Em Lisboa vivem milhares de cães domésticos, que diariamente sujam as ruas sob o olhar negligente dos donos. Num trabalho quase infrutífero, a autarquia tenta substituir-se aos donos limpando semanalmente mais de 16 mil cocós das ruas.
"Dar uma volta aqui no bairro é uma aventura, temos de ir com muita atenção para não pisar os cocós dos cães, porque os donos gostam de exibir os animais pelas ruas mas não gostam de apanhar o que eles fazem", critica Teotónio Gonçalves, morador em Alvalade.
Os passeios que diariamente faz depois do jantar assemelham-se a um difícil jogo de computador que muda de nível quando chega às ruelas menos iluminadas, onde é mais difícil detectar os dejectos caninos: "à mínima distracção, levamos para casa um cocó agarrado aos sapatos", lamenta Teotónio.
Fora os vadios e os "ilegais", só em Lisboa existem entre 15 a 20 mil cães registados que se apropriam das ruas da cidade como se fossem casas de banho, segundo dados do departamento de Higiene Urbana da Câmara Municipal de Lisboa.
O Regulamento Municipal dos Resíduos Sólidos de Lisboa define que a recolha dos dejectos caninos é uma obrigação dos proprietários dos animais e por isso estabelece coimas que vão entre os 36 e os 54 euros.
No entanto, um responsável da Polícia Municipal, entidade encarregue de fiscalizar esta situação, reconheceu que "são passados muito poucos autos por esse ilícito, porque é preciso apanhar as pessoas em flagrante delito".
"às vezes, a Polícia Municipal acompanha as brigadas camarárias e as poucas pessoas que são apanhadas em flagrante delito ainda têm uma última oportunidade para não serem autuadas: nós perguntamos, quer limpar ou ser autuado? E é raro não optarem por apanhar os dejectos", disse fonte da Polícia Municipal.
Para o vereador do pelouro da Higiene Urbana da Câmara Municipal de Lisboa, António Monteiro, a grande luta da autarquia é precisamente conseguir contrariar a "falta de civismo" de alguns donos. E nos últimos anos, a câmara tem tentado várias formas de sensibilizar as pessoas a tratar do cocó dos cães espalhado pela cidade.
"Foram lançadas campanhas como a da oferta de sacos plásticos, depois tentaram sensibilizar as pessoas distribuindo um kit com pinças e sacos para recolher os dejectos. Mas ambas as estratégias falharam porque as pessoas ou vandalizaram ou fizeram um uso indevido do material", recorda António Monteiro.
Fernando José da Silva, morador em Telheiras, classifica de "lamentável" situação lisboeta comparando-a com a de outras cidades europeias, onde a "reprovação social" tem um papel fundamental na educação das pessoas.
"Não me lembro da última vez que vi alguém a apanhar o cocó do seu cão. As pessoas andam com os cães à solta, o que também é punido por lei, não se envergonham e até ficam com um ar celestial quando os cães fazem cocó nos passeios. Lá fora, acontece precisamente o contrário", ironiza.
Cristina Mendes, moradora em Benfica, recorda o dia em que chegou do trabalho e reparou que, frente ao prédio onde mora, o passeio estava coberto de folhas de jornal que serviam de "alertas" para a presença de cocós.
"Nunca vejo carros camarários a limpar os passeios do meu bairro. Bem sei que os passeios também estão cheios de automóveis estacionados, o que dificulta a limpeza. Já por várias vezes ouvi as avós do bairro a comentarem que não gostam que os netos andem a brincar na rua porque está tudo cheio de cocós e os miúdos podem apanhar doenças", critica a moradora.
Histórias que explicam porque é que a autarquia tem de se substituir aos donos e assumir o encargo de limpar algumas ruas, num trabalho que se traduz "na recolha de 2.300 dejectos por dia, em média", segundo números avançados pelo vereador António Monteiro.
A autarquia tem actualmente cinco motas equipadas com aspiradores, os moto-cães, que percorrem algumas das ruas mais estreitas e antigas da cidade no encalço dos cocós, numa guerra aparentemente desigual.
Das 53 freguesias de Lisboa, 17 recebem a visita das cinco moto-cães. Campo de Ourique, Santo Contestável, Lapa, Mercês, S.
Mamede, Coração de Jesus, Encarnação, Pena, S. João de Arroios ou S.
João de Deus são algumas das zonas abrangidas.
Em declarações à Lusa, o vereador António Monteiro anunciou a aquisição de mais 27 moto-cães, que deverão passar a circular na cidade no início do próximo ano a par das varredoras mecânicas encarregues de limpar os passeios mais largos, quando estes não estão ocupados "ilegalmente com carros que impossibilitam o trabalho das equipas".
O vereador reconhece que os resíduos produzidos pelos animais "representam um problema de saúde pública" e revela que a autarquia estabeleceu um protocolo com a Faculdade de Medicina de Veterinária, que recolhe alguns dos cocós de cão espalhados pela cidade para os analisar e tentar controlar a situação.