O Grupo Vita fez até ao momento apenas três sinalizações anónimas de casos de abusos sexuais na igreja, algo que facilita as investigações subsequentes, judiciais ou canónicas, defendeu hoje a coordenadora do grupo, Rute Agulhas.
Na apresentação do relatório de seis meses de atividade e do manual de boas práticas proposto pelo Grupo Vita, em conferência de imprensa hoje, em Lisboa, a psicóloga sublinhou a diferença face ao trabalho da comissão independente que precedeu este grupo, a qual "apresentou uma lista de nomes" de padres abusadores, sem identidade dos acusadores ou outra informação adicional, o que provocava "constrangimentos" à investigação.
"É um pouco diferente a nossa realidade em relação à comissão independente. Fizemos até à data apenas três sinalizações anónimas, em que a vítima pediu o anonimato. Em todas as outras as pessoas assumem o seu nome, dão os seus contactos, portanto, quando sinalizamos a situação, seja à igreja, seja à Polícia Judiciária (PJ) ou ao Ministério Público (MP), a informação tem alguma informação adicional. Dizemos o quê, quem, como, quando, onde. Esta informação pode ser determinante para que depois possa haver um processo de investigação, seja canónico ou judicial", referiu Rute Agulhas.
A coordenadora do Grupo Vita adiantou ainda que está "neste momento em cima da mesa uma reflexão" surgida do facto de três das 42 pessoas atendidas pelo grupo não preencherem os critérios de adulto vulnerável, mas que mantiveram relações sexuais com membros da igreja em situações que podem também ser consideradas abusivas, e que foram denunciadas diretamente aos bispos, por se reportarem a violações de obrigações canónicas.
"Entendemos que deve ser pelo menos pensada esta questão da equiparação destas situações, de adultos que não sendo vulneráveis acabam por se envolver sexualmente com alguém da igreja, que estas situações possam ser equiparadas a situações de assédio sexual, porque efetivamente não podemos esquecer a posição hierárquica destes sacerdotes, de maior poder, também não podemos esquecer os contextos em que estas situações existem, portanto achamos que isto é merecedor de uma reflexão", defendeu a psicóloga.
Rute Agulhas defendeu também que é necessário rever a lei no que diz respeito aos prazos de prescrição de crimes de abusos sexuais.
"Temos uma média de 42 anos para que as pessoas possam revelar. Temos que repensar os prazos de prescrição destes crimes, (...) não é aos 23 anos que se tem maturidade necessária e que se consegue processar toda esta vivência que permita uma revelação. Este é um tipo de criminalidade que tem uma especial natureza, que tem especificidades, em que a dificuldade das vítimas em denunciar é gigante e, portanto, precisamos de pensar e repensar um regime excecional que exige naturalmente uma revisão dos prazos de prescrição", disse.
Adiantou ainda que o apoio psicológico que está a ser prestado a vítimas de abusos assenta na bolsa de psicólogos criada para o efeito pelo Grupo Vita, ainda que com algumas limitações e dificuldades regionais, e que os custos estão a ser suportados pela igreja, estando atualmente o pagamento a cargo da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), que depois se articula com as respetivas dioceses a que os abusos dizem respeito.
David Ramalho, advogado e membro do Grupo Vita, sublinhou que o manual de boas práticas e o canal de denúncias ali preconizado, pretende ser um ponto final na "opacidade" na atuação da igreja, acusada de fomentar o encobrimento dos abusos, permitindo a criação de um canal seguro de reporte de casos através do qual o denunciante se sinta livre para denunciar "em condições de não retaliação".
O Grupo Vita reportou ao MP e à PJ 16 casos de violência sexual no contexto da Igreja Católica durante os primeiros seis meses de atividade e, segundo o relatório, para além das 16 situações sinalizadas às autoridades para investigação (ficaram de fora os casos em que o denunciado já tivesse morrido ou existisse um processo judicial), foram igualmente comunicados 45 casos às estruturas ligadas à Igreja, das quais 27 para as comissões diocesanas.
O Grupo Vita pode ser contactado através da linha de atendimento telefónico (91 509 0000) ou do formulário para sinalizações, já disponível no `site` www.grupovita.pt.
Criado em abril, no âmbito da Conferência Episcopal Portuguesa, assume-se como uma estrutura isenta, autónoma e independente e visa acolher, escutar, acompanhar e prevenir as situações de violência sexual de crianças e adultos vulneráveis no contexto da Igreja Católica.
O Grupo Vita surgiu na sequência do trabalho da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica, liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, que ao longo de quase um ano validou 512 testemunhos de casos ocorridos entre 1950 e 2022, apontando, por extrapolação, para um número mínimo de 4.815 vítimas.