Portugal, país de Sol, praia e mar, teve nos últimos anos um forte aproveitamento destas potencialidades turísticas. O que se refletiu na economia. São mais de 600 as praias - marítimas e fluviais - que ocupam território português.
Mas não há bela sem senão. Porque onde o Homem passa fica um rasto de lixo. No final da época balnear, há muito mais do que conchas, pequenas pedras e areia nas praias.
A RTP quis conhecer esta realidade e, com a ajuda de investigadores que lidam com o assunto, ficámos a saber que há uma costa de lixo.
Aterros balneares
Na longa extensão marítima portuguesa existem centenas de zonas balneares concessionadas e não concessionadas. A presença humana contamina espaços, ecossistemas e meio ambiente. É com vista a chamar a atenção para problemas ecológicos e ambientais que vários grupos - entre ecologistas, ambientalistas, investigadores universitários ou mesmo a comunidade local - monitorizam e limpam estas zonas de lazer.
A reportagem procurou saber junto de um grupo de investigadores da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, que fazem parte do projeto Embaixadores da Biodiversidade e da MARE - Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, como estão algumas das praias do país.
Praia do Amanhã, Torres Vedras
Localizada a junto a Santa Cruz, Torres Vedras, a Praia do Amanhã, também conhecida como Praia da Vigia, apresenta-se rodeada de falésias, com acesso através de um pequeno vale que dá acesso a um vasto areal.Já encontramos nas nossas praias lixo chinês,
árabe, inglês, que não tem rotulagem qualquer portuguesa. Por isso o
nosso lixo vai parar aos outros continentes também" - Flávia Silva,
investigadora FCT/UNL.
No topo da arriba, um miradouro debruçado sobre o Atlântico mostra-nos muita da beleza natural, mas também esconde uma menos agradável realidade.
Esta praia praticamente selvagem foi uma das que contaram com a presença do grupo de trabalho de investigação universitária Embaixadores da Biodiversidade (FCT/UNL).
Flávia Silva, investigadora, descreve como é feito o trabalho de campo: “Não estamos a fazer uma recolha de lixo. É uma monitorização, para ter alguns resultados e uma base, com alguns dados. Limitamos a área, não fazemos a praia inteira. Neste momento limitamos aqui esta zona a 50 metros, para fazer a amostragem destes 50 metros. Por norma a metodologia são os 100 metros, mas teríamos de ter mais tempo e mais pessoas para ajudar”.
Flávia só podia contar, neste dia, com mais quatro elementos. Após três horas de monitorização o resultado foi o esperado. Lixo, lixo e mais lixo.
Lixo chega por terra e mar
É muito e diverso o lixo encontrado nas praias. Muitas vezes a surpresa é maior quando algumas embalagens encontradas tão-pouco estão rotuladas em português Algumas podem ter como origem os turistas estrangeiros, mas Flávia Silva explica que o ma também pode trazer lixo de outras partes do planeta.
"Nós encontramos lixo às vezes com alguns anos. Os detritos deixados na praia são arrastados e levados pelo mar, pelo vento, pela chuva, para os oceanos. Circulam com as correntes e podem vir parar a Portugal ou outros sítios no mundo. Já encontramos lixo chinês, árabe, inglês, que não tem rotulagem qualquer portuguesa. Por isso o nosso lixo vai parar aos outros continentes também", faz notar a investigadora da FCT.
Praia das Amoeiras – Santa Cruz, Torres Vedras
Quem segue pela costa no sentido sul da Praia da Formosa, em Santa Cruz, Torres Vedras, encontra o areal das Amoeiras, uma praia não concessionada junto à aldeia de Casais das Amoreiras, com acesso rodoviário restrito em terra batida.
Apresenta-se com uma faixa de areal muito extensa e as formações rochosas imersas na zona de banhos são uma constante. Em dias de mar mais agitado, a rebentação pode tornar-se muito forte. À semelhança de outras praias da região, esta é vistoriada periodicamente pelos Embaixadores da Biodiversidade, da FCT/UNL.
O lixo mais encontrado é esferovite, pedaços de plástico rígido e beatas.
Praia do Areal, Lourinhã
Situada junto à Praia da Areia Branca, na freguesia de Lourinhã, esta praia concessionada é palco de eventos nacionais de surf. Com um extenso areal, comporta diversos apoios balneares e sociais, incluindo uma biblioteca.
Esta praia também é alvo regular da equipa dos Embaixadores da Biodiversidade e, embora concessionada, o que obriga por lei à limpeza regular, o lixo também marca presença.
Os suspeitos do costume recaem nas beatas, mas os guardanapos descartáveis, maioritariamente compostos por fibras plásticas, marcam aqui território.
