intervalos definidos de lecionação), mas ensinada pelo mesmo professor. Só no 12.º ano se autonomiza.

Os resultados obtidos num trabalho de investigação, datado de 2011, referente ao ensino das ciências físico-químicas em Portugal, reportam dificuldades na aprendizagem das ciências físico-químicas, não se restringindo a determinados contextos geográficos e/ou culturais.

Dificuldades que atualmente ainda se apresentam, como refere o membro da direção do Grupo dos Quimicos Jovens João António: “Quando nós vamos às escolas, nós fazemos sempre alguns questionários aos alunos, no fim, para ter uma ideia, se a química é algo que eles pretendem. Normalmente nós vamos às turmas na área das ciências e tecnologia, no início fazemos sempre um questionário e cerca de 25 por cento dos alunos diz que ponderaria ir para a área da Química. Cinquenta diz que não, e depois os outros 25 diz que não sabe. No fim, quando voltamos a perguntar, depois das nossas intervenções e depois de explicar um bocadinho quais são as saídas, como é que funciona, esse número normalmente costuma melhorar um bocadinho e portanto penso que é importante este trabalho porque neste momento está relativamente baixa”.

Após a conclusão do secundário, o número de alunos que realmente vai para a área de Química, não é elevado.

De acordo com dados estatísticos, apresentados pela Direção-Geral de Ensino Superior (DGES), relativos à escolha por esta área, no ano escolar 2022/23, apenas 0,63 por cento optaram pela vertente de Bioquímica. E dos que ingressaram 79,6 por cento acabaram por desistir no fim do primeiro ano.


Após a conclusão do secundário, o número de alunos que realmente vão para a área de química não é elevado.
Valores que não surpreendem João António, referindo este responsável que, para além de a área não ser à partida atrativa, quando comparada, por exemplo, com a informática “a química acaba por ser uma saída profissional não tão sexy”.