Humoristas respondem a ameaça de processo pelo juiz Neto de Moura

por RTP
“Não deve ser fácil ter um país inteiro a chamar-lhe retrógrado, misógino e machista só porque ele é retrógrado, misógino e machista" - Ricardo Araújo Pereira João Relvas - Lusa

Depois de o juiz Neto de Moura ter anunciado que vai processar vários humoristas, jornalistas, políticos e comentadores que o criticaram na sequência de acórdãos polémicos, surgiram durante o fim de semana várias respostas por parte dos visados e de outras personalidades públicas. Ricardo Araújo Pereira e Bruno Nogueira, dois dos humoristas de maior renome que o magistrado vai processar, reagiram à decisão nos respetivos programas.

A “lista negra” de Neto de Moura inclui várias personalidades públicas, incluindo políticos como Mariana Mortágua ou a comentadora Joana Amaral Dias. Foi revelada no último sábado pelo Expresso. As reações multiplicaram-se durante o fim de semana, mas o início desta semana fica marcado pela reação dos humoristas.

Na sua rubrica diária na TSF, Tubo de Ensaio, Bruno Nogueira e João Quadros respondem esta segunda-feira com humor. “Antes fazer parte da lista negra deste senhor do que da lista violácea de mulheres agredidas por maridos, amantes ou ex-maridos e ex-amantes que tiveram de passar pelas suas mãos em decisões e acórdãos tomadas por vossa senhoria em tribunal”, sustentam.  

Em resposta à publicação da lista de figuras públicas que o juiz desembargador pretende processar, os dois humoristas lançam igualmente críticas ao advogado escolhido, mas também à Associação Sindical de Juízes Portugueses. 

“O juiz sente-se ofendido e está no seu direito. Se o senhor não se sentisse ofendido, provavelmente eu não estava a fazer bem o meu trabalho" - Bruno Nogueira 
“A Associação de Juízes acha que enxovalhamos o doutor Neto de Moura quando basicamente quase só fizemos citações do acórdão”, diz Bruno Nogueira, que se refere jocosamente às palavras de Manuel Soares, presidente da referida associação: “Um juiz também tem direitos, não é apenas um saco de pancada. Já uma mulher (…) aguente-se”.

Bruno Nogueira diz ainda sentir-se “ofendido” com o que o juiz Neto de Moura escreve nos acórdãos e cita os dois casos mais mediáticos, incluindo o de uma mulher espancada pelo marido, com agressões que lhe perfuraram o tímpano, - agressor a quem o magistrado retirou pulseira eletrónica – e ainda o caso da mulher que foi alvo de violência com uma moca com pregos por ex-marido e pelo amante.  

Neste último, o juiz do Porto justificou a pena suspensa com o facto de a vítima ter cometido adultério, recorrendo a citações da Bíblia para fundamentar a decisão.  

“O juiz sente-se ofendido e está no seu direito. Se o senhor não se sentisse ofendido, provavelmente eu não estava a fazer bem o meu trabalho. Também me sinto ofendido com o que o senhor escreve nos seus acórdãos”, aponta Bruno Nogueira na crónica que é também escrita por João Quadros.  

O humorista diz-se surpreendido ao “descobrir que o juiz que desvalorizou agressões a uma criança de quatro anos e respetiva mãe, afinal, tenha tamanha sensibilidade”  

“Um juiz que trai o Código Civil e usa o preconceito da Bíblia e até leis de 1886 não tem qualquer probidade moral nem para ser juiz, quanto mais para dar lições de moral seja a quem for”, diz Bruno Nogueira.  

Já a pensar no julgamento, Bruno Nogueira garante: “Não vou levar uma moca com pregos para o agredir, mesmo sabendo que isso me poderia valer a absolvição”.  

Outro humorista a reagir foi Ricardo Araújo Pereira, no seu programa semanal na TVI, Gente Que Não Sabe Estar, volta à carga com críticas aos acórdãos polémicos e acusa jocosamente o juiz de desvalorizar episódios de violência.  

“Na perspetiva dele, rebentar um tímpano ainda é como o outro, agora escárnio, sarcasmos, isso aleija”, refere. 

Ricardo Araújo Pereira diz que o magistrado “apela ao poder de encaixe das mulheres no que toca a socos, mas tem dificuldade em encaixar paródia”.“Não deve ser fácil ter um país inteiro a chamar-lhe retrógrado, misógino e machista só porque ele é retrógrado, misógino e machista" - Ricardo Araújo Pereira

O humorista traça uma situação hipotética em que uma mulher se queixa em tribunal, mas não de violência física.  

“Meritíssimo, ele realmente deu-me várias tareias, nada a dizer. Mas contou-me três anedotas que me amesquinharam tanto!”, diz Ricardo Araújo Pereira.  

Também o humorista se imagina no banco dos réus na sequência do processo que o juiz prometeu encetar: “Gostava de ser julgado pelo próprio Neto de Moura. Ele sentiu-se agredido por mim e ele costuma estar ao lado dos agressores. Em princípio não me acontece nada”, apontou.  

Ricardo Araújo Pereira apontou ainda que “não deve ser fácil ter um país inteiro a chamar-lhe retrógrado, misógino e machista só porque ele é retrógrado, misógino e machista”.

A finalizar o programa, o humorista lançou um jogo “para salvar o juiz Neto de Moura das ofensas da opinião pública”, para que este chegue “a casa limpinho para escrever mais acórdãos infames”.

De acordo com o advogado Ricardo Serrano Vieira, em declarações à TSF e ao jornal Público, o juiz pretende avançar com um processo contra um total de 20 pessoas, em que se incluem não só os humoristas Ricardo Araújo Pereira, Bruno Nogueira, João Quadros e Diogo Batáguas, mas também Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, Joana Amaral Dias, comentadora, e ainda a jornalista Fernanda Câncio.
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