Concessionários obrigados a limpar praias
Todos os anos são publicadas em Diário da República as praias adjudicadas à concessão; este ano foram 611 as praias costeiras e de transição que foram dadas à concessão - com restauração, zonas delimitadas para áreas balneares, zonas de chapéus de Sol, apresentação de regras balneares, sinalização e nadador salvador, limitação marítima a embarcações e atividades de lazer e, claro, limpeza obrigatória e periódica do espaço em exploração.Temos intenção de, em colaboração com concessionários e autarquias, criar regras que obriguem os concessionários e lhes deem poder para evitar este tipo de comportamentos, como a aplicação de multas, mas multas a sério e cobradas na hora" - Ana Paula Vitorino, ministra do Mar.
Acontece que nem sempre todos os pontos são cumpridos à letra e a limpeza é um deles.
Limpezas não diárias, outras apenas efetuadas nas zonas mais rentáveis à exploração, ou uma limpeza mecânica com filtros pouco eficazes, são alguns dos exemplos que deixam um rasto de sujidade nos areais do país.
Mas a maior fatia de culpa é mesmo dos utentes.
Apesar da existência de sinalização, contentores para recolha do lixo e proibição prevista na lei, campanhas de sensibilização, o certo é que o lixo, biodegradável ou não, continua a ser deixado na praia.
Praia da Cruz Quebrada, Lisboa
Na foz do Tejo, junto a Oeiras, a Praia da Cruz Quebrada é uma das muitas praias da linha entre Lisboa e Cascais que servem veraneantes citadinos, bem como turistas.
A poucos metros da estação ferroviária e de fácil acesso, a Praia da Cruz Quebrada, devido à poluição marítima, fluvial e terrestre, já passou por dias mais complicados. Com um areal de dimensões razoáveis, delimitada a nascente pela foz do Rio Jamor, esta praia também é alvo regular dos investigadores universitários da FCT/UNL.
Além da monitorização, a Praia da Cruz Quebrada serve também de caso estudo. Esta praia e e uma outra localizada na margem sul (Praia do Segundo Torrão), precisamente no lado oposto, servem como comparação. No caso da Cruz Quebrada, a maioria do lixo é composta por materiais como os tubos plásticos dos cotonetes. Um cenário completamente diferente do outro lado.
É também com base neste estudo que é feita a comparação anual, referindo os investigadores que o decréscimo do número de itens encontrados, entre 2016 e 2017, se deve a vários fatores como limpeza e correntes, podendo estas variar de ano para ano.
Praia do Segundo Torrão, Trafaria
Localizada na margem sul, fazendo oposição à Praia da Cruz Quebrada, está a Praia do Segundo Torrão. Com vista desafogada sobre a foz do Tejo e tendo no horizonte a marginal de Paço de Arcos, esta praia não concessionada como vizinhos os silos de granéis sólidos alimentares Silopor.
É uma zona pouco utilizada para fins balneares, mas que não deixa de apresentar as vulgares características de uma praia com areal.
Junto ao bairro social que lhe dá o nome, a Praia do Segundo Torrão apresenta-se na quase totalidade com um sistema dunar. Os lixos aqui encontrados são resultado de depósitos urbanos e descontrolados, bem como da acumulação dos resíduos provenientes das correntes fluvial e marítima.
Segundo dados do departamento universitário MARE, os principais itens encontrados são garrafas de plástico e esferovite. Mas como referenciado no estudo da Praia da Cruz Quebrada, na margem norte da foz do Tejo, a diferenciação e valores dos itens encontrados, neste caso particular, deve-se apenas às correntes fluviais e marítimas. Esta é uma praia sem qualquer intervenção de limpeza sistemática.
Multas para quem faz lixo na praia
No ínicio de setembro, antes do fim da época balnear de 2017, a ministra do Mar, Ana Paula Vitorinio, anunciava que quem deixasse lixo nas praias seria fortemente multado.
"Muitas vezes a lei obriga a que os concessionários utilizem os descartáveis. Um concessionário não pode usar copos de vidro no areal, tem de usar um copo de plástico. Só se usa uma vez. Todo o material de apoio à concessão no areal tem de ser de plástico (...) Porquê? Por questões legais. Por questões de segurança" - José Carlos Ferreira, FCT/UNL.
"São precisas medidas que corrijam estes comportamentos (lixo nas praias) e por isso temos intenção de, em colaboração com concessionários e autarquias, criar regras que obriguem os concessionários e lhes deem poder para evitar este tipo de comportamentos, como a aplicação de multas, mas multas a sério e cobradas na hora", afirmou Ana Paula Vitorino na presença de jornalistas portugueses em Malta, à margem da conferência Our Ocean 2017, organizada pela União Europeia.
Segundo estudos científicos, todos os anos chegam aos oceanos dez mil toneladas de lixo, estimando os investigadores que em 2050 exista mais plástico do que peixe.
Ana Paula Vitorino referiu ainda que o combate à poluição por resíduos plásticos nos oceanos "exigirá um grande esforço de mudança de hábitos de desperdício e de recuperação de hábitos como a compra de produtos a granel, dispensando sempre que possível as embalagens".
Está a ser preparada legislação para regular e reduzir a utilização de embalagens. Todavia, contactado pela RTP, o Ministério do Mar não explicitou que medidas vão ser implementadas e quem vai executá-las.
Praia dos Galapinhos, Arrábida
Classificada por uns (European Best Destinations) como um pequeno paraíso perdido nas encostas da Serra da Arrábida, a Praia dos Galapinhos apresenta-se agora como um pequeno porto de lixo marinho.
De acesso íngreme, esta praia, localizada entre Galapos e Praia dos Coelhos, na vertente sul da Arrábida, serve os veraneantes mais atrevidos que arriscam chegar a pé até ao areal.
Foi criado um acesso pedonal com cerca de 100 metros. Antes deste, os utentes já tinham criado um carreiro tortuoso; caminho que, sem manutenção, rasga a paisagem, destrói o habitat natural e serve agora como depósito de lixo.
E o lixo não se fica pelas encostas, porque no areal os sinais de desperdícios estão bem presentes.
A investigadora Flávia Silva refere que o lixo ali deixado, mesmo acondicionado em sacos de plástico, acaba por se espalhar pela fauna local, atraída pelo cheiro dos restos alimentares, ou por ir parar ao mar com as chuvas e marés.
Praia de Faro, Algarve
Situada no Parque Natural da Ria Formosa, na Península do Ancão, a Praia de Faro apresenta um areal que se prolonga por cerca de cinco quilómetros, separando o sistema lagunar do Oceano Atlântico. Esta zona natural formada por pequenas penínsulas e ilhas arenosas que protegem uma vasta área de sapal, canais e ilhotes é também ela frequentada por milhares de pessoas, atraídas pela beleza natural, pelas águas temperadas e pelo Sol.
Com forte presença urbanística e uma intensa atividade turística durante o verão, esta praia serve todos os anos muitos veraneantes. Comporta, ao longo de todo o ano, diversas atividades desportivas, assumindo o Centro Náutico da Câmara Municipal um papel estratégico na promoção da canoagem, vela e windsurf e das atividades de empresas que operam no ramo da animação turística.
Durante a época balnear, esta instalação camarária conta ainda com o Centro Azul da Praia de Faro (centro de interpretação e educação ambiental da Bandeira Azul no concelho).
Ainda assim, o lixo não deixa de ser uma realidade.
Aqui o trabalho de monitorização é feito por uma associação ambientalista, a Straw Patrol, encabeçada pela bióloga marinha Carla Lourenço, do CCMar – Centro de Ciências do Mar na Universidade do Algarve.
"A realidade aqui, no Algarve, não é muito diferente da encontrada no resto do país, refere Carla Lourenço, por vezes e devido à pressão turística as praias apresentam um volume de lixo bastante elevado", explica.
A monitorização feita pela Straw Patrol não segue os mesmos padrões dos elementos da FCT/UNL. No entanto, a maioria dos itens recolhidos não difere muito daqueles que são encontrados noutras praias.
Consciencialização e literacia
Se criar lixo é fácil, arranjar solução para este problema é bem mais difícil. No caso do lixo biodegradável, este está minimizado com centrais de transformação, podendo os compostos servir para fins biológicos.
O caso muda de figura quando os lixos não se enquadram nessa categoria. Nem todos os detritos são convertíveis. E nem todo o lixo não degradável vai para o lugar certo.
José Carlos Ferreira, professor da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, refere que o problema do lixo em geral está não só na educação das populações mas também na produção de bens descartáveis.
"A componente de literacia, que achamos que é uma das fases mais importantes, é comportamental, passando depois para outras áreas de recolha dos resíduos dos lixos que vem do mar, dos deixados das pessoas, da quantificação ao nível do tipo de materiais e depois também ao nível da sua toxicidade, desde a recolha de lixo como estamos a fazer neste momento, até por exemplo ao estudos das vísceras dos peixes (…) Digamos que melhorou por um lado, piorou por outro (…) Porque muitas vezes a lei obriga que os concessionários utilizem os descartáveis", sustenta o docente.
"Por exemplo, um concessionário não pode usar copos de vidro no areal, tem de usar um copo de plástico. Só se usa uma vez. Todo o material de apoio à concessão no areal tem de ser de plástico. Não tem de ser de plástico há outras soluções e é esse o nosso trabalho. Mas neste momento são de plástico, porquê? Por questões legais. Por questões de segurança", acrescenta.
Tratar das praias não passa apenas pela consciencialização pessoal. É um processo lento, com muito trabalho de bastidores envolvendo a sociedade civil e atores oficiais como a Agência Portuguesa do Ambiente, legisladores e fabricantes.