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KnowRisk, um projeto para nos fazer agir antes que um sismo aconteça

Nasceram já no novo milénio e só pela televisão viram as consequências que um terramoto pode ter. Estavam longe de existir quando Portugal tremeu a 28 de fevereiro de 1969, mas estarão agora mais preventivos e melhor informados do que muitos adultos. São alunos do 7.º ano e participam no KnowRisk, um projeto destinado a sensibilizar miúdos e graúdos para o risco sísmico não estrutural.

A sala de aula está aparentemente virada do avesso. As cadeiras enviadas para o fundo do espaço. Os alunos trocaram os cadernos, manuais e canetas por tintas, cola e pincéis. É dia de concluir as maquetes que alertarão a comunidade escolar para a importância das medidas não estruturais de proteção contra sismos.

Com mais ou menos trabalhos práticos, têm sido assim muitas das manhãs de terça-feira para esta turma do 7.º ano da Escola Rainha Dona Leonor, em Lisboa. Com conversas, palestras, visitas e atividades. Tudo em torno da proteção contra sismos.

A instituição é uma das duas escolas que participam no projeto KnowRisk, que envolve o Laboratório Nacional de Engenharia Civil e o Instituto Superior Técnico. A iniciativa é financiada pela Comissão Europeia e pretende sensibilizar as populações para o risco sísmico não estrutural.

“Através de um processo de intervenção em duas escolas estamos a testar estratégias de comunicação de risco ao público sobre questões de proteção sísmica não estrutural”, explica a socióloga Delta Sousa e Silva, uma das responsáveis do projeto.

O tema e os trabalhos concretizados parecem ser do interesse dos alunos. Mas são ainda poucas as turmas envolvidas nesse projeto. “Transmitimos bastante informação mas a poucos alunos. Gostaria era que isto chegasse ao maior número possível de pessoas”, explica o engenheiro civil Mário Lopes, co-coordenador do KnowRisk em Portugal.


Como comunicar o risco?

O projeto, que envolve ainda parceiros italianos e islandeses, ultrapassa as paredes da sala de aula e os próprios alunos. A grande questão da comunicação de risco é o que nos leva a agir. O que nos faz ver o perigo como autêntico e tomar medidas antes que ele se torne real.

“É um processo longo, feito de avanços e recuos. Pode ser estimulado por via da informação, dos média e de campanhas de sensibilização, ou até, de uma forma mais brutal, por via da experiência de desastre”, explica a socióloga Delta Sousa e Silva. Quem acompanhou grandes sismos tende a agir de outra forma.

“Os adultos que vivenciaram o sismo de 1969 têm uma perceção diferente. Aqueles que têm memórias deste acontecimento lembram-se, partilham e ouvem com bastante atenção os conselhos que damos”, constata Paulo Henriques do Serviço Municipal de Proteção Civil de Lisboa. Apesar de acreditar que “as pessoas estarão mais sensibilizadas do que há uns anos atrás”, Paulo sabe que o risco sísmico não é o que mais atenção desperta nos portugueses.
Portugueses esquecem o risco
Ao contrário do que tem acontecido em países como Itália, Portugal não tem sido afetado por sismos devastadores. O último grande terramoto aconteceu a de 28 de fevereiro de 1969, tendo tido magnitude de 7,9 na escala de Richter, com o epicentro localizado a cerca de 200 quilómetros a sudoeste de Sagres. Provocou 13 vítimas mortais em Portugal Continental.

“Podemos ter sismos muito destruidores como o de 1755, mas há espaços muito grandes entre eles. Isso faz com que as pessoas se esqueçam rapidamente da importância do risco sísmico”, conclui Paulo Henriques.

Se Portugal não tem sido afetado, as imagens da destruição provocada por eventos sísmicos chegam com frequência ao país. Cenários de destruição completa como as que chegaram do sudeste asiático em 2004, ou mais recentemente de Itália.


Stefano Rellandini - Reuters

O terramoto de Amatrice, com magnitude 6,7 na escala de Richter, provocou 299 mortos. Apesar das imagens, a socióloga Delta Sousa e Silva nota o pouco resultado prático que as catástrofes lá fora têm no comportamento dos portugueses.

“Podem levar a pessoa a pensar sobre o assunto mas podem não fazer com que ela personalize o risco”, explica. Ou seja, não se traduz na tomada de medidas preventivas, pelo menos a longo prazo. “É muito importante neste processo cognitivo e social de decisão de adição de medidas protetivas nós personalizarmos o risco. Nós entendermo-nos como passíveis de sofrer”, aponta.

É toda a questão por trás da comunicação de risco que está associada ao KnowRisk. Qual a melhor forma de alertar para os riscos? O que dizer e como mostrar que há medidas simples que podem evitar cenários catastróficos perante um sismo? Afinal, o que nos leva a agir?

“É muito difícil motivar. Mas não é impossível e acho que o segredo é ser sistemático na comunicação de risco. Ou seja, não ser um epifenómeno, uma casualidade que é feita porque há um projeto europeu. Tem de ser uma coisa mais sistemática”, acredita a socióloga do LNEC. “Os comportamentos protetivos têm de penetrar nas nossas rotinas quotidianas”, avisa.


Da maquete para o lar
É sob este olhar que decorrem as atividades na Escola Rainha Dona Leonor. É por isso que se juntam às palestras mais tradicionais uma visita ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil, discussões com cientistas e atividades mais lúdicas e participativas. Como a construção da maquete de uma casa.

“Levámos várias peças de mobiliário e eles eram convidados a montá-las. Fez parte de uma etapa importante de apropriação do objeto. Para nós, era importante que os alunos considerassem que aquela era a sua maquete”, explica a arquiteta Marta Vicente.

Mobilada a habitação, os alunos puderam observar as consequências que um sismo teria naquela casa. “Que estante é que caía e ficava a bloquear uma porta. Que roupeiro é que caía sobre uma cama? Puderam observar o que acontecia e depois foram convidados a reorganizar o espaço de forma segura e complementar essa organização com outras medidas de proteção”, adianta a arquiteta do LNEC.

O objetivo é que as crianças entendam os efeitos que os sismos podem ter nas suas próprias casas. “Imaginar o que pode acontecer na minha casa é fundamental para eu depois agir”, nota Delta Sousa e Silva.



Por agora, a mensagem parece estar a passar. Inês, Beatriz e Madalena ocuparam-se da sala de uma das maquetes. Fizeram questão de colocar cortinados mais resistentes nas janelas.

“Os vidros têm muita tendência a partir quando há sismos. Assim, com os cortinados, os vidros não saltam para cima das pessoas que estejam no sofá”, justifica uma das meninas de 12 anos. A lição parece interiorizada. A grande questão é se as ações passam da maquete para a casa onde vive.

“Temos tentado prender os armários à parede”, garante Madalena. Francisco avisou os pais para o mesmo problema e decidiu adotar outras medidas: arranjou um kit de emergência. “Pus comida, roupa e água”, explica. Guardou tudo numa pequena mochila no armário.

“Sentimos que eles estavam a interiorizar toda a informação. Se isto passa para a ação é uma grande interrogação”, confidencia a socióloga Delta Sousa e Silva. “O processo de tomada de comportamentos protetivos não é uma coisa do sim ou não, do tudo ou nada. É feito de avanços e recuos”, explica.

Fica também por esclarecer se é cumprida uma das missões do projeto: fazer com que, através dos filhos, a mensagem chegue aos pais. “É o nosso objetivo. Não sabemos se isso vai acontecer ou não”, confia Delta. Uma primeira resposta chegará dentro de alguns meses, quando os alunos tiverem de responder a um inquérito.

Por enquanto, o balanço é positivo. “Subestimamos aquilo que os adolescentes sabem ou não sabem sobre sismos”, garante Delta. Fica a certeza de que “a sensibilização para o risco sísmico não pode ser uma coisa que ocorra casualmente”. Os portugueses estão hoje mais preparados, mas nunca o suficiente.