Lisboa, 22 abr 2020 (Lusa) -- A capacidade de acolhimento de refugiados é insuficiente para as necessidades, defende a Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR), que critica a falta de planeamento no caso do hostel de Lisboa, conhecido há muito pela tutela e outras entidades.
"As autoridades responsáveis nesta matéria, nomeadamente a própria tutela, o Ministério da Administração Interna (MAI), através do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), sabem onde é que estas pessoas se encontram e sabem em que condições se encontram. Aliás, a própria Segurança Social e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), para além do Conselho Português de Refugiados (CPR), sabem da situação e não é uma situação nova, é de há muito tempo", disse à Lusa o coordenador da PAR e diretor-geral do Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS), André Costa Jorge.
Um hostel em Arroios, Lisboa, que albergava centenas de requerentes de asilo em Portugal, foi evacuado no domingo, depois de um dos 170 cidadãos estrangeiros ali residentes ter testado positivo para covid-19, ao que se seguiram mais de uma centena de casos positivos.
Segundo André Jorge, dos cerca de 1.100 a 1.200 requerentes de asilo que chegam em média anualmente a Portugal, 900 serão colocados em unidades hoteleiras por falta de capacidade de infraestruturas do Estado para o acolhimento destas pessoas.
"O que temos dito, não só sobre os requerentes de asilo, mas também da capacidade de acolhimento de refugiados dos programas de reinstalação em Portugal, é que é necessário criar, ampliar e melhorar as infraestruturas para que se consiga atingir o rácio de acolhimento compatível com o número de refugiados que chegam em média a Portugal", disse.
O responsável dá como exemplo do centro de acolhimento em Lisboa do CPR para requerentes de asilo, com uma capacidade para 60 pessoas.
"Se o Estado português, que é o primeiro responsável por estas pessoas, só consegue dar resposta a 60 pessoas e no entanto chegaram 1.200 a questão que se coloca é onde ficam as restantes. O que esta situação torna manifesto e traz à tona é que as tais 900 pessoas que estão em `hostels` e outras infraestruturas hoteleiras foram encaminhadas para aí porque a capacidade de acolhimento atingiu o seu limite há muito tempo", afirmou.
André Jorge, que sublinhou que a situação deste hostel é há muito conhecida das autoridades, disse também que "não será muito diferente de outras situações semelhantes em outras unidades hoteleiras", não permitindo condições de isolamento e aumentando riscos de contágio.
A pressão turística em Lisboa e a sobrelotação e falta de resposta hoteleira na cidade antes da pandemia ajuda a explicar o aglomerado de pessoas no hostel, uma "resposta provisória" que o CPR reconhece estar longe do ideal e das recomendações internacionais.
Mas André Jorge alerta que o Estado não pode trabalhar sempre com base nas respostas provisórias, "porque às tantas o provisório torna-se definitivo", criticando a falta de planeamento.
"O problema aqui é a falta de capacidade, não há assim tantas estruturas de acolhimento. Temos procurado demonstrar aos políticos a necessidade de se criarem estas infraestruturas planeando e preparando não só o que está a acontecer agora, mas antecipando também um pouco o futuro. Esta situação tornou-se evidente pela situação de pandemia que estamos a viver, mas ela não é uma situação de agora, é uma situação anterior", disse, recordando que existem fundos europeus disponíveis para essa finalidade.
Para André Jorge a situação do hostel de Arroios deve também servir como perspetiva sobre o que é o acolhimento de emergência, com Portugal a ter a vantagem de poder trabalhar sem a pressão migratória que existe em países como Itália, Grécia ou Malta, e sem enfrentar situações como as dos campos de refugiados na Grécia, com milhares de pessoas, incluindo crianças.
Nesses casos, disse, as pessoas estão "em situação de confinamento forçado, que não permite o acesso a água, não permite o acesso ao distanciamento social, não permite o acesso à alimentação ou a cuidados médicos e medicamentosos".
A Base Aérea da Ota, em Alenquer, começou a receber na segunda-feira 171 cidadãos estrangeiros, de 29 nacionalidades, parte deles infetados por covid-19, oriundos de um hostel em Lisboa.
O grupo foi instalado num bloco de camaratas construídas nos anos 60 para apoio às forças envolvidas na Guerra do Ultramar.
Preparadas para receber, durante a pandemia, doentes que não tivesse condições de efetuar a quarentena em casa ou utentes de lares, as instalações foram na segunda-feira "adaptadas" para "um grupo muito heterogéneo, volátil e complexo" de pessoas, segundo o comandante da base aérea, o tenente-coronel Rui Romão.
Dos 171 alojados, 136 dos quais testaram positivo para a covid-16, a grande maioria são oriundos "da Gâmbia, Guiné Bissau e Senegal", mas há entre eles "línguas tão diversas como o árabe", explicou o comandante.
Os migrantes estão alojados em camaratas com capacidade para 16 pessoas, mas com uma ocupação de apenas oito, dispondo de casas de banho e áreas de alimentação em cada um dos edifícios.
De acordo com o comandante da base, o espaço foi ainda adaptado "para se poderem movimentar num telheiro exterior" e para poderem fazer exercício "na área em redor dos edifícios", vedados num perímetro de confinamento assegurado em parceria com a Marinha e o Exército.