O incêndio da noite de sábado na associação recreativa de Vila Nova da Rainha, no concelho de Tondela, provocou oito mortos e 38 feridos. O fogo terá sido provocado por uma salamandra mas aponta-se também o dedo à falta de condições de segurança do edifício. Apesar de o socorro ter sido rápido, as medidas de autoproteção do edifício falharam.
Ao tentarem fugir, muitos dos sobreviventes ficaram encurralados e entraram em pânico. A maioria das vítimas sofreu queimaduras ou intoxicações por inalação de fumo. A Polícia Judiciária está a investigar.
O que aconteceu?
Mais de seis dezenas de pessoas enchiam a sede da Associação Recreativa Cultural e Humanitária de Vila Nova da Rainha, no concelho de Tondela, naquela que prometia ser uma noite animada, entre a transmissão televisiva dos jogos de futebol e o torneio de sueca que decorria no primeiro andar do edifício.
Foi precisamente nesse primeiro andar que teve início o fogo, depois das 20h00 de sábado. “O teto incendiou-se ao pé do tubo. Foi um instantinho, fui dos primeiros a fugir”, explica Carlos Ferreira, um dos sobreviventes.
A salamandra que estava a ser usada para aquecer o piso superior terá provocado uma forte ignição no teto falso, fazendo rapidamente colapsar o teto falso e enchendo o espaço de fumo.
O que falhou?
Perante a dimensão da tragédia, aponta-se o dedo à falta de medidas estruturais de proteção no edifício. “É perfeitamente claro que as medidas de autoproteção do espaço não estariam garantidas para 70 pessoas”, explica Manuel Veloso à RTP, responsável da Associação Nacional dos Alistados das Formações Sanitárias. Veloso recorda que mais de metade das pessoas que ali se encontravam morreram ou sofreram ferimentos.
O edifício apresenta dois andares com três portas para o exterior. Foi precisamente junto a uma das portas que os bombeiros encontraram amontoados corpos das vítimas mortais: a porta mais próxima das escadas que dão acesso ao primeiro piso, que não estava equipada com barras antipânico e que abria para dentro. Esta porta acabou por ser retirada pelos populares que se encontravam no exterior, com recurso a um jipe.
“É um problema que acontece em todo o país. Uma sala com 70 pessoas é natural que necessitasse de alguma abordagem de segurança, nomeadamente ao nível da evacuação para o caso de acontecer um problema como aconteceu”, afirma Ricardo Ribeiro da Associação de Técnicos da Proteção Civil.
O Presidente da República afirma que a associação cumpria os requisitos para a sua atividade mas surgem dúvidas esta segunda-feira. O jornal Público escreve que o edifício tinha sofrido obras há uma década, não sendo certo que estas tenham sido licenciadas. Sabe-se já que o espaço não tinha sido vistoriado pelos bombeiros.
Esta segunda-feira, o presidente da Câmara Municipal de Tondela indicou que o edifício foi alvo de “uma obra de adaptação para servir de sede da associação em 1992”, tendo a obra recebida o devido licenciamento.
O processo foi "instruído com a legislação em vigor à época, incluindo o projeto de arquitetura e demais projetos de engenharia, elaborados com termo de responsabilidade do autor", acrescentou.
O autarca esclareceu ainda que "obras de conservação ou de alterações de interiores que porventura tenham sido introduzidas após o licenciamento são isentas de licenciamento".
"Presume-se a existência de licença de utilização", afirmou, acrescentando que, "sempre que há conhecimento formal de que alguma obra não tenha requerido a autorização de utilização, o município procede à notificação dos proprietários para a sua regularização".
Outro aspeto referido na imprensa desta manhã são os materiais utilizados na construção do edifício. O teto falso estava revestido de poliuretano, um material de combustão rápida. O contacto com o tubo de exaustão da salamandra provocou um fogo que rapidamente fez colapsar o teto falso.
De momento, o que parece não ter falhado foi a resposta das autoridades. O fogo foi extinto às 22h00, uma hora depois de ter sido dado o alerta. A ocorrência levou à mobilização de 170 operacionais, entre os quais se encontravam bombeiros, elementos da GNR e equipas de emergência médica. “Tudo funcionou”, avaliou o Presidente da República.
As vítimas
O incêndio provocou oito mortos e 38 feridos, entre os quais se encontram quatro com prognóstico reservado. Do total de feridos, 16 tiveram de ser transferidos para as unidades de queimados de Porto, Coimbra e Lisboa.
Ao início da manhã desta segunda-feira permanecem internadas 28 pessoas em instalações hospitalares de Tondela-Viseu, Porto, Coimbra e Lisboa.
A maior parte das vítimas tem entre 50 e 70 anos. Alguns têm problemas de mobilidade, amputações, obesidade e outras patologias. Alguns dos feridos foram internados essencialmente para estabilizarem os níveis de monóxido de carbono devido à inalação de fumo.
Outros sofreram queimaduras na cabeça, tronco e membros superiores e traumatismos durante a fuga. Estão ainda profundamente abalados pelo que aconteceu, tendo sido mobilizadas equipas de psicologia e assistência social.
Tondela declarou três dias de luto municipal pelas vítimas do incêndio em Vila Nova da Rainha.
Outra vez de luto
A tragédia de Vila Nova da Rainha aconteceu menos de três meses depois da grande vaga de incêndios de outubro de 2017. O fogo tinha devastado o concelho de Tondela, incluindo esta freguesia, apesar de não ter provocado vítimas entre os seus habitantes.
Agora, o incêndio na associação recreativa provocou oito vítimas mortais, quatro dos quais são habitantes de Vila Nova da Rainha. “O que eu consegui perceber foi que temos aqui uma tragédia, que ainda não nos tínhamos livrado de uma e temos aqui outra, acho que até pior que a anterior”, desabafa uma das habitantes à reportagem da RTP.
Desta vez, a tragédia assolou um dos grandes eventos da freguesia numa associação recreativa onde se realizavam muitos convívios. O torneio de Sueca ia na 16ª edição na Associação Cultural, Recreativa e Humanitária de Vila Nova da Rainha e recebia também gente de fora. Os acontecimentos de sábado representam mais um duro golpe numa região que tenta recuperar aos poucos e que volta a deparar-se com a tragédia.
“A freguesia já é pequenina, já é pobre, está destruída com os incêndios que em outubro derreteu as casas todas. Queimou tudo. Eu também sou um lesado que fiquei sem nada, só com a casa da habitação, e agora ainda mais quatro mortos”, conta um dos locais. Três meses depois, Vila Nova da Rainha está outra vez de luto.
O que disse Marcelo?
O Presidente da República tinha já prometido voltar em breve as regiões atingidas pelos incêndios de outubro. Este domingo, uma nova tragédia levou Marcelo Rebelo de Sousa a antecipar a ida a Tondela.
O chefe de Estado chegou depois do meio-dia para ver com os próprios olhos as consequências do incêndio na associação recreativa. O Presidente da República destacou a forma como foi prestado o socorro às vítimas.
“Da saúde à proteção civil, passando pelo contributo da Força Aérea, pelas estruturas de socorro mais próximas ou mais distantes, de transporte, de evacuação. Tudo funcionou. Todos estiveram à altura das circunstâncias, numa situação daquelas que nós desejaríamos não ter ocorrido”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa.
O chefe de Estado pediu às populações locais para que “não desmobilizem”. “Há famílias com dor, há famílias que ainda não passaram 24 horas, que não percebem o que aconteceu e estão sob choque. É outro desgosto, é outro choque, é outro drama a juntar à tragédia de outubro. Uma coisa é certa, o país está aqui unido convosco”, garantiu.
Para além da Presidência da República, também o Governo se fez representar na região. O ministro da Administração Interna deixou “um compromisso de empenho, sobretudo para aqueles que ainda estão a lutar pela vida” nos hospitais.