Na madrugada do próximo domingo, 27 de outubro, os relógios da União Europeia vão andar para trás uma hora. Portugal não é exceção. Mas porque o fazemos? A resposta pode estar numa das primeiras premissas economicistas europeias: ao andar uma hora para trás voltamos a acordar de dia e poupar energia elétrica.
Vamos, mais uma vez, acertar os relógios. Uma alteração que muitos consideram um “roubo” ao precioso descanso semanal.
Por cá, no continente e na Madeira, quando forem 2h00 vamos ter de atrasar os relógios para a 1h00, enquanto nos Açores,à 1h00 volta a ser meia-noite.
Foto: Aron Visuals - Unsplash
Mas a questão mantêm-se e coloca-se sempre em março e, agora, em outubro: “Porque é que a hora muda?”.
Para dar essa resposta, teremos de voltar “literalmente atrás no tempo” e ir até ao início do século XVII, viajando até terras inglesas.
Decorria o ano de 1907 quando William Willett (bisavô do vocalista dos Coldplay Chris Martin), publicou “The Waste of Daylight”. Um panfleto onde afirmava que “Enquanto estamos a dormir, o Sol ilumina a terra durante várias horas”, pelo que só sobra “um breve período, quando a luz do dia começa a desaparecer, que podemos aproveitar para lazer”.
O objetivo da chamada "hora de inverno" é otimizar o aproveitamento da luz natural, assim e a partir de domingo, ao anoitecer, a rotina de nos deitar-mos passa também por uma antecipação, contribuindo para uma “eventual” economia de energia, ao reduzir o tempo em que as luzes precisam estar acesas.
Uma ideia que deu origem ao termo “Daylight Savings Time”, algo que se pode traduzir como “tempo de poupança de luz do dia”.
Esta mudança de hora, tanto no outono quanto na primavera, traz efeitos práticos notáveis.
Mas vamos aos exemplos: no outono, no dia anterior à mudança, quem sai para trabalhar por volta das 7h30, ainda sai de noite, com o pôr do Sol a ocorrer pelas 18h30. Contudo, no dia seguinte, este mesmo horário já se apresenta iluminado pela luz do dia. Em contrapartida o Sol passa a pôr-se mais cedo, às 17h30.
Já na primavera, o efeito é inverso, com o Sol a nascer e a pôr-se progressivamente mais tarde.
Parece uma boa explicação. Mas há outras.
A primeira proposta de mudança de hora terá partido do entomologista neozelandês George Hudson, que propunha avançar o relógio duas horas na primavera e recuar duas horas no outono. Uma proposta de data incerta que teria motivos um pouco egoístas.
Hudson só queria mais duas horas de luz para caçar insetos no verão.
Uma outra ideia apontada para a justificação na alteração do horário é a sincronização dos horários de operação dos mercados financeiros e das atividades económicas. Por exemplo, ao ajustar os horários, há um melhor alinhamento entre as bolsas de valores europeias e os mercados de Nova Iorque ou de outros centros financeiros internacionais.
Um fator essencial que facilita a coordenação de transações comerciais e financeiras, reduzindo discrepâncias de fuso horário e permitindo uma maior sobreposição dos períodos de negociação entre regiões.
A alteração começou a ser vista com outras potencialidades, com impacto nos negócios, turismo e produtividade. Exemplo disso são as áreas do turismo e retalho, que beneficiam de mais horas de luz natural, que incentiva o consumo e o fluxo turístico.
Assim, podemos concluir que afinal mudar a hora não é assim tão mau? Nem sim, nem não.
Foto: Randy Fath - Unsplash
Regulação horária na Europa e em Portugal
Em 1996, por meio da Comissão da Hora, a União Europeia decidiu padronizar a aplicação da hora de verão entre os seus Estados-membros.
A convenção define que os relógios devem avançar 60 minutos, à 1h00 UTC (Tempo Universal Coordenado) do último domingo de março e retroceder esses mesmos 60 minutos à 1h00 UTC (ou 2h00 em Portugal Continental) no último domingo de outubro.
A escolha da alteração horária acontece à 1h00 UTC e não à meia-noite para evitar alterações de data.
Apesar das justificações económicas, houve sempre quem não sentisse a necessidade desta alteração ”não natural”, considerando-a estranha ao biorritmo humano.
Em 2018, o Parlamento Europeu lançou um inquérito online para avaliar a opinião dos cidadãos sobre a manutenção ou o fim da mudança de hora. A maioria dos votos favoreceu a eliminação da mudança, mas a adesão ao inquérito foi baixa, com apenas 0,85 por cento dos cidadãos europeus a participar, dos quais quase 70 por cento por cento eram alemães.
A forte participação alemã tem uma explicação: no solstício de verão, Berlim possui duas horas a mais de luz do dia que Lisboa, enquanto no solstício de inverno a capital alemã tem duas horas a menos de luz, com o Sol a nascer por volta das 8h15 e a pôr-se antes das 16h00.
Assim, a mudança de hora na Alemanha é pouco significativa para o aproveitamento da luz solar.
Com base no inquérito, o Parlamento Europeu votou, em 2019, pela eliminação da mudança de hora a partir de 2021. No entanto, o Conselho da União Europeia solicitou à Comissão Europeia um estudo detalhado sobre os impactos do fim da mudança de hora, estudo esse que ainda está por ser elaborado.
Por cá, o órgão que aconselha o Governo sobre o regime de hora legal e questões ligadas à hora científica é a Comissão Permanente da Hora.
Em resposta ao inquérito europeu, a Comissão elaborou o parecer "A Hora Legal Portuguesa: O Impacto da Hora de Verão; A Escolha da Hora Legal". Neste documento, afirma que nenhuma das alternativas é ideal para Portugal, considerando que UTC+1 seria a pior escolha, pois implicaria a permanência na hora de verão o ano todo.
Esta medida, que já fora adotada entre 1992 e 1996 sob o governo de Cavaco Silva, alinhou Portugal ao horário da Europa Central (CET), fazendo com que, no auge do inverno, o Sol nascesse apenas pelas 9h00.
A Comissão defendeu que, embora modesta, há uma poupança de energia associada à alteração horária e que os efeitos na saúde, como a perturbação do sono, são mínimos.
Contudo, em 2021, um grupo de especialistas subscreveu a Declaração de Barcelona sobre Políticas do Tempo, que sugere o fim da mudança de hora, sustentando que esta prática não traz benefícios significativos na economia de energia e que a sua eliminação melhoraria a saúde, a economia, a segurança e o meio ambiente.
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