Um restaurante de Espinho distribuiu flores a todas as clientes que lá jantaram no Dia dos Namorados, em 2006, menos a Eduarda Maia, 59 anos, a única cigana presente na sala, disse a própria à agência Lusa.
"A comunidade cigana está em Espinho há dezenas de anos, procura ter uma vida social exemplar, mas ainda levamos todos os dias com atitudes destas", indignou-se Eduarda, dizendo sentir a barreira xenófoba "em cada gesto, em cada olhar".
Essa barreira experimentou-a também o filho de Eduarda, Ricardo, 39 anos, um diácono remunerado na Igreja Baptista Lírio dos Vales, em Espinho.
Num ápice, viu-se expulso, com a mulher e três filhos, da casa arrendada por intermediação de um amigo não cigano, mesmo tendo contrato assinado, fiador e pagamento adiantado de dois meses de renda, no valor global de 800 euros.
"A senhoria alugou a casa desconhecendo a nossa etnia mas, mal o descobriu, expulsou-nos aos berros, dizendo que não queria inquilinos ciganos e ainda agrediu a minha mãe, que teve de receber tratamento hospitalar", afirmou Ricardo.
Antes, o diácono sentira já o "peso da discriminação", quando, tal como outros ciganos, foi excluído do processo de atribuição de novas casas em Paramos, sul de Espinho, no âmbito do Programa Especial de Realojamento, por pressão expressa em abaixo-assinado.
Ricardo acabou por alojar-se provisoriamente em casa dos pais e, mais tarde, conseguiu arrendar uma habitação na periferia da cidade a um senhorio "compreensivo", onde, finalmente, se sente "em paz e não descriminado".
O mesmo não pode dizer Fernanda Silva, uma cigana de origem espanhola, que chegou a trabalhar para a autarquia de Vigo, e que depois de se radicar na Areosa, extremo norte da cidade do Porto, vai somando recusas de emprego.
"Obteve o oitavo ano de escolaridade, tem experiência em jardinagem, está disponível para um emprego a tempo parcial mas, quando vêem que é cigana, rejeitam-na de imediato", conta a assistente social Paula Pimenta, que tem acompanhado o seu drama.
Ao nível da educação, já há mais crianças ciganas nas aulas e menos pais xenófobos a protestar à porta de estabelecimentos de ensino que as acolheram, mas os níveis de escolarização da etnia são ainda desoladores.
A comunidade formou apenas uma dezena de licenciados, tem uma única estudante no ensino superior, a esmagadora maioria dos adultos é analfabeta ou tem escolaridade inferior a seis anos e o ensino de segunda oportunidade produz poucos resultados.
No caso da Areosa, o chamado ensino recorrente está a envolver ciganos adultos pelo menos desde o ano lectivo 2000/2001, com turmas de oito a 10 pessoas exclusivamente daquela etnia, mas só quatro conseguiram a certificação escolar.
"Uns desistiram, outros insistiram e quatro conseguiram finalmente a certificação", diz a assistente social Paula Pimenta.
"Ao princípio [no ano lectivo 2000/2001], nem sabia pegar no lápis, mas já sei escrever o meu nome e fazer contas", conta Fernanda, 25 anos, que frequenta o ensino recorrente com o seu marido, Alfredo, 26.
Fernanda, que sobrevive com o Rendimento Social de Inserção, não espera que a escola a ajude a arranjar emprego mas, pelo menos, permitirá saber o que dizem as cartas que lhe escrevem "sem dar a vida a conhecer a ninguém".
A mãe, Zulmira, 50 anos, é que nunca experimentou a escola, nem vai experimentar ("sei lá pegar na caneta!") e preocupa-se mais com a forma como as famílias da sua comunidade são realojadas.
"Em caixotes", critica, referindo-se aos apartamentos camarários.
Ouvidas no âmbito de um estudo da Paróquia da Areosa, cinco famílias ciganas tinham-se queixado já do mesmo e expressavam saudades pelo alojamento anterior, em casas térreas, rodeadas de hortas, onde "havia muito espaço" para poderem viver segundo os seus costumes, criar animais e praticar agricultura de subsistência.
O quadro generalizadamente adverso à comunidade cigana e de desrespeito pelos seus valores culturais é quebrado em Paços de Ferreira, onde, de acordo com a assistente social Mónica Cardoso, as três dezenas de residentes locais daquela etnia são "bem aceites" e ajudaram mesmo a desenhar a habitação que a autarquia lhes vai atribuir.
A habitação colectiva que vai abrigar as 30 pessoas ciganas vai adequar-se aos hábitos da comunidade, pelo que será construída em forma de "U", sem divisórias entre a cozinha e a sala comum, com espaços para lareira e até para alojar os animais.
Um arquitecto local estudou os costumes ciganos e desenhou a casa à medida, mas o projecto só passou a definitivo quando se introduziram algumas alterações sugeridas pela própria comunidade, oriunda de Trás-os-Montes mas radicada em Paços de Ferreira há decénios.
Por satisfazer ficou, no entanto, o desejo dos ciganos de se construírem quartos sem portas, refere Mónica Cardoso, que há cinco anos acompanha estas famílias ciganas: "Acabaram por ceder neste aspecto, entendendo o valor da privacidade", acrescenta.
Numa das barracas onde a comunidade ainda permanece, a matriarca, Soledade Ferreira, 49 anos, confirma a cedência, reconhecendo agora que ter quartos com portas "é bom" e dizendo que está em "ânsias" para estrear a nova casa.
Mas avisa, inabalável: "Se fosse um apartamento, preferia ficar aqui".