A juíza que condenou o ativista antirracista Mamadou Ba no processo movido pelo militante neonazi Mário Machado por difamação enviou ao Ministério Público uma certidão extraída do processo com declarações do ativista que visam o juiz Carlos Alexandre.
No despacho datado de 01 de junho, a que a Lusa teve acesso, a juíza Joana Ferrer determinou enviar para o Departamento de Ação e Investigação Penal (DIAP) de Lisboa a certidão extraída da ata da sessão de julgamento em que Mamadou Ba, proferindo as suas alegações finais, se referiu ao então juiz de instrução e ao seu despacho de pronúncia -- que levou o ativista a julgamento -- como "uma das maiores borradas institucionais do juiz Carlos Alexandre".
Para Joana Ferrer, as declarações, lidas a partir de um documento escrito levado pelo arguido, "logo, um documento certamente refletido e por si ponderado", representam "uma tentativa de condicionamento" da própria juíza, e que tiveram seguimento em declarações à comunicação social no final da sessão, "em que o arguido apontou ao Ministério Público uma `capitulação` perante a extrema-direita".
"Declarações que, no nosso entender e sem margem para outra interpretação, acentuadas por um tom de `aviso`, adensaram a tentativa de condicionamento da decisão que iria ser proferida", defendeu Joana Ferrer.
Para além da certidão extraída, e de cópia do CD com a gravação da sessão, a juíza enviou também para o DIAP certidão de despachos de 14 de junho de 2023 e 14 de julho de 2023 referentes a uma "turbulência inédita" nas sessões de julgamento deste caso, na sala de audiências, algo a que "nunca antes tinha assistido, e ao longo de cerca de 29 anos de carreira".
Recordou a magistrada que a situação a obrigou, "por questões de segurança", a determinar a redução na assistência pública e a solicitar a presença da PSP na sala de audiências, defendendo que "todos os aspetos descritos devem ser objeto de uma avaliação conjunta".
A juíza decidiu ainda dar conta destes procedimentos ao juiz Carlos Alexandre, agora desembargador na Relação de Lisboa.
No mesmo despacho, Joana Ferrer declara-se impedida de repetir o julgamento de Mamadou Ba contra Mário Machado, tal como determinado pela Relação de Lisboa em abril deste ano, argumentando que esse impedimento é o que resulta da lei.
Joana Ferrer cita o artigo 40.º do Código de Processo Penal para sublinhar que os juízes estão impedidos de intervir em julgamentos quando tiverem participado em julgamento anterior, referindo que "não apenas participou no julgamento anterior, mas realizou-o, na qualidade de juiz titular".
O Juízo Local Criminal de Lisboa tinha condenado, em outubro de 2023, Mamadou Ba a pagar 2.400 euros de multa por ter difamado Mário Machado. Em causa neste processo está uma publicação nas redes sociais em que Mamadou Ba escreveu que Mário Machado foi uma das figuras principais do homicídio, na noite de 10 de junho de 1995, do jovem negro Alcindo Monteiro, no Bairro Alto, em Lisboa, cometido por elementos neo-nazis.
O Tribunal da Relação de Lisboa anulou a decisão e mandou repetir o julgamento.