O partido Juntos Pelo Povo (JPP) quer que a juíza que anulou a perda mandato do presidente e de um vereador da maioria PSD/CDS-PP na câmara da Maia seja afastada do processo por "desconfiança sobre a imparcialidade" da mesma.
No requerimento a que a Lusa teve hoje acesso, e que tecnicamente se designa por "incidente de suspeição", são descritas relações dos autarcas com Ana Paula Portela, juíza que revogou as decisões judiciais anteriores de perda de mandato do presidente da câmara da Maia, António Silva Tiago, bem como do vereador Mário Nuno Neves, ambos eleitos pela coligação PSD/CDS-PP nas eleições autárquicas de 2017.
Este pedido deu entrada no Supremo Tribunal Administrativo (STA), bem como no Ministério Público e na Provedoria Geral da República.
"A verdade é que, na presente data, o recorrido [partido JPP] tem fundada desconfiança sobre a imparcialidade da senhora juiz conselheira relatora, apresentando a presente suspeição/recusa, não só pela clara deficiência da aludida decisão, que per se não seriam motivo para o presente incidente, mas cujos vícios e contradições são notórios, bem como os erros crassos e grosseiros, o que terá motivado o recorrido a perceber da existência de laços familiares e políticos aos recorrentes", refere o documento.
Na base deste requerimento está um processo intentado pelo JPP, partido que em coligação com o PS é oposição na câmara da Maia, distrito do Porto.
No dia 30 de outubro foi tornado público que o STA anulou a decisão de setembro de 2019 do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) que dava conta da perda mandato do presidente e de um vereador da maioria PSD/CDS-PP, da qual os visados recorreram.
Esse processo durou cerca de dois anos e que tem como base uma dívida de quase 1,5 milhões de euros da TECMAIA - Parque de Ciência e Tecnologia da Maia, empresa municipal entretanto dissolvida.
Esta dívida foi, em dois períodos e mandatos autárquicos distintos, assumida e paga pela câmara da Maia, no distrito do Porto. No entanto, o Fisco atribuía a dívida ao anterior presidente da câmara Bragança Fernandes, bem como ao atual líder do município, António Silva Tiago, e ao vereador Mário de Sousa Nunes, enquanto ex-administradores da TECMAIA.
Em novembro de 2019 o Tribunal de Contas (TdC) considerou ilegal o pagamento pela câmara da Maia da dívida imputada aos ex-administradores da TECMAIA.
"O presente relatório evidencia ilegalidades na autorização e pagamento, através do orçamento camarário, de dívidas fiscais de uma E.L., TECMAIA, dissolvida por força da alínea d) do n.º 1 do art.º 62.º da Lei 50/2012, de 31 de agosto, que, não dispondo, à data, de bens, tinham as dívidas sido revertidas para os administradores, não tendo estes deduzido oposição à reversão fiscal", lia-se no relatório que tem como nome "Auditoria Orientada para Apuramento de Responsabilidade Financeira" ao qual a Lusa teve acesso.
Em janeiro, o Ministério Público (MP) considerou que a dívida da TECMAIA paga pela Câmara da Maia era da responsabilidade dos administradores eleitos.
Depois de decisões judiciais anteriores terem excluído de responsabilidade o anterior presidente e condenado o atual e o vereador, o STA não viu matéria para responsabilizar os eleitos.
O Supremo considerou que "a questão da responsabilidade do Município pelas dívidas fiscais dessa empresa municipal é discutível atendendo a que o Município era acionista, com posição dominante, na empresa municipal em causa, responsável pelo seu equilíbrio financeiro".
O JPP já recorreu desta última decisão, falando em "argumentos que não passam de patentes, crassos, manifestos, grosseiros, erros de direito em que incorreu o acórdão" do STA.
Já no incidente de suspeição a que a Lusa teve hoje acesso estão descritas relações pessoais da juíza Ana Paula Portela, autora do acórdão do STA que anula a perda de mandato, nomeadamente a relação de parentesco com políticos da esfera do PSD.
Entre outros pontos, o JPP argumenta que "concordando-se ou não com a gravidade de um eleito local utilizar mais de dois milhões de euros do erário público para proveito pessoal e a ressonância ético-social que daí decorre, o STA é claramente livre de decidir conforme entender que deve ser feita justiça".
"Terá é que fazê-lo partindo das premissas corretas e com uma fundamentação sólida e coerente, o que manifestamente entendemos que não se verificou", acrescenta, entre outros argumentos que visam pedir o afastamento da juíza citada e a anulação do acórdão.