Letras "pequenas" das bulas obrigam doentes a recorrer a uma lupa

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* * * Por Sandra Moutinho, da Agência Lusa * * *

Lisboa, 13 Jan (Lusa) - Os folhetos que obrigatoriamente acompanham os medicamentos têm letras demasiado pequenas para alguns doentes que se queixam de precisar de uma lupa para os ler - e as dificuldades aumentam com a idade, precisamente quando se tomam mais remédios.

Manuel Antunes, 66 anos, é diabético e já se habituou à toma diária de medicamentos, acrescidos de outros em alturas de crise. A doença tem deixado as suas marcas no corpo, principalmente nos olhos, onde lhe foi diagnosticada uma retinopatia diabética.

De tempos a tempos, este doente crónico tem necessidade de consultar o folheto informativo (bula) dos medicamentos e fá-lo sempre que tem de tomar um novo, seja para controlar a diabetes, seja para outra doença pontual.

"Sou muito rigoroso, pois tenho medo de misturar medicamentos e se tenho de tomar um novo, vou sempre ver se não são incompatíveis", contou à Lusa.

Mas esta é uma tarefa difícil, já que "as letras são muito pequenas", disse.

"Há 15 anos, quando me foi diagnosticada a diabetes, conseguia ler bem a bula mas agora é praticamente impossível", disse.

Farto de pedir à mulher ou aos vizinhos para que estes lhe lessem a bula, decidiu recorrer a uma lupa. Comprou-a numa papelaria e foi a própria dona da loja que lhe recomendou o modelo mais adequado, habituada a pedidos semelhantes por parte dos mais idosos.

Com a lupa junto ao armário dos medicamentos, Manuel Antunes já se sente mais seguro e só lamenta que, agora que consegue ler as letras, nem sempre entenda o que querem dizer. "É uma linguagem um pouco técnica demais", lamentou.

Esta foi, aliás, uma das deficiências detectadas num estudo da Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor (DECO) que concluiu que a linguagem utilizada pelos laboratórios nas bulas de medicamentos é "confusa, difícil de ler e desactualizada".

Na bula tem de constar, entre outros dados, o nome do medicamento, a composição qualitativa e quantitativa das substâncias activas, a forma farmacêutica, a categoria fármaco-terapêutica ou tipo de actividade, as contra-indicações, efeitos secundários mais frequentes ou sérios e acções a empreender quando ocorram, precauções especiais de utilização, modo e via de administração.

A informação é muita e poucos os que a entendem, conforme reconheceu à Lusa o bastonário da Ordem dos Médicos, Pedro Nunes, oftalmologista de profissão.

"Se, por um lado, existem doentes com dificuldade de visão que não conseguem ler as bulas por causa do tamanho da letra, entre os que o conseguem nem sempre a sabem interpretar, já para não falar dos iletrados", disse.

Por esta razão, Pedro Nunes é peremptório em afirmar que "não há bula - por maior que tenha a letra - que substitua a facilidade de acesso do doente ao médico e de uma boa relação entre o clínico e o farmacêutico".

"Se os médicos tiverem a oportunidade de esclarecer os doentes sobre os medicamentos e os seus efeitos, a bula torna-se dispensável", adiantou, lamentando que a pressão a que os clínicos estão sujeitos não permita que esta relação (médico-doente) seja mais próxima.

As críticas ao tamanho das letras das bulas e a sua ilegibilidade vão aumentando consoante a frequência com que estes têm de ser tomados e a idade dos doentes.

Queixas que não são exclusivo dos doentes crónicos e dos idosos. Maria tem 58 anos e a leitura faz parte dos seus dias - mas não a das bulas dos medicamentos que toma sempre que o médico receita.

Sem a ajuda da filha a leitura ficaria por fazer, já que alguns folhetos têm umas letras tão pequenas que nem junto à janela, com a luz do dia, as consegue ler.

Sem nenhuma doença crónica, Maria costuma consultar as bulas para saber se os medicamentos provocam alguns efeitos secundários graves ou significativas alterações, como ao nível da condução.

Com formação superior, Maria entende a maior parte das informações mas reconhece que existem partes tão técnicas que são incompreensíveis.

Para esta consumidora, o tamanho das letras das bulas é imoral, uma vez que há cada vez mais pessoas idosas, a quem estão associados mais problemas de visão, e por isso "são cada vez menos os que conseguem ler as bulas".

"Quem regula o sector devia mudar esta situação", mesmo que a alteração passe por mais papel e, logo, mais peso da embalagem, defendeu, concluindo que esta modificação é "um dever moral".

De acordo com as normas em vigor, determinadas pela Comissão Europeia, as informações das bulas devem ser impressas em caracteres com oito pontos Didot (2,96 milímetros) e com um espaço entre linhas de pelo menos três milímetros.

SMM.

Lusa/Fim


